Dedicatória de Plínio Salgado a Antonio Salem (antigo membro da Câmara dos Quarenta da Acção Integralista Brasileira) |
Plínio Salgado
Homens
e mulheres do Ocidente, adeptos de todas as crenças que se dizem cristãs,
frequentadores das igrejas católicas e das igrejas ortodoxas, anglicanas, metodistas,
presbiterianas, batistas, evangélicas e quantas mais vieram da Reforma, e ainda
outras que, sob os prismas mais diversos, inspiram-se em Cristo nestes tempos
calamitosos; ouvi a palavra do Dr. E. W. Emgstrom, vice-presidente da “Radio
Corporation of America”.
Nenhuma
ocasião é mais propícia a essa palavra do que a noite em que celebrais, segundo
os vossos costumes, com presépios ou árvores resplandecentes de lantejoulas,
com as mercearias iluminadas e pejadas
de nozes, castanhas, figos e uvas, e vinhos de todas as qualidades, o
aniversário do nascimento de Jesus Cristo. Não importa que o Dr. Emgstrom haja
falado no curso do ano que finda. As suas palavras ganham oportunidade à passagem
deste Natal. O que ele diz tem grande importância para a mitologia dos tempos
modernos. Ele anuncia mais um deus ao politeísmo do século XX, tão rico em
divindades novas e prestigiosas.
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O Dr. Emgstrom revela que a ciência e
a técnica, à maneira de Erebo e da Noite, os dois filhos do Caos, depois de
terem engendrado os vossos deuses-máquinas, esses deuses que se chamam o
automóvel, o avião, o rádio, o calculador automático, o radar, o submarino, a
bomba atômica, acaba de inventar um engenho eletrônico, dotado de pensamento e inteligência
e capaz de sentir e reagir... E afirma, categoricamente: “O homem poderá
construir, em sistemas eletrônicos, uma máquina capaz de o substituir".
Em seguida, prevendo o susto que vos
assaltaria, ao imaginar que essa máquina, fabricada em série pelo Capitalismo
Burguês ou pelo Estado Socialista, iria tornar-vos seres inúteis ou muito mais
dispendiosos ou inconvenientes, o Vice-Presidente da “Radio Corporation of
America” acrescenta:
“Entretanto, o que os eletrônicos podem
executar tem um limite, embora ainda muito distante para ser conhecido presentemente.
A mente humana, ao contrário, não tem limites e sendo o seu poder criador
fundamental, o Homem continuará a ser sempre supremo, isto é, superior à
máquina raciocinante”.
Confesso, homens e mulheres que vos dizeis
cristão em nosso século, confesso não ter sentido nas palavras do grande
técnico nenhuma consolação e tranquilidade. E isso porque observo, nestes
últimos anos, um fato que ninguém pode contestar: enquanto as máquinas de ferro
e de outros metais tendem a humanizar-se, executando os atos do Homem, o Homem
tende a maquinizar-se, não somente se submetendo ao ritmo dos engenhos
mecânicos e elétricos por ele próprio engendrados, mas, ainda, procurando
conformar-se a sistemas de movimentos e de ações que anulam o potencial da sua
personalidade. A máquina quer ser gente; o Ser Humano quer ser máquina.
Já não falo do ritmo do trabalho que
se convencionou chamar racionalizado, mediante o qual a especialização reduz a
Criatura de Deus aos limites de um isocronismo exasperante e aos acanhados
espaços de funções restritas onde morre toda a possibilidade do poder
inventivo. Já não falo do rebaixamento da pessoa humana reduzida a só mover uma
determinada alavanca, ou a ligar e desligar uma corrente elétrica, ou a limar
parafusos, ou a polir cilindros, ou a abrir roscas em porcas metálicas. Já não
falo no automatismo das mãos conformadas à cadência do aparelho, como observou
Gheorghiu no seu livro “A Vigésima Quinta Hora”.
Falo da mecanização crescente da vida
social. Falo dos regimes políticos onde o Homem se torna peça na grande máquina
do Estado. Falo nas planificações econômicas (é preciso distinguir planificação
de planejamento), as quais fazem do Ser Humano um zero, enfileirado com outros
zeros, cujo conjunto, à direita do algarismo significativo do Poder, eleva o
potencial deste e em consequência sua maior tirania. Falo da concepção
econômica da História e dos processos sociais, o que transforma os povos e os
indivíduos em comunidades sem espírito e seres sem alma, submetendo-os aos
impositivos de irrevogável determinismo.
