Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível
graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder
Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior
Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente,
é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o
trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/
O Partido Nacional
(19/02/1936)
Plínio Salgado
De tempos a
tempos, para quebrar a monotonia dos vaivéns da politicagem estadualista, dos
palpites, das intrigas em que se consome a atenção do pobre povo brasileiro,
surge uma voz, de político ou de jornalista, exclamando a frase que já se
tornou conselheiral:
O que nos infelicita
é não termos um Partido Nacional, uma organização que sobrepaire aos interesses
dos partidos de região.
Como é da
praxe, o que distingue os Conselheiros desde o respeitabilíssimo Acácio, de
saudosa memória, é dizer as coisas que todo o mundo sabe, sem avançar a mínima
novidade em qualquer assunto. Uma outra característica dos Conselheiros é
ignorar, ou fingir ignorar o que se passa em torno deles. Nunca manifestam a
sua opinião na hora do acontecimento, ainda que se trate de um incêndio, um naufrágio,
uma batalha, um terremoto. Eles continuam graves e bojudos, tomando o seu rapé,
e a gente nem mesmo se apercebe deles, nas horas nervosas e trepidantes, pois
os Conselheiros são invisíveis nesses casos, não porque imitem o personagem de
Wells, mas apenas porque ninguém dá por tão conspícuas. figuras.
Os
Conselheiros gostam de bater sempre numa tecla, a propósito de tudo. Neste caso
brasileiro, por exemplo, a tecla é o Partido Nacional. O Partido Nacional vem a
propósito de tudo. A propósito do calor, do Carnaval, da Abissínia, do preço
das batatas.
Limpando o
suor e endireitando os óculos, o nosso Conselheiro, diante da reclamação a
respeito do preço das cenouras, ou da questão da falta d'agua, ou ausência de
gosto de um filme cinematográfico, exclama:
Ah! minha
senhora, tudo isso é porque não temos um Partido Nacional!
O Conselheiro
amanheceu reumático, puxa a perna, o dia está cinzento. Abre os jornais, de mau
humor, e murmura:
-Si ao menos tivéssemos
um partidozinho nacional...
A única coisa
que o Conselheiro ignora é que o Partido Nacional já existe. Não é por falta dele
que as múmias políticas ainda se agitam. Elas se agitarão até o dia em que esse
Partido Nacional, julgado inexistente, fizer sentir a sua existência,
substituindo o pacato rapé que o Conselheiro usa, por um pouco de pimenta
malagueta, afim de que ele possa, atendendo ao Padre Vieira, "acender uma
candeia no entendimento"...
Mas que Partido
Nacional é esse? Tem ramificações em todos os Estados? Quantas cidades do país
possuem núcleos organizados desse Partido Nacional? Quantos adeptos já conta
esse partido, que é o único na República?
Esse Partido
Nacional é apenas isto: realizando-se as eleições municipais em apenas 6
Estados (Paraná, Rio Grande do Sul, Espirito Santo, Alagoas, Pernambuco e
Bahia), já levou às urnas sessenta e poucos mil votos.
Cumpre notar
que formidáveis redutos desse Partido, como Santa Catharina, Ceará, S. Paulo,
Minas, etc., ainda não deram a amostra do pano, por que naqueles Estados não se
realizaram por ora, as eleições. Esse Partido Nacional já elegeu apenas naqueles
Estados, mais de 150 vereadores. Deverá eleger mais de mil em todo o país. Tem
representantes eleitos por S. Paulo, Ceará, Acre, Alagoas, nas Câmaras federal
e estaduais, e si mais não elegeu foi porque na ocasião das eleições o Partido
estava em início. Agora sua força eleitoral já centuplicou.
Esse Partido Nacional
gasta, mensalmente, em todo o país, somando-se as despesas dos 2.023 núcleos
que funcionam desde o Acre ao Rio Grande do Sul, cerca de mil contos de réis
por mês. Foi essa a soma que a sua Secretaria Nacional de Finanças efetuou com
os balancetes enviados. Esse Partido Nacional publica um Jornal diário na Capital
da República; outro em Alagoas; outro em Pernambuco; outro na Bahia; outro em
Santa Catharina. Publica, também, 102 semanários em todo o país, uma revista ilustrada,
na Capital da República, varias outras nos Estados, e uma grande revista de
cultura em S. Paulo. Esse Partido Nacional mantém estádios, campos de esporte, tecnicamente
admiráveis, em grande número, em todo o Brasil. Esse Partido Nacional mantem
mais de duzentas escolas primárias em todas as Províncias, lactários, ambulatórios
médicos, de serviços irrepreensíveis, achando-se vários instalados nos diferentes
bairros do Rio. Esse Partido Nacional está há três anos realizando uma obra de
cultura, já publicou mais de 40 livros de doutrina, tem realizado conferências,
cursos de extensão universitária, mantem uma Secretaria de Cultura Artística,
que já realizou vários concertos e uma exposição. Esse Partido Nacional já
realizou 2 grandes Congressos Nacionais (em Vitória e Petrópolis), reunindo brasileiros
de todas as procedências, já realizou 28 Congressos Provinciais; recentemente
promoveu no Rio (aqui mesmo) uma Convenção Sindical, com operários de todas as
regiões do país; em S. João del Rey, reuniu universitários de todas as Escolas
Superiores do Brasil, coisa jamais vista entre nós.
