terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

RESSURREIÇÃO (28/03/1937)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

RESSURREIÇÃO (28/03/1937)

Plínio Salgado

A ressurreição de Cristo encerra, na sua realidade e na sua simbologia, um ensinamento para os indivíduos e para os povos. O maravilhoso episódio evangélico demonstra que não será jamais possível a vida gloriosa, a vida imortal, a vida integral em espírito e corpo, a vida invulnerável, a vida intangível, a vida suprema em harmonia perfeita, sem que, primeiro, haja o triunfo escuro da morte sobre a vida precária, a vida falível, a vida incerta, a vida em angústia, em fraqueza, em temor.

Entre todos os mistérios que se oferecem à limitada compreensão humana, nenhum me seduz tanto, nenhum me abre um panorama mais completo dos planos universais da criação, como esse, que nos mostra, num relâmpago, a sinfonia de todos os valores e expressões do Eterno Pensamento conjugando-se com a Eterna Vontade no esplendor do Eterno Sentimento.

Na Ressurreição culmina e realiza-se a Redenção Perfeita, a Redenção, que seria incompleta, se não envolvesse a nobilitação, a santificação, a glória da Forma Material, que é, também, criação de Deus.

Quando o Arcanjo, na hora matinal, entre as brumas alvas da aurora, diz às mulheres piedosas: "Ressuscitou; não está aqui", ele anuncia o milagre cósmico, a integração absoluta do Corpo e do Espírito. A Humanidade, desde então, está realmente engrandecida sobre todas as suas misérias, e a promessa divina se cumpre, revelando ao nosso pobre corpo, a esse corpo que São Paulo dizia estar cheio de morte, a esse corpo atraído para as desarmonias das prevaricações e dos crimes, para as dores das paixões e para as misérias deprimentes, a possibilidade das afirmações gloriosas, na força plena da imortalidade e da perfeição.

A Redenção do Homem apenas em Espírito não seria completa. O Homem realiza no plano universal o milagre da integração de dois mundos: o mundo da matéria e o mundo da consciência. Entre os seres brutos e os seres espirituais, o Homem é o meridiano do Infinito, é o ser integral.

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Esta compreensão do Homem nós só começamos a tê-la, desde Cristo e desde a Ressurreição. Já não é o domínio absoluto do Corpo, o exclusivo prestígio das formas eurrítmicas na alegria pagã: e já não é, também, o abandono, o desprezo, o vilipêndio desse cântaro vivo, dessa ânfora que estremece em movimentos emocionais, levando o perfume sagrado, a essência pura do espírito imortal. É a conjunção, é o ritmo misterioso, é a harmonia suprema entre o falível que se infalibiliza, entre o perecível, que se imperecibiliza, entre o mortal que se imortaliza e o Espírito Perene.

Confirma-se a intuição pagã dos semideuses, expressão esta que supriu a deficiência do entendimento ao desamparo da Revelação. E nós aprendemos que é preciso combater a morte do Corpo para torná-lo digno do seu destino superior.

Como combater a morte do Corpo? Será preciso tomar esta frase na sua significação mais terra-a-terra, para não se compreender a esplêndida beleza do combate que nos cumpre travar. Pois quando tomamos esta pergunta no seu sentido mais profundo, então percebemos que não se trata da morte material, mas da outra, a que estabelece o divórcio entre o Corpo e o Espírito, a que dissocia o ritmo entre dois mundos, à que destrói as harmonias e proclama a luta entre as forças materiais as forças espirituais.

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Penetrando a fundo nestas palavras, entender-se-á um pouco a angústia, a aflição, a agonia do mundo moderno. A dor é parenta próxima da morte. Nós o sabemos, por experiência lancinante, quando se trata do fim da vida orgânica, do bruxuleio da existência corpórea. Nós o sabemos, também, pelos sofrimentos morais consequentes de nossos erros, E o mundo contemporâneo está cheio de dor. É a dor do ódio, é a dor das ambições, é a dor do orgulho ferido, é a dor das vinganças, é a dor das desconfianças recíprocas, é a dor da inveja, a dor do medo, é a dor da lascívia, é a dor das superexcitações da nevrose do jogo e das aventuras comerciais, financeiras e políticas, é a dor dos despojados de fé, que tiritam no frio das dúvidas, é a dor das covardias, a dor dos tédios e dos esgotamentos... Há morte no corpo do Mundo Moderno. Há morte porque há desarmonia entre a vida material e a vida espiritual.

Como combater a morte que entrou no mundo? Certamente essa morte não poderá ser com- batida sem que primeiro a combatamos dentro de nós mesmos. E que deveremos fazer? Devemos realizar em nós próprios a síntese dos ritmos dissociados Como realizá-la?

