Esclarecimento: O Artigo abaixo foi publicado em jornal
pelos “Diários Associados, mas, o recorte que dispomos não trazia a data da
publicação. Felizmente, graças ao impressionante trabalho de pesquisa sobre o
Integralismo em fontes primárias, o brilhante pesquisador Matheus Batista pode
nos informar que a data da edição foi 03 de Julho de 1968.
Em breve, o Companheiro Matheus Batista
publicará uma sensacional Obra sobre o Integralismo. Aguardem!
AS
ARMAS CONTRA OS RINOCERONTES!
PLÍNIO SALGADO
O escritor inglês Wells, há alguns anos atrás,
fez-nos uma revelação original: a de que toda a humanidade está se tornando
louca e só não o percebemos por estarmos nela integrados. Sendo uma loucura
coletiva, todos nela se ambientam, tornando-se, portanto, impossível discernir
a verdade da mentira, o bem do mal, o belo do feio. Dessa forma decompõem-se os
sentimentos morais, estéticos e lógicos.
Por outro lado, o teatrólogo Ionesco, não faz
muito tempo, escreveu uma peça, que tem sido amplamente representada no teatro
e no cinema, apresentando uma cidade onde os habitantes resolveram virar
rinocerontes. O caso começa com alguns, estende-se a outros mais, domina a
população. Um funcionário de certa firma dispõe-se a reagir, mas dentro em
breve, o próprio diretor da organização industrial também se transforma em
rinoceronte. Da sua janela, vê o rebelde a passagem da manada dos paquidermes,
com grande estrupido, e isto mais o revolta, principalmente porque sua noiva já
manifestara o desejo de acompanhar a moda de aderir ao consenso geral,
convidando-o para fazer o mesmo. A esta altura, o advogado da firma em que
trabalhava o homem de bom senso, vem procurá-lo para convencê-lo de que virar
rinoceronte era um legítimo direito de todos os homens e mulheres que gozam da
liberdade garantida pela democracia. Enquanto falava, nota aquele homem de
equilíbrio mental que o advogado ia comendo as folhagens do seu vaso. Era sinal
evidente que se ia transformando em rinoceronte. Realmente, não terminara a
conversa quando o bacharel, com um urro sai correndo, desce o elevador, atinge
a rua e se transmuda em paquiderme, como toda a multidão. Entra, em seguida,
sua noiva, que critica os padrões da autoridade familiar e social, declarando “superados”
os critérios antigos. É preciso que as novas gerações assumam atitudes de
independência, de autodeterminação, de liberdade plena. Tudo o mais é
passadismo ultrapassado da geração anterior que (diremos por nossa conta) não
está “conscientizada” e insiste em pretender manter a tolice das tradições.
Assim dizendo, solta um berro e corre desabaladamente para a rua, onde se
integra na massa popular que se transformou em massa paquidérmica. Nesse
momento, o herói do drama, que representava o bom senso, a lógica, o equilíbrio
mental e a consciência da sua racionalidade, grita com todas as forças dos
pulmões: “Eu não serei rinoceronte, porque eu sou e serei sempre um homem!”.
O que assistimos hoje em nosso país, como em
todos os outros dessa chamada “civilização ocidental” não é mais do que,
ampliada, a peça teatral de Ionesco. O raciocínio dos alienados é o seguinte: “todos
usam, todos fazem, todos assim procedem, porque motivo também eu não usarei,
não farei, não procederei?”. A onda dos rinocerontes empolga o magistério
público e privado; envolve a alta sociedade e a classe média; predomina sobre a
juventude; influi na demagogia política; traça normas artísticas; cria um tipo
de literatura adequada ao rinocerontismo; e aí temos o nudismo consagrado e que
já não causa a mínima impressão no seio das famílias; os rapazes de cabelos
compridos e as moças e até as velhas de minissaias; o teatro sustentando que a
pornografia é arte; o desregramento sexual declarando basear-se em princípios
científicos da psicanálise e das constituições endocrínicas; a rebelião contra
a autoridades dos pais (“ultrapassados” e “quadrados”); a insurreição contra os
governos, sem que se saiba ao certo o que pretendem os insurretos; o desrespeito
aos mestres honrados e honestos e a tábua rasa que se faz das pessoas mais
idosas que, na opinião de alguns professores que se fizeram agentes da
corrupção, devem ser “conscientizados” pelos garotos e garotas que os Código
Penal e Civil declaram irresponsáveis. Acrescente-se a isso a extrema liberdade
concedida por pais (que não merecem o pátrio poder) às suas filhas menores e
muito mais aos filhos que se fazem “play-boys”; a vida noturna de ambos os
sexos estimulada pelo álcool, pela maconha, pelos barbitúricos e garantida por
drogas anticoncepcionais; a desordem dos costumes segundo uma concepção
existencialista que faz do ser humano um animal sem finalidade, e teremos o
quadro geral das nações do ocidente, minadas pelo comunismo, ou seja pelos que
pretendem escravizar, domar, esmagar uma sociedade que perdeu a consciência de
si mesma e se transformou numa desordenada manada de rinocerontes.
Todas estas ponderações tenho feito numa
série de artigos insertos nestas colunas, nos quais tenho procurado demonstrar
que sob dois aspectos deveremos considerar o mundo codental: o do agnosticismo
e pragmatismo das classes chamadas dirigentes (políticos, industriais,
comerciantes, financistas) e o do existencialismo da juventude e do povo, de
modo geral. Em um dos meus últimos escritos, falei de um novo politeísmo, cujos
deuses abstrusos são as máquinas e de uma religião que hoje se chama “tecnologia”.
Vem agora o Papa Paulo VI e em impressionante
discurso atribui a atual crise em todos os países “às turbulentas ideias
dominantes no mundo contemporâneo” acrescentando que a “a falta de fé se deve
parcialmente ao crescimento da mentalidade tecnológica” E diz: “A tecnologia
levou a uma organização opressora e à consequente angústia que decorre dos
próprios limites do círculo materialista e precisamente, nestes dias, explode
em rebeliões violentas e irracionais”.
Também em confirmação do que tenho dito, o
grande escrito português Augusto de Castro, diretor do “Diário de Notícias” de
Lisboa, diplomata dos mais brilhantes, membro da Academia de Ciências, mas
sobretudo um dos espíritos mais argutos dentre os que tenho conhecido, escreve
um artigo para os Associados, sob o título “Reflexo da crise de autoridade”,
comentando as recentes desordens na França, no qual, entre outras
considerações, diz: “A crise que se revela e ameaça o mundo não é apenas aquela
que, nos domínios político e social, dominou os acontecimentos em Paris. Não é
somente a dos problemas da educação e sociais. Não é apenas econômica nem de
mera ação de rua. É uma crise de Autoridade em todos os domínios: da autoridade
familiar, da autoridade política, da autoridade internacional, da autoridade
educativa, da própria autoridade religiosa”.
Comentando uma frase do “Izvestia”, de
Moscou, que dizia “os franceses vão depressa demais”, Augusto de Castro declara:
“Não iam apenas depressa; na realidade, não iam para parte alguma, a não ser
para a balbúrdia, para a anarquia, uns com os pensamentos de Mao, que se
caracterizam precisamente pela ausência do pensamento, outros com slogans
desprovidos de sentido ideológico ou real. Era também, na própria subversão, a
ausência de qualquer autoridade”.
Analisando as causas da derrocada da
autoridade, a notável perspicácia do escritor ilustre expõe a sua opinião que é
de rara clarividência, dizendo: “O que determinou no mundo esta crise de autoridade,
que é o mal do nosso tempo, é difícil definir. Duma maneira geral, foi a doença
do “diverso”, que após a guerra, se apoderou dos espíritos. O mundo proclamou o
advento do “diverso” em arte, do “diverso” em literatura”, do “diverso” em
política, até do “diverso” na religião. Do “diverso” sem se saber bem de quê. O
próprio comunismo foi atacado pelo vírus do “diverso” e fez-se o comunismo
chinês”.
Esta interpretação de quanto ocorre no mundo
atual é prefeita, mas para completá-la temos de ir às causas que determinaram
esse estado de espírito e estas devem ser buscadas na confusão das ideias
disseminadas por filósofos e pensadores dos séculos XVII (Racionalismo), XVIII
(Naturalismo), XIX (Experimentalismo Científico) e XX (Tecnologia). Dessas
linhas gerais procederam o utilitarismo inglês, o pragmatismo americano, o
positivismo francês, o criticismo kantiano, a dialética hegeliana, o panteísmo
de Hartman, o monismo de Haeckel, o evolucionismo de Spencer, o anarquismo de
Prudhon e Kropotkine, o socialismo de Marx, o sexualismo de Feud, o
existencialismo de Kierkegard e depois de Sartre, o anticristianismo de Niestzche,
todos com seus derivados, que se multiplicam, não se falando na contribuição
vastíssima da literatura, em seus variados gêneros e as artes plásticas e
musicais em suas variadas expressões. Foi tudo isso que criou o espírito do “diverso”
tão argutamente descoberto por Augusto de Castro. E o “diverso” não é mais do
que a manifestação da angústia do Homem deslocado do seu centro de equilíbrio,
como já observara profeticamente Pascal, sem poder recuperar sua posição
verdadeira ainda que aflitivamente venha tateando nas trevas impenetráveis.
Tivemos, no Brasil, um grande filósofo, que
arrasou, mediante análises escalpelantes as filosofias materialistas do seu
tempo. Foi Farias Brito. Os seus livros “Finalidade do Mundo”, “O Mundo interior”
e seus opúsculos “A verdade como regra das ações” e “Base física do espírito” constituíram
o início de um movimento espiritualista que deve ser continuado, com a
atualização dos conhecimentos adquiridos mais recentemente, nestes últimos
cinquenta anos de unilateralidade científica e de fanatismo tecnológico.
Esse tem sido o meu esforço, objetivando
criar uma nova geração, isenta do cativeiro dos ditadores das falsas
filosofias, produtos das elucubrações dos que não se sentem, eles próprios,
seguros de suas concepções e outra coisa não fazem senão lançar maior confusão
sobre a que tínhamos herdado das gerações precedentes. Precisamos de uma revolução,
mas uma revolução autêntica da mocidade, contra a rotina, as frases feitas, as
ideias e costumes aceitos passivamente pelas mediocridades internacionais e
pela burguesia capitalista inconsciente. O lema deve ser, para tomarmos a
interpretação da nossa contemporaneidade tão admiravelmente revelada por
Ionesco: combate aos rinocerontes.
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