quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

A HORA TRÁGICA (18/02/1936)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

A HORA TRÁGICA (18/02/1936)

Plínio Salgado

Espanha e França estão vivendo as suas horas trágicas.

É preciso que os brasileiros pensem, enquanto é tempo, sobre as circunstâncias que provocaram àquela hora trágica.

Na "Casa del Pueblo", em Madrid, foi hasteada a bandeira vermelha. Uma grande massa canta a Internacional pelas ruas da capital espanhola. Em Barcelona, há demonstrações e distúrbios da "esquerda". O governo castelhano, governo liberal democrata, governo centrista, governo inspirado por um socialismo "agua de flores de laranjeira", decretou o "estado de alarme", medida que não chega a ser o "estado de sítio”, medida contemporizadora, ineficaz.

Em França, agitam-se os extremistas. A pressão que o Governo faz sobre as "direitas" facilita a expansão dos bolchevistas encapotados, que se mascaram de socialistas, de liberais-democráticos, de defensores de liberdades públicas, e preparam os golpes violentos.

A hora presente é trágica para A Europa. A guerra da Abissínia, criando uma atmosfera de desconfiança entre a Itália e a Inglaterra, enfraquece as forças de resistência de uma velha civilização. O nacional-socialismo da Alemanha, si dermos crédito ao que noticiam as agências telegráficas, abre luta com as correntes católicas, e isso vem trazer também uma situação mórbida para o estado de espírito do povo alemão.

Não se pode negar que a hora é de angústia, de superexcitação, de dúvidas terríveis.

E tudo isso deve servir de lição aos povos jovens como os da América do Sul,

Povos jovens, que vivem artificialmente uma vida de velhice. Povos que estão também minados pelas mesmas enfermidades que depauperam os povos velhos.

A última revolução comunista no Brasil; a máquina revolucionária bolchevista que, se descobriu instalada no Uruguai; a recentíssima sedição soviética no Chile; a marcha franca e aberta do México, para o socialismo avançado; o estado de espírito na Argentina, no Paraguai, nos outros países sul-americanos, tudo isso está mostrando aos que ainda têm um pouco dessa coisa raríssima, tão pouco comum, que é o senso comum, os perigos iminentes que nos ameaçam.

É a velhice precoce.

Velhice à qual devemos opor, como único remédio as desgraças da Pátria, a força da mocidade, os ímpetos da juventude, a energia criadora e realizadora de novas gerações capazes de apreender o sentido dos fenômenos sociais contemporâneos, o processo segundo o qual se criam situações como essas que desesperam hoje a França e a Espanha.

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Também naqueles países, os políticos só cuidam de política. Mas de política rasteira, vergonhosa, restrita, de partidarismos mesquinhos. Os homens que fazem a política, em regra geral, ignoram os abismos sobre que pisam.

Lembro-me quando estive em Madrid, em 1930. Fui visitar o Palácio Real. O rei Affonso XIII estava veraneando, tranquilamente, em S. Sebastian. Conduziu-me, pelos amplos e imponentes salões, o Duque de Miranda. Ao chegarmos à sala dos Tronos, diante da grandeza majestática dos dois solenes e aurifulgentes dosséis dos reis de Espanha, não pude conter que não perguntasse: "Estes tronos estarão bem seguros?" A minha pergunta talvez não fosse bem compreendida. Mas eu tinha estado na rua e conversara com os carregadores, os engraxates, os jornaleiros, os empregados de comércio, os chauffeurs, lera, sobretudo, os jornais. Meses depois, os acontecimentos respondiam à minha pergunta, e aqueles tronos ruíam, sem ao menos a poesia de um episódio grandioso. A monarquia, em Espanha, acabou da maneira mais ridícula possível: com uma eleição.

Os políticos nunca sabem o que está acontecendo em redor. Estão sempre certos de que a sua posição é firme. Recordo-me bem dos últimos dias nos Campos Elísios, em S. Paulo. Tendo chegado da Europa, em outubro de 1930, com um manifesto integralista na mala, com um rumo novo a seguir, a minha dignidade pessoal me obrigou a ficar ao lado de um amigo, assistindo à agonia de uma situação. Essa agonia, porém, assumia um aspecto de optimismo. Ninguém acreditava que o Poder pudesse ser abalado. Altas horas da madrugada, eu e Menotti Del Picchia, sozinhos (os políticos só iam à tarde saber as últimas notícias), atravessávamos as alamedas, por entre as sentinelas alarmadas, dizendo: "Parece incrível que esta gente esteja tão fora da realidade!”.