De certo não será pela fuga do mundo, pela fuga de nós em nós mesmos, pela vida contemplativa, pela negação do destino do corpo, que livraremos o mundo contemporâneo do desespero e das torturas prenunciantes da morte.

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A questão social que se põe aos olhos dos estadistas e dos pensadores não pode ser resolvida, nem pela interpretação do destino do homem segundo uma única finalidade transcendente, nem segundo uma única finalidade material. O corpo tem seus deveres para com o Espírito, e o Espírito tem seus deveres para com o Corpo.

Esse corpo, que ressurgiu arrebatado pelo próprio Deus, esse Corpo de Cristo redimiu-nos em corpo e alma. E, como se não bastasse, para nos fazer compreender o equilíbrio exato, a harmonia perfeita, a destinação segundo a Terra e segundo o Céu, Cristo, antes do episódio maravilhoso, que culminou à Redenção, reuniu-nos, em confiança e amor, e prometeu-nos a sua presença, não apenas em alma, porém, em corpo e sangue, na vitoriosa expressão divina.

E tudo isso é a lição da Vida. A vida, tão fácil de ser vivida pelos irracionais, torna-se difícil para nós, justamente porque o nosso Espírito, na liberdade plena, entre as leis do Mal que o solicitam, e as leis do Bem que o inspiram, sente-se perplexo e confuso. E, por isso, a Redenção torna-se uma regra, um roteiro, uma luz, para que possamos, dia a dia, aprender a viver.

Os Povos, porém, esquecem, cada vez mais a lição divina da Vida. Os homens estão perdidos na cerração espessa. Falta-lhes uma luz. E essa luz é tão fácil!

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"Ressurgiu; não está aqui!" Homens, lembrai-vos de que o corpo foi dignificado, foi honrado, foi reposto na sua majestade. Como permitis que as injustiças sociais levem multidões de párias à miséria do corpo, à fome, ao relento, ao desamparo na enfermidade e na velhice? Como permitis que uns percam a alma prodigalizando excessos de comodidade no corpo, e outros percam a alma, na revolta a que a conduz o corpo tiritante e oprimido?

Estadistas, políticos, intelectuais e militares, financistas e poderosos de todos os poderes, estais esquecidos de que tendes um Espírito, e que esse Espírito tem deveres para com as necessidades materiais, não apenas vossas, mas de vossos semelhantes? Como permitis que governem o mundo as leis exclusivas da matéria, da brutalidade na concorrência, da traição no comércio e na política, do ódio na luta entre opressores e oprimidos? O Estado deve ser uma expressão das necessidades do Espírito e do Corpo da Nacionalidade, de cada pessoa que compõe a massa coletiva. O Estado, como expressão corpórea, deve ser tão vigoroso, tão for- te, tão belo e tão puro, como deve ser cada corpo dos habitantes da Nação; e o Estado, como expressão espiritual, deve ser tão potente em vontade e tão iluminado em deveres, quanto cada um dos indivíduos que constituem a coletividade nacional. Esse Estado reflete a própria expressão humana, no que ela tem de realidade e finalidade, e mira-se no espelho divino do mistério cósmico de Cristo ressurreto da sua tumba, no seu glorioso esplendor.

Neste dia em que comemoramos a Ressurreição, nós, integralistas, temos o mais belo dos motivos para pensar debruçados sobre as angústias do mundo moderno e sobre a agitação da vida nacional.

Restituir à vida da Nação o sentido do milagre, eis à nossa missão histórica. Clamar para que os outros Povos se recomponham segundo o grande ritmo criador da Suprema harmonia cristã, eis nossa aspiração.

Ver o Brasil ressurreto. Ver a Nacionalidade integrada no alto sentido da vida material e espiritual - é tudo quanto desejamos, nesta nossa luta.

A lição do Evangelho é, porém, muito viva em nossas consciências. Sabemos que Cristo, triunfando da morte na morte, quis ensinar aos homens que quem quiser a vida eterna terá de passar pela morte. E a morte, para nós, brasileiros, não é por certo aquela que é menos para temer, mas o doloroso transe nacional, em que teremos de ver desfraldadas as bandeiras do separatismo, do comunismo, possivelmente ligadas no mesmo arranco materialista, oportunista, traidor, destruidor.

Aproximam-se dias escuros. Nós bem o sabemos. O mundo todo está se cobrindo daquelas nuvens que se fecharam completamente na Hora Sexta, sobre a Montanha... E a nossa Pátria já está toldada de sombras cor de chumbo. É, possivelmente, a morte, que vai passar, mas é também a Vida que vai vencer.

A Vida do Espírito Nacional, que palpita nos camisas-verdes da Pátria, e, que galvanizará, e iluminará, e porá em marcha o Corpo da Pátria, no triunfo glorioso de uma ressurreição do Brasil.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 28 de Março de 1937.

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