A sangrenta heresia do comunismo não se combate também contrapondo-lhe a
chamada reação das "direitas". A concepção de "esquerdas" e
"direitas" no domínio político é uma concepção do século XIX, o
século que deu começo consciente à chamada "luta de classes", baseada
no antagonismo entre o capital e o trabalho.
É preciso dizer-se que não foi Marx quem concebeu o mundo dividido em
dois campos de interesses materiais antagônicos; foram os chamados
liberalistas. Quebrada a concepção espiritualista da sociedade, estabeleceu-se
a luta entre os agrupamentos políticos, assim como a luta entre os agrupamentos
econômicos, aqueles regidos pelas múltiplas ideologias contraditórias e estes
pela lei da oferta e da procura. No campo econômico, os produtores de
mercadorias, com o fim de vendê-las em melhores condições e mais barato do que
os seus adversários, tiveram necessidade de usar de dois expedientes: aumentar
a eficiência das máquinas e baixar o custo da mão de obra. O trabalho humano
foi considerado uma mercadoria sujeita à lei da oferta e da procura, perdendo
toda a nobre significação e espiritualidade que lhe imprimia o cristianismo.
Tornando-se as máquinas mais aperfeiçoadas, de modo a uma só produzir por
centenas de homens, o trabalho humano tornou-se uma mercadoria menos procurada
e, portanto, mais barata. As consequências na vida individual e familiar eram
evidentes: aumentou a pobreza dos operários enquanto avultava a riqueza dos
grupos financeiros e das nações industriais.
Essa situação gravíssima vem pintada com realismo cru na encíclica Rerum
Novarum, do Santo Padre Leão XIII, nos fins do século XIX. Foi dentro de tal
situação que o Manifesto Comunista de 1848 lançou o brado: "operários de
todo o mundo, uni-vos!" Esta a luta impropriamente denominada "do
capital e do trabalho", porque na verdade o marxismo não pretende suprimir
o capital como soma de trabalho acumulado, mas apenas como privilégio de
indivíduos ou de grupos, passando, entretanto, o capital para as mãos do
Estado, que se torna o único patrão e que exerce as funções dos antigos
capitalistas, substabelecendo os seus poderes a favor de uma burocracia, o que
vem, em última análise, recompor a situação anterior do predomínio de uma
classe. Economicamente a verdadeira luta do comunismo é contra a propriedade
familiar, já que a revolução dialética precipita as etapas da evolução
capitalista, atingindo o grande monopólio do socialismo de Estado, forma em que
se completam todos os monopólios de grupos, que também atentam contra o
princípio da pequena propriedade, base física da família, e propulsionando a
crescente proletarização das massas, razão pela qual foram condenados pela
encíclica de Leão XIII e, em nossos dias, pelas de Pio XI e Pio XII.
Mas, para armar ao efeito, o marxismo diz lutar contra o capital e
contra o chamado "imperialismo econômico" das nações favorecidas pelo
maior acúmulo dos meios de produção. Esse cartaz deu à batalha social um
caráter de internacionalismo. Influindo no mundo político, gerou a concepção de
"direitas" e de "esquerdas", entendendo-se por
"esquerdas" tudo aquilo que favorecia o desenvolvimento da revolução,
pelo que se incluiu na linha do "esquerdismo" os chamados
"reformistas", constituídos pelos liberais avançados, pelos
socialistas moderados, pelos burgueses progressistas, enfim pelos
transacionistas de todos os credos políticos fundados no indiferentismo
religioso ou num cristianismo de elástica transigência.
