terça-feira, 2 de julho de 2024

PACIFICAÇÃO (02/05/1936)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

PACIFICAÇÃO (02/05/1936)

Plínio Salgado



Também na Europa se desejou a pacificação.

O sr. Samael Hoare pronunciou-se. O sr. Sarraut soltou algumas palavras. Ouviram-se alguns tiros. Eram as tropas fascistas que invadiam a Abissínia.

O sr. Antonio Eden, o sr. John Simon, mexeram-se. Ouviram-se alguns tiros mais longínquos. Era na Ásia. Os japoneses estavam em Mandchukuo.

O sr. Brun, o sr. Flandin, o sr. Lloyd George deram entrevistas à imprensa. Logo escutaram alguns rumores de tropas marchando. Era a Alemanha que vinha ocupar as fronteiras francesas.

Então, os srs. Tardieu, Herriot, Chamberlain, Brun, Flandin, Simon, Eden, Hoare, Sarraut, Stanley, Baldwin, Erc Phips, Daladier, agitaram-se clamando pela pacificação. Mas, logo em seguida, verificaram que a thoria era uma coisa muito diferente da prática, que o idealismo não correspondia à realidade, que os métodos liberais-democráticos jamais poderiam pacificar o mundo.

Nem por isso desanimaram. Começaram a viajar abaixo e acima. De Londres a Paris, de Paris a Londres. De Genebra para toda a parte. Tudo inutil e desmoralizador.

Foi assim que, também na Europa, tentaram pacificação. A pacificação era impossível como impossível será em toda a parte onde houver interesses de grupos contra os interesses gerais.

Ainda agora, na Câmara Inglesa, registra-se uma das páginas mais deliciosas do velho humorismo britânico.

Sim. Uma coisa não foi destruída na Europa: aquele imperturbável "humor", que vinha de Dickens, que esteve sempre na atitude fleumática dos velhos Lords ou dos mais humildes frequentadores dos "bars" junto ao Tamisa, onde se toma um gole de "gin", ou de "whisky", entre duas palavras graves de legítima ironia.

Já tardava a graça exótica e singularíssima da velha Albion. Já o mundo esperava da Pátria de Bernard Shaw e de Chesterton, uma atitude digna da tradição humorística da Grã-Bretanha.

E, afinal, apareceu na Câmara Inglesa, a atitude que nos faltava. Um deputado apresentou, com ar grave, como convêm a um genuíno humorista, e fazendo mesmo gestos trágicos, uma série de atos que ele considera muito expressivos da situação europeia.

Esses atos são os seguintes:

1. Violação do Tratado de Versalhes - Remilitarização da Alemanha.

2. Idem e violação do Tratado de Locarno - Entrada das tropas alemãs na Renânia.

3. Violação do Tratado de St. Germain - Remilitarização da Áustria.

4. Violação do Tratado de Lausanne. - Refortificação dos Dardanellos.

5. Fracasso da Conferência Naval de Londres - Não estabelecimento de limites para as construções navais.

6. Violação do "Covenant" da Liga das Nações - Guerra ítalo-etiópica.

7. Violação do convenio contra o uso de gazes tóxicos - Guerra ítalo-etiópica.

8. Tensão na fronteira da Mongólia e Mandchukuo - Possibilidade de revisão dos mandatos da Liga das Nações.

9. Ingerência da União Soviética na Europa Ocidental - Pacto franco-soviético.

10. Aplicação das sanções - Tensão anglo-italiana.

11. Armamentismo excessivo – Enormes orçamentos militares das potências.

Como se vê, é maravilha! E o mais extraordinário é que a Câmara Inglesa, correspondendo ao humorismo do deputado, não riu. Pelo contrário, agitou-se. Ilustres parlamentares assumiram mesmo atitudes violentas, enérgicas, alarmadíssimas.

Tudo para fazer rir o mundo. E toda a Europa riu na tarde de anteontem. Uma imensa risada rastilhou pela margem do Tamisa, atingiu Callais, estrondou na França. A hilaridade atingiu Genebra, Berlim, Roma, os Balcans, e o turco que, às margens do Bósforo fumava tranquilamente o seu "narghile", desatou a rir, despertando os gregos vizinhos e as colônias mediterrâneas. A fria Escandinávia, a florida Holanda, a Beélgica, a Dinamarca, tudo riu. Foi uma tarde de bom humor prodigalizada pela Câmara Inglesa, que desempenhou o papel que lhe competia nesta hora do mundo.

Foi assim que a liberal-democracia começou a morrer, sem tristeza no planeta. Foi assim que ninguém mais acreditou em pacificações, nem no mundo internacional, nem no mundo das políticas nacionais, nem mesmo nos municípios, onde os coronéis disputam o prestígio local.

Pacificação só se faz com uma coisa: autoridade.

Autoridade só se faz com uma coisa: renúncia a interesses imediatos, visão superior de interesses gerais.

Enquanto houver partidos, não há pacificação Será, pois, inútil que a Europa tente pacificar-se.

E, por falar em pacificação da Europa, haverá quem acredite nessa palavra, por exemplo, em Santa Luzia do Olho d'Agua, ou na capital de algum país da América do Sul?

Publicado orginalmente n’A OFFENSIVA, em 02 de Maio de 1936.

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