sábado, 6 de abril de 2024

Estado Totalitário e Estado Integral (01/11/1936)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

Estado Totalitário e Estado Integral (01/11/1936)

Plínio Salgado

- Os integralistas querem o Estado Totalitário?

- Não; os integralistas querem o Estado Integral.

- O Estado Totalitário não é a mesma coisa que o Estado Integral?

- Não. O Estado Totalitário tem uma finalidade em si próprio; absorve todas as expressões nacionais e sociais, econômicas, culturais e religiosas; subordina a “pessoa humana” e os grupos naturais ao seu império. O Estado Integral, ao contrário, não tem uma finalidade em si próprio; não absorve as expressões nacionais e sociais, econômicas, culturais e religiosas; não subordina a “pessoa humana” e os grupos naturais ao seu império; o que ele objetiva, é a harmonia entre todas essas expressões, a intangibilidade da “pessoa humana”.

- Por que motivo os integralistas não querem o Estado Totalitário?

- Os integralistas não querem o Estado Totalitário, porque os integralistas adotam uma filosofia totalista, isto é, eles têm do mundo uma concepção totalitária .

- Não há uma contradição nisso? Se os integralistas concebem o universo de um ponto de vista totalitário, como é que não concebem o Estado da mesma maneira?

- Os integralistas são lógicos, tendo uma concepção totalitária do mundo e uma concepção não totalitária do Estado. É evidente que, sendo o Estado uma das expressões do mundo, se este é considerado em seu conjunto, o Estado tem de ser considerado como uma "parte" do conjunto. Se adotarmos o Estado Totalitário, então‚ é que ficamos em contradição, fazendo que uma "parte" absorva as outras partes.

- Mas um jornalista escreveu, há dias, que os integralistas ensinam uma doutrina confusa, porquanto o Estado Forte, o Estado Leviatã de Hobbes compreende a absorção de todos os elementos sociais pela autoridade estatal... Como respondem os integralistas?

- Coitado do jornalista, é um principiante. Mistura tudo. Ouviu falar em Hobbes, sem ter a menor noção do assunto. Basta dizer que Hobbes é um materialista, um naturalista, ao passo que nós somos espiritualistas. A conclusão a que Hobbes chegava, era a de que o homem não presta, é inclinado aos vícios e à maldade e, por conseguinte, a sociedade tinha de ser governada com pulso de ferro, por um Estado absorvente de todas as liberdades, impondo a disciplina pela Força. Esse‚ o Estado Leviatã hipertrofiado e gigantesco. Ao contrário de Hobbes, um outro filósofo chamado Locke, também materialista, também naturalista, pensava que o homem é bom, que as leis, o arbítrio do Estado é que o tornam mau. Baseado no mesmo materialismo experimental de Hobbes, chegava Locke à conclusão de que cumpria dar a máxima liberdade aos indivíduos, competindo ao Estado assegurar essa máxima liberdade. Bastava isso para que tudo corresse no melhor dos mundos. Também J. J. Rousseau foi da mesma opinião de Locke. O "homem natural" de Rousseau exprime todo o seu pensamento político. O curioso nisto tudo é que, partindo de um mesmo princípio (o naturalismo), Hobbes separa-se de Locke, porém ambos vão encontrar-se nas últimas consequências do Estado Liberal, isto é, no comunismo bolchevista, no Estado Socialista, que destrói toda a personalidade humana, os grupos naturais, a liberdade. Tanto Hobbes como Locke e Rousseau, são “unilaterais”. O primeiro considera o Estado e pretende fortalecê-lo contra o Indivíduo. O segundo considera o Indivíduo e pretende armá-lo contra o Estado. Nós, integralistas, consideramos a autoridade do Estado como uma força mantenedora do equilíbrio, de harmonia, dentro das quais gravitarão inter-independentes e sem choques, os grupos naturais e a personalidade humana. A "autoridade do Estado", para nós, integralistas, não é "superior" nem "inferior" aos outros "valores" sociais e nacionais ("Família", "Corporação" e "Município"; "Cultura", "Economia" e "Religião"). Trata-se de um "valor" diferente, de um elemento de natureza diversa, que entra na composição das harmonias sociais e humanas. Mantendo íntegras cada uma dessas expressões humanas, o Estado Integral também a si próprio se mantém íntegro. Ele não entrará nos domínios próprios de cada uma dessas expressões humanas ("Família", "Corporação" e "Município"; "Cultura", "Economia" ou "Religião"), mas também não permitirá que qualquer delas pretenda absorvê-lo. A missão do Estado Integral é manter equilíbrios, sustentar as harmonias sociais. Para isso, ele reivindica para si todas as prerrogativas que lhe foram arrancadas e lhe são inerentes, mas nem por isso ele fere os legítimos direitos de cada um dos fatores humanos constitutivos do conjunto nacional.

- O Estado Forte não é  Estado Totalitário?

- Não. O Estado Forte é aquele cuja autoridade moral se fortalece pelo respeito que esse mesmo Estado vota à intangibilidade da “pessoa humana” e de todas as suas expressões grupais ou sociais. O Estado Totalitário seria o Estado Arbitrário. O Estado Integral é o Estado de Direito, o Estado Mediador, o Estado Ético, conforme um princípio espiritualista e cristão.

- O Estado Integral é um Estado Forte?

- É o único Estado Forte, justamente porque não é arbitrário, nem absorvente, nem anulador de legítimas liberdades.

- Como consegue o Estado Integral ser forte e sem contrastes?