Falo da concepção mecânica da inteligência, medida, pesada e contada pelo
artifício dos “tests”, com abstração total da misteriosa complexidade e dos
dificilmente reveláveis segredos da personalidade. Falo dos sistemas de fichas,
a que todos se submetem, desde a ficha dactiloscópica à ficha nas policias, à
ficha nos hotéis, à ficha nos bancos, à ficha profissional, que trazem o Rei da
Criação perenemente vigiado, inquirido, suspeitado, humilhado. Falo dos mil
impostos que os Governos cobram e através dos quais à vida do contribuinte é
devassada, vasculhada, até mesmo o seu pudor domiciliar. Falo da psicanálise,
essa nova superstição dos tempos modernos, que não respeita os sagrados
recessos da alma humana, ultrapassando as fronteiras as dignidade e atentando
contra as prerrogativas do Homem outorgadas por Deus. Falos dos modernos
processos dos inquisitórios adotados na Rússia, com aplicação de drogas, como a
mescalina, desintegradora da personalidade. Falo na substituição da “qualidade”
pela “quantidade” no que concerne aos meios de representação nacional e eleição
de governantes, o que transforma os povos conscientes em massas inconscientes,
despidas de raciocínio e tangidas em grandes movimentos de rebanhos pelos
detentores das máquinas de propaganda. Falo da ação mecanizadora da imprensa,
do rádio, da televisão, do cinema, que
plasmam, um por um dos leitores, dos ouvintes, dos tele ouvintes, dos
espectadores, uniformizando-os em opiniões, em gostos, em comportamento, e fabricando com a matéria
prima de seres personalizados, infindáveis séries de tipos “standard”, com
idênticas atitudes, idênticas palavras, idênticos hábitos. Falo do critério
exclusivamente funcional na arquitetura, que fez das casas do Homem simples
máquinas de morar, destruindo toda a possibilidade do chefe e da mãe de família
no sentido de imprimirem caráter próprio ao lar doméstico; ver um apartamento é
ver todos: são caixas onde se guardam os “robots” que durante o dia executam as
mesmas coisas que os outros “robots” executam. Falo dos excessos da
interpretação social mediante os frios algarismos das estatísticas que
consideram meros problemas matemáticos os dramas humanos mais pungentes e tiram
conclusões do geral para o particular, conformando os mais variados e
complexos, os mais típicos e específicos índices psicológicos pessoais ou
grupais, à teoria dos inexpressivos
recenseamentos como uma terraplanagem de relevos característicos do solo.
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Uma voz denunciou ao mundo o perigo
que representa esta tendência para a mecanização do Homem e da Sociedade. Foi
Pio XII na sua Mensagem de Natal no ano passado. Impressionou-o o despotismo da
Máquina sobre o Homem. “Esta incapacidade de dominar a máquina” – diz o Sumo
Pontífice – “deveria sugerir aos homens, suas vítimas, a certeza de que não
podem esperar a salvação unicamente dos técnicos da produção e organização”.
Mais adiante, criticando as falsas teorias, que pretendem solucionar os
problemas sociais e econômicos “mediante uma organização rigorosamente uniforme
e inflexível”, Pio XII diz: “Pretender a salvação de fórmulas rígidas,
aplicadas materialmente à ordem social, é uma superstição, porque é atribuir a
essas fórmulas um poder prodigioso, que elas não têm”.
Mas vós, homens e mulheres do século
XX, e particularmente homens e mulheres da Europa Ocidental e das Américas, que
vos dizeis cristãos, nada quereis compreender. Servis a dois senhores, a Cristo
e a Mamon. Dizeis que estais integrados no Reino de Deus, mas viveis segundo o
Reino de Satã, o destruidor da personalidade humana. Aceitais todas as superstições
contemporâneas. Criastes a Máquina mas em vez de dominá-la sois dominados por
ela. O Comunismo Russo e o Capitalismo Ocidental, que são uma e a mesma coisa,
pelas suas origens materialistas e seus objetivos exclusivamente temporais,
impuseram-vos a adoração de novos deuses de aço. Esses deuses são mais
perversos do que o das mitologias egípcia, assírio-babilônica, greco-romana,
pois Osíris, Isis, Hórus, Anúbis, e Melkart, Ormuz, Bel-Marduk, e Júpiter,
Saturno, Dionísio, Apolo, Vênus, esses pelo menos falavam de uma vida além dos
limites deste mundo, ao passo que o deus Cadilac, o deu Douglas, o deus T.S.F.,
o deus Nautilus, o deus TV, e mil outros de aço que adorais, só vos falam da
vida deste mundo. Os pagãos antigos eram mais dignos, porque não perdiam as
prerrogativas de Seres Humanos; mas vós não só adorais, mas imitais os
deuses-máquinas, conformai-vos ao seu ritmo, e pretendeis transformar a ordem
social, a ordem política, a ordem econômica, a ordem moral em imensos
maquinismos, onde não passais de peças e onde impera a cadência do todo em que
vos integrais.