Hoje, observo que incrível será que os homens que fazem a política estejam a par da realidade!

Sim! É condição mesmo dos que se agitam nos partidos do governo ou das oposições, não dar pelo que se passa em redor deles, na sombra.

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O que se passa hoje em Espanha e França mostra bem a cegueira dos políticos. Na Rússia, deu-se a mesma coisa, quando Kerensky estava no Poder. É prevalecendo-se dessas situações, que os comunistas agem e preparam o golpe técnico.

Os políticos não querem convencer-se de que uma situação nova surgiu no mundo. A democracia só poderá subsistir, si adoptar novos métodos de captação da vontade popular. O sufrágio universal está desmoralizado. É um instrumento de agitação, de enfermidade nacional, de anarquia dos espíritos, de lutas estéreis. Quando esse sufrágio universal se pratica num país como a Espanha, onde há os interesses regionais de províncias, como no caso da Catalunha, quase separatista, ele agrava de um modo profundo a doença politica do país.

Não existindo partidos nacionais, porém, apenas estaduais, essa circunstancia concorre para cegar de um modo absoluto os políticos. Olhando só para o interesse da política estadual, eles se esquecem, completamente, dos perigos que ameaçam a vida comum do país e não reparam que estão pisando sobre um vulcão.

O único meio de combater o extremismo, a marcha inexorável do bolchevismo, é criar a União Nacional. Mas essa União Nacional não pode, de maneira nenhuma, constituir-se de remendos, isto é, da fusão de partidos já existentes, pois não teria consistência nem estrutura para se manter.

Cegos e surdos, os políticos pensam, no auge da sua mania partidária, que a União Nacional pode se fazer fora do campo político. Organizam, então, entidades apolíticas, meramente educacionais, patrióticas, pensando que assim poderão continuar a fazer sua politiquice, enquanto os patriotas agem num campo neutro.

É o maior, o mais doloroso engano. O caso mundial, como o caso nacional, é um caso eminentemente, político e que só se resolve com política. A enfermidade é politica. Fora da política, pois, não haverá salvação.

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Que política será essa então, capaz de conjurar as tremendas ameaças desta hora trágica?

Por certo que não será a política com "p" minúsculo, a politicazinha dos partidos situacionistas ou oposicionistas que proliferam pelo país, e sim uma larga, superior Politica, com "P" maiúsculo, de visão panorâmica e ao mesmo tempo de raízes profundíssimas na alma nacional.

Na marcha em que vamos, cumpre que nos miremos nos espelhos da França e da Espanha. E os homens de bem, os homens de boa vontade, os homens que ainda colocam o Brasil acima dos interesses de facção, da possibilidade de cargos e posições brilhantes, que tenham um gesto de renúncia enquanto é tempo. Esse gesto de renúncia equivale a um gesto de conquista e de salvação até mesmo da carreira pessoal.

Eu sei que muitos não acreditarão no que digo; sei que muitos dirão com seus botões: "deixe-me ultimar este compromisso que tenho com Fulano de tal, ou com o partido "x", e depois conversaremos". Sei que muitos terminarão a leitura deste "aviso" e conversarão, em seguida, sobre outro assunto. Sim: eu sei de tudo isso. Mas, sabendo, cumpro o dever de erguer a voz, que é também a de todos os "camisas- verdes", a fim de que, no futuro, ninguém possa alegar que não foi advertido, que a sua atenção não foi despertada.

Enquanto isso, aguardemos os acontecimentos da França e da Espanha, onde os partidos liberais agonizam. Onde os governos pensam que a questão social é caso de polícia. Onde os homens do "centro" revelam mais rancor pelo patriotismo exaltado das correntes da direita do que pelos próprios comunistas.

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Marchamos hoje, no Brasil, para uma situação idêntica.

É com inquietação, que nos perguntamos: quanto tempo durará a atual situação daqueles dois países?

GII Robbles e Primo de Rivera hastearão sua bandeira de salvação nacional no Palácio do Governo de Madrid?

O coronel de la Rocque desfraldará seu pavilhão de legítima glória francesa sobre as margens do Sena?

Ou toda a cultura, toda a tradição, toda a história, toda a dignidade da França e da Espanha afundarão no aviltamento de um cativeiro ignominioso, em que esses povos bravos serão pisados pelo tacão da bota dos ladrões internacionais que atualmente governam a Rússia e pretendem governar o mundo?

Brasileiros: O resto entendereis de tudo quanto vos quero dizer. Não é preciso dizer mais para a vossa dignidade e amor ao Brasil.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 18 de Fevereiro de 1936.

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