- Criando a consciência das "diferenciações" dos grupos humanos e das expressões sociais que passam a gravitar harmoniosamente no sentido do bem comum, cada qual com sua própria natureza, sua própria função, seus próprios objetivos. O Estado, por sua vez, penetra-se dessa consciência da sua natureza, da sua função e dos seus objetivos. Princípios imutáveis fixam os limites de ação de cada pessoa e de cada grupo, assim como de cada expressão humana (Cultura, Economia, Religião). O Estado se fortalece, guardando os seus próprios limites e defendendo e sustentando as suas prerrogativas.

- Como se entendem as prerrogativas do Estado?

- Entendem-se não como direitos, porém como deveres.

O mesmo jornalista acusou o Integralismo de não agir violentamente, para atingir o Poder; outros apontam o Integralismo como doutrina filiada ao fascismo e procuram demonstrar ser este um adepto de Sorel, tanto quanto o comunismo. Que respondem a essas coisas os integralistas?

- O pobre jornalista é, nestes assuntos, um estudante de curso primário. Os outros acusadores não o são menos. O Integralismo não tem agido pela violência, justamente porque nada tem que ver com Sorel. O autor das "Reflexões sobre a Violência" é materialista, evolucionista, darwiniano. Toda a sua doutrina é baseada no "struggle for life", ao ponto que ele preconiza, como etapa indispensável da luta de classe, o fortalecimento da burguesia. Como Marx, que é naturalista e continuador dos economistas liberais, Sorel aceita, integralmente, os mesmos princípios que já estavam em Hobbes, em Locke, em Rousseau. Só o fato de nós sermos espiritualistas evidencia que não somos soreleanos, que não adotamos a teoria da violência, pois seria a negação da nossa doutrina. Nossa doutrina, a respeito do emprego da força é clara e não admite dúvida. Em princípio, condenamos toda e qualquer sedição; todas as conspirações, todos os golpes de mão; respeitamos a autoridade constituída; esse respeito irá até ao dia em que a referida autoridade já não puder manter o próprio princípio da sua autoridade e já não tiver meios de fazer a Lei, a Constituição serem cumpridas. Se isso acontecer, se praticamente não existir mais autoridade, então será em obediência ao próprio princípio da autoridade que os integralistas terão o dever de usar da força, caso disponham dela, para evitar desgraças maiores, como a implantação do comunismo ou uma situação de anarquia. Essa doutrina é a própria doutrina da Ordem no que ela tem de mais profundo. Ora, dentro desses princípios, respeitando as leis e as autoridades do país, não somos incoerentes e, sim, afirmamos a nossa coerência e a nossa dignidade de pensamento. Quanto ao fascismo, que dizem ser discípulo de Sorel como o bolchevismo, o caso é um pouco diferente.

- Poderão os integralistas explicar a posição doutrinária do fascismo em face do bolchevismo e do Integralismo?

- No fascismo cumpre distinguir dois aspectos: o da campanha política e o da construção do Estado. Surgindo num período de desordem completa, de quase domínio do bolchevismo na Itália, o fascismo não teve em mira seguir nenhum texto de ideólogo ou de pensador. Cumpria era salvar a Nação de perigo iminente e não creio que os camisas-pretas, naquele instante, andassem discutindo nenhuma questão doutrinária. Foi uma luta de rua, foi uma luta eleitoral e de grupos armados, em tudo semelhante às lutas políticas brasileiras. Os coronéis de aldeia, os bacharéis chefes políticos, que "metiam o pau" e ainda, até hoje, cometem tropelias eleitorais neste país, nem sabem se Sorel existiu algum dia. Na Itália, foi a mesma coisa. Depois da vitória, Mussolini enfeitou aquela luta com respingos literários e apareceu o nome de Sorel. Tornou-se um hábito dizer-se que, o fascismo, tanto quanto o bolchevismo, receberam lições na mesma escola, leram o mesmo livro das "Reflexões sobre a violência". Sim; eles, os "arditti", os ex-combatentes, os camisas-pretas, leram tanta Sorel como o coronel Serapião de Santa Luzia do Olho d'Água, que manda escanchar a guatambú os seus adversários nos pleitos municipais... Quanto à parte construtiva do fascismo, todos sabemos que a doutrina foi se formando devagar, entrando em colaboração as mais várias tendências. Motivos de ordem prática imediata foram ditando a transformação do Estado, obra quase de sedimentação sobre o arcabouço da velha Constituição. A cultura fascista é mais de comentadores dos "fatos" do que de teorizadores do Estado. Todos os grupos colaboraram: os idealistas de Gentile, os ultra-idealistas de Tilgher, os niestcheanos de D'Annunzio, o espírito revolucionário de Corradini, o futurismo de Marinetti, o superior senso jurídico de Rocco. O que há de comum entre o fascismo e o Integralismo é a exaltação nacionalista e o sentido de harmonia social. O fascismo marcha para o Integralismo. Quanto aо bolchevismo, o fascismo nada tem que ver ele. Basta o caráter materialista do comunismo, para se excluir qualquer parentesco com o fascismo. O fascismo não é, pois, um extremismo, é una reação nacional e uma revolução idealista. Quanto ao Integralismo, é a criação de uma Nacionalidade e o lançamento de uma doutrina de Estado.

- E o Estado Integral é anti-democratico?

- Não; o Estado Integral que restaurar a democracia que já não existe no Brasil. Não é um destruidor do regímen, mas o criador de novos órgãos capazes de revitalizar um regímen morto.

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- A lição já vai longa. Estou, entretanto, sempre às ordens dos patrícios de inteligência tarda. Um milhão de brasileiros já sabe tudo isso, já entendem tudo. Só não entenderam ainda duas espécies de homens: os velhacos e os retardados mentais. Ao cabo de quatro anos de doutrinação permanente, estou ainda com o mesmo bom humor e a mesma paciência para explicar. Não, é claro, aos velhacos, mas aos de inteligência dura, aos vagarosos mentais. É não fazer cerimônias. Ir perguntando.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 01 de Novembro de 1936.

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