Tendes ainda uma inferioridade em
face dos pagãos anteriores a Cristo. É que eles não tinham recebido a luz da
Verdade, que vós recebestes há dois mil anos. Eles não tinham o que hoje tendes:
a Redenção cujo preço foi o sangue de Cristo. Eles não haviam recebido a
doutrina do Evangelho e vós a tendes recebido há vinte séculos.
O vosso castigo há de ser – se não
vos modificardes – o Frankstein de que vos fala o Dr. Emgstrom. Ele irá tomar o
vosso lugar. Seres despedidos pelo Comunismo ou pelo Capitalismo, os dois monstros
do Apocalipse.
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Sob o critério materialista, a
Máquina, é, em tudo, superior a vós. Em 1931, escrevi estas palavras que depois
foram enfeixadas nos livros “O Sofrimento Universal” e “Madrugada do Espírito”:
“O monstro de aço conquistou mais do
que a igualdade, a superioridade social sobre o homem. A máquina não tem pais e
nem gera filhos; não vibra de afetos; não alimenta aspirações; não cultiva a
moralidade. É, portanto, muito mais conveniente ao capitalismo universal. E é
por isso que o Capitalismo quer arrancar do Homem os últimos resíduos
espirituais, para que a massa proletária se transforme também num sistema de
maquinismo...”.
E considerava: “O instinto da máquina
vai avassalando tudo. A máquina exige que se modelem coletividades de
movimentos automáticos, de formas geométricas precisas e cadências uniformes.
Essas coletividades devem cristalizar-se nos fornos das necessidades, que irão
obrigando cada tipo isolado a se acomodar ao grande ritmo cujo sentido é a
mecanização total da existência. É a redução ao inanimado. A racionalização
desracionalizante. O homem tipo como a máquina-tipo. O trabalho-mercadoria como
o Quilowatt-hora. O índice de caloria dos combustíveis. O trabalho como
finalidade do trabalho. A morte total do espírito”.
“O Homem inventou a máquina; a
máquina agora, quer fabricar homens. E se um dia saírem homens das usinas,
também os úteros das mulheres gerarão homens-máquinas, sem coração, sem afeto”.
Essas palavras foram escritas em
1931. E agora dois fatos as comprovam, neste 1953. O dr. Emgstrom anuncia o
advento do Frankstein eletrônico. E as estatísticas revelam o número de
crianças nascidas de inseminação artificial, pois nos Estados Unidos se marcha
para a fabricação de homens de laboratório, cuja composição exige apenas a
mulher como receptáculo de um sêmen anônimo, provindo do caos coletivo, sem
história, sem relação com o sentimento em que se sublima, para honra da Espécie,
o impulso sexual.
E, assim, homens e mulheres adoradores
da Máquina, que vos dizeis cristãos e festejais o Natal Daquele que veio ao
mundo para redimir o Ser Humano e dar-lhe noção de sua grandeza pessoal, esta
mensagem que vos envio está cheia de dor dos que ainda pensam e raciocinam
quando a maior parte de seus semelhantes abdicou as altas prerrogativas que
Deus lhes havia outorgado. E essa dor, que se apura no fogo das meditações,
eleva-se aos Céus em forma de prece, rogando ao Cristo, cujo nascimento
comemoramos, que nos ajude, neste século, a libertar-nos da escravidão a que
nos temos submetido, a fim de que nos arranquemos do pior dos paganismos que
aterra já conheceu, e possamos, restaurando a Personalidade Humana, servirmos a
um só Senhor e Deus, conforme nos ensinou o mesmo Jesus Cristo, ao dizer-nos
que, para pertencermos ao seu Reino, cumpre-nos repudiar a Mamon, senhor do
dinheiro e senhor das máquinas, escravizador e automatizador dos ritmos sociais
em que se anulam os ritmos próprios de cada homem e de cada mulher, quando se
esquecem da nobreza da sua origem e da glória de sua finalidade suprema.
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SALGADO, Plínio. A Tua
Cruz, Senhor... Rio de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, 1954.
Transcrito das páginas 115 até 124.