Hoje, entretanto, já não se pode dizer que existam "direitas"
e "esquerdas". Essa manobra tática do marxismo não ilude mais a
ninguém. O nazismo, por exemplo, foi considerado por muitos um movimento das
"direitas", mas a sua base filosófica era a mesma do comunismo, pois
partia de uma concepção meramente biológica do homem e de nítido conceito
materialista da crítica histórica e os seus fins identificavam-se com os do
comunismo, pela ereção de um Estado Totalitário destruidor da personalidade
humana. As chamadas democracias poderiam ser tomadas como expressões das
"direitas" colocando-se num campo antagônico ao totalitarismo
soviético, mas essas democracias além de serem agnósticas, isto é, não
considerarem os problemas do Espírito, fundam-se no mesmo princípio doutrinário
da transformação social segundo o ilimitado processo dialético de Hegel adotado
pelo marxismo, porque subordinam os tipos de Estado e de Governo, as formas
sociais e as normas jurídicas, não ao critério de uma imutável concepção dó
mundo e das leis imprescritíveis da moralidade impostas por Deus, mas ao
critério aritmético das maiores somas de votos, o que leva as ditas democracias
a negarem-se a si mesmas nas consequências dos atos eleitorais.
Temos, assim, uma nova forma de totalitarismo, — o totalitarismo das
democracias agnósticas, totalitarismo despótico das massas, cujo peso
quantitativo manobrado por hábeis técnicos da formação da opinião pública e
pelo poder do dinheiro, conforme salientou o Santo Padre Pio XII, atenta contra
os direitos do Espírito e contra todo o princípio moral, nada impedindo que
pela força das massas majoritárias sejam os fundamentos da Religião e os
próprios princípios da liberdade postergados e suprimidos. Fica assim também
provado que a democracia clássica do tipo de Rousseau não é um instrumento
idôneo de defesa do gênero humano contra a calamidade comunista.
O mundo, como se vê, não pode hoje ser considerado sob o aspecto de
"esquerdas" e "direitas", mesmo porque apreciáveis
multidões de operários se arregimentam em muitos países para combater o
comunismo, enquanto homens ricos, burgueses engravatados se alinham na corrente
do marxismo revolucionário, que lhes faculta a liberdade aos baixos instintos e
aos costumes degradantes de traficâncias indecorosas e um sexualismo sem
freios.
A questão está hoje posta nos termos do "espiritualismo" e do
"materialismo". Hoje, não se é mais econômica ou politicamente da
"direita" ou da "esquerda"; é-se espiritualista ou
materialista. Crer ou não crer em Deus, eis a questão. O mundo está dividido
entre os que creem e os que não creem em Deus. O comunismo não é uma política,
é uma mística às avessas, uma concepção antirreligiosa do universo. É o mundo
sem Deus. E o totalitarismo mais completo, o maior de todos, conforme disse,
com muito acerto, o Padre Leonel Franca. O mais completo, porque contém em si
todas as formas particulares dos outros totalitarismos. O maior, porque não se
restringe aos limites de uma nacionalidade, mas alarga-se por todos os
continentes aspirando o monopólio das almas e a escravidão dos povos.
Explorando diabolicamente os justos ressentimentos históricos das
classes sofredoras, fazendo as mesmas críticas que fazemos das injustiças e
desumanidades do capitalismo, tudo promete aos homens, usando de artifícios e
de mentiras. "Assim se hipnotizam as massas", escreve o Padre Leonel
Franca, "se mobilizam as energias religiosas da alma a serviço de uma
ideologia ateia. Fé e esperança, dedicação e sacrifício, amor da justiça e da
liberdade, todo esse patrimônio de riquezas humanas, que só tem valor numa
ordem ontológica de realidades espirituais, são exploradas para acelerar a
implantação de uma nova concepção de vida que as declara ficções sem conteúdo e
abstrações malfazejas".
A grande heresia do século, a heresia do ateísmo militante, só pode,
portanto, ser combatida, pela religião militante. Essa religião de combatentes
é exatamente aquela que constitui o objeto do ódio mais feroz do marxismo: a
religião de Cristo, a única religião da terra cujo senso de realismo social
traz consigo a marca da sabedoria divina.
SALGADO, Plínio. Primeiro, Cristo! 4ª edição. São
Paulo/Brasília: Voz do Oeste/INL-MEC, 1979; XVIII + 175 págs. Transcrito das
págs. 45 até 49.
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