Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças a generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/
ALBERTO DE OLIVEIRA (20/01/1937)
Plínio Salgado
Em 1927, numa noite de garoa de São
Paulo, conheci o velho Alberto. Lembro-me bem daquela pequena sala em casa de
uma família, no bairro de Higienópolis. A sua grande figura decorativa, a cabeleira
leonina, os longos bigodes, a voz solene. A senhora que promovera o nosso
encontro não pensara no sério embaraço em que me colocara. Estávamos em pleno
fragor da revolução literária, que se iniciara em 1922 com Graça Aranha, Ronald
de Carvalho, Mario e Oswaldo de Andrade. Essa revolução continuara com outros escritores
e poetas que iam surgindo. No ano anterior, eu publicara "O Estrangeiro",
que se enquadrava no espírito novo da literatura brasileira. Meus artigos, como
os de todos os de minha geração, eram irreverentes, audaciosos, destruidores. A
mesma campanha que os parnasianos fizeram contra o pobre e grande Casimiro,
contra os românticos e os líricos, nós fazíamos contra eles, cultores das rimas
preciosas, dos "enjambements" e dos sonetos de finos lavores. Naquele
período de transição a forma nova ainda não se fixara, era ainda confusa e caótica.
Mas já existia uma atitude e essa atitude nos incompatibilizava com os grandes escritores
e poetas da geração anterior. Quando recebi, pois, o pedido daquela família
para me encontrar com Alberto de Oliveira, tive um instante de perplexidade.
Mais forte, porém, foi o meu sentimento de respeito por um espírito que realizara
no ciclo de sua atividade criadora, uma obra conscienciosa, bela, na sua
expressão, afinada ao ritmo do seu tempo. Um homem que fora fiel aos destinos
da sua geração merecia o meu culto. E decidi-me a conhecer pessoalmente o poeta
que fora o enlevo de minhas primeiras leituras.
Alberto era um poeta da minha Pátria.
Era uma existência dedicada aos sagrados ritos da poesia. Era uma grande figura
de artista que envelhecia nobremente, heraldicamente, como esses antigos palácios
que a idade cobre com os nobres musgos e a pátina imortalizadora. Formara com
Olavo Bilac e Raymundo Correia a trindade magnifica, a maravilhosa constelação
que iluminou com estranho fulgor mais de trinta anos da literatura patrícia. Eu
devia ir ver Alberto.
Essa tarde eu folheei as suas
poesias, para afinar a minha sensibilidade ao tom de uma época; para acender no
meu coração a saudade daqueles dias em que declamei alto as estrofes serenas, aparentemente
glaciais, que engastavam na ponta dos versos, como rútilos diamantes, as rimas
raras, as rimas surpreendentes. Reli, declamei os poemas, contemplei os
trabalhos em bronze, em aço, em prata, em ouro do ourives minucioso. Observei
os pormenores da arte parnasiana, os relevos e baixos-relevos, as cinzeladuras metálicas,
os acabamentos preciosos, Os versos realizavam na harmonia das aliterações e na
disposição dos fonemas os efeitos subtis da obra trabalhada. Camafeus ou broquéis,
torres heráldicas, esplendor de amplos quadros, como tudo em Alberto revelava o
espírito de um século, principalmente do fim de um século de analises
meticulosas e objetivações realistas!
Ninguém no Brasil foi mais parnasiano
do que Alberto de Oliveira. Ninguém, pois, mais do que ele foi fiel ao espírito
da sua geração. Contemporâneo dos naturalistas, vivendo a época das experimentações
cientificas, integrando-se na fase humana dos aperfeiçoamentos técnicos,
sentindo o espírito linear do academicismo, que na prosa se exprime em Renan, e
na poesia em J. Maria Heredia, Alberto de Oliveira realizou a arte agnóstica, a
arte pela arte.
O culto da forma era uma fatalidade artística
consequente da filosofia do tempo: o naturalismo científico, o evolucionismo e
o positivismo.
O sentido grego do parniasismo é
logico. Foi também o naturalismo helênico a fonte geradora da inspiração ática