Esse Partido
Nacional está em foco diariamente, na imprensa do país, notadamente no jornal
onde o Conselheiro escreve, cujas "manchetes" são célebres pelo
tamanho e espalhafato. É o mais discutido. É o mais combatido. É o mais
exaltado. É o que mais impressiona.
Pois bem. O
Conselheiro ignora, ou finge ignorar tudo isso. Ou antes: nem finge nem deixa
de fingir, não sabe nem deixa de saber, porque é da natureza dos Conselheiros
serem apalermados, e todo o seu prestígio vem exatamente dessa palermice que
uns interpretam como simples "morrinha", outros como dispepsia.
O Conselheiro
sempre foi assim, e si não fosse, não seria Conselheiro. Si chove, ele nem
finge, nem deixa de fingir que sabe estar chovendo, e diz o chavão que serve
para a chuva ou para a seca:
- Isto, o que
nos falta é chuva.
Em se tratando
deste caso do tal Partido Nacional outra não podia ser a frase do Conselheiro.
Um Partido para ser realmente partido deve ter um arsenal de sobrecasacas, de óculos,
de guarda-chuvas, de urotropinas para os artritismos, sal de frutas para o
figadozinho, retratos a óleo, um carregamento de "ex", (ex-senador,
ex-ministro, ex-presidente, ex-futuro candidato ao Catete), uma sobrecargazinha
de banquetes laudatórios, um bom sortimento de "medalhões"... Isso
sim, é um Partido, segundo a concepção do Conselheiro.
Mas o
Conselheiro vê as coisas mal paradas. O raio deste progresso tem arrasado tudo
o que era tradição e brilho no país. Antigamente, um deputado era um deputado.
Hoje, eles andam por aí, na Avenida, e é preciso até certo cuidado para não se
pisar nos calos deles, pois se vulgarizaram tanto... Antigamente, um ministro
era um Bonzo. Hoje é só ir ao Cassino da Urca e pedir por boca. Outrora, um.
"nome nacional" era um "nome nacional", que enchia a boca e
cujas sílabas, o Conselheiro pronunciava untuoso e litúrgico, diante dos
profanos; mas hoje, até o sr. Borges de Medeiros, que nunca saíra do seu Tibet.,
que nos aparecia como um hierático Dalai-lama no himalaico Irapuazinho, já anda
de aeroplano, e outro dia (ó prosaísmo irritante do Século!) foi atropelado por
um automóvel!
Este Século
do radio, do avião, dos autos voando no circuito da Gávea, vulgarizou os deuses
e exigiu novos deuses!
Os deuses atuais
são de tipo diferente. Nada de hieráticos. Accessíveis. Simples. Modestos. Humanos.
Sem pose. Misturados com a turba. Sentindo o acre sabor da luta moderna. Sofrendo
as dores profundas das massas. Ágeis. E, principalmente, sem dar nenhuma importância
aos "ex", aos adjetivos arcaicos e consagradores: egrégio, eminente, ilustre,
emérito, adjetivos tão sonoros e gratos aos ouvidos conselheiraes!
Um Partido
Nacional com urgência exclama o pobre Conselheiro, com o mesmo grito de angústia
com que pede um sal de Carlsbad para os seus flatos, um supositório para sua justificadíssima
neurastenia.
E, logo pela
sua cabeça, passa toda a Arca de Noé dos velhos medalhões, sem os quais, pensa
o Conselheiro, nada se pode fazer neste país, para que se moralize a praia, se
barateie as batatas e o pão não venha tão estragado pela manhã.
Longe de nós
dizermos ao Conselheiro que já existe um Partido Nacional, o único, o possível,
o real, o já estruturado, já realizado, já forte. Ele, o Conselheiro, Impando
os óculos, com as pálpebras molengas, perguntaria:
O chefe é algum
ministro, governador, general? É velho? Toma sal de frutas? Que remédio usa
para seus flatos?
Estamos, na
verdade, no fim de uma época e no começo de outra. Duas gerações se despedem.
Duas interpretações da vida brasileira se chocam. Cai um crepúsculo de morte.
Em compensação, na grande noite misteriosa da Pátria, marcham as estrelas dos
destinos novos. E, mais cedo do que pode supor o Conselheiro, uma alvorada se
levantará.
Publicado
originalmente n’A OFFENSIVA, em 19
de Fevereiro de 1936.
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