terça-feira, 5 de março de 2024

Estado de guerra e liberdade eleitoral (29/04/1937)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

Estado de guerra e liberdade eleitoral (29/04/1937)

Plínio Salgado

O ato do Governo Federal transferindo do sr. governador Flores da Cunha para o sr. general comandante da 3ª Região Militar os poderes de execução do "estado de guerra" não deve e não pode ser considerado no seu aspecto local ou segundo quaisquer circunstâncias especiais. Neste momento, devemos desse ato tirar algumas conclusões da maior oportunidade, referentes ao próximo pleito a ferir-se para a sucessão presidencial da República.

Preliminarmente, pergunta-se: as eleições de Janeiro próximo vão ser conduzidas por partidos nacionais sem nenhuma ligação com os governadores de Estado?

Em seguida, indaga-se: pode haver eleição sem os atos preparatórios da propaganda eleitoral?

A primeira pergunta, respondemos pela negativa. As correntes políticas em esboço para o pleito presidencial obedecem ao critério da "aliança" dos governadores de Estado. Alguns governadores se unem contra outros governadores. Só existe um partido nacional, que é o Integralismo, e esse não é visto com bons olhos pelos dois grupos de governadores.

Respondendo à segunda pergunta, diremos que não será possível haver eleição se não houver propaganda, pois o voto não é apenas o ato material de depositar uma cédula na urna, mas também ato moral da deliberação anterior, precedido do ato intelectual do estudo das candidaturas, sendo este ato impossível sem os "dados" fornecidos pela propaganda. Por conseguinte, serão nulas as eleições no Estado onde a propaganda não for livre, em todas as suas manifestações exteriores.

Respondidas essas duas perguntas, formulemos outras.

Se os governadores de Estado pertencem a um partido estadual, por eles próprios, formal ou virtualmente conduzido às urnas, podem eles, sem graves ameaças à liberdade do seu adversário, estar armados de poderes excepcionais que desconhecem toda e qualquer garantia constitucional, sendo dentro dessas garantias que se torna possível o exercício dos direitos políticos?

A resposta clara e já famosa está na atitude do sr. governador da Bahia, em relação ao Integralismo, atitude, em menores proporções, seguida pelos governadores do Paraná e do Espírito Santo. Naqueles Estados encontra-se um partido nacional impedido de exercer livremente a propaganda, sob o pretexto da sua inconveniência durante o "estado de guerra".

E, se nos objetarem que existem remédios jurídicos para o caso, argumentaremos com os seis meses de prisão que sofreram os Integralistas da Bahia, no desenrolar de um processo propositadamente demorado, até que o Tribunal de Segurança Nacional pôde decidir em face dos autos. E argumentaremos ainda com algumas decisões de Tribunais Regionais que deixaram de tomar conhecimento de pedidos de mandado de segurança, sob o pretexto de estarem suspensas todas as garantias durante o "estado de guerra".

Como, pois, realizarem-se as eleições presidenciais, se os governadores de Estado, no exercício da execução do "estado de guerra", sob qualquer pretexto, podem fechar sedes de partidos legitimamente registrados, acusar qualquer cidadão, detê-lo, prolongando o desenrolar do inquérito, ao talante dos interesses do partido situacionista estadual?

Como será possível o próprio alistamento eleitoral, se sob qualquer alegação podem os arquivos e fichários dos partidos em desagrado ser arrecadados em devassas policiais?

Estas reflexões são oportunas, no instante em que o Governo Federal transfere os poderes de execução do "estado de guerra", das mãos do sr. governador do Rio Grande do Sul para as mãos do Sr. general comandante da 3ª Região Militar. Não queremos entrar na análise da situação política rio-grandense. Queremos deixar levantada uma tese para a consideração do sr. Presidente da República, do Poder Judiciário e do Poder Legislativo do país. Que os estudiosos debatam este assunto. Que os juristas digam à Nação se no caso dos partidos situacionistas estaduais, que apoiam o governador do Estado, tomarem parte nas eleições presidenciais, esse governador, apoiado por uma parte interessada, pode exercer poderes revogatórios de textos constitucionais que asseguram direitos políticos!

A Nação quer saber se as próximas eleições serão válidas dentro do "estado de guerra" executado por interessados no pleito. Se a própria lei que suspende o "estado de guerra" no dia da eleição, reconhecendo que sob seu império o eleitor não pode livremente exercer a "segunda parte" do voto, que é o ato material do depósito da cédula na urna, como poderá a "primeira parte" do voto, que é a deliberação em face da propaganda, ser exercida, já não dizemos no transcurso do colapso constitucional, mas sob o arbítrio de um dos interessados na decisão das urnas?

O debate desta matéria é o que há de mais importante e de mais fundamental como antecipação de toda e qualquer atividade de propaganda eleitoral.

Pois de nada valerão todas as marchas e contramarchas dos partidos, dos governadores, dos políticos, se amanhã a Justiça vier a reconhecer a nulidade das eleições em razão das quais tanto se tem agitado a opinião publica.

Este caso do Rio Grande sugere meditações. A providência do Governo Federal atira um tema de palpitante interesse à consideração da consciência jurídica do país.

É o despertar de todos os raciocínios adormecidos ao rumor do sensacionalismo dos "fatos políticos" sem consonância com o "fato jurídico". Temos estado todos no ar, mesmo aqueles que, como os integralistas, já têm experimentado o que é o poder sem restrições nas mãos de um adversário.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 29 de Abril de 1937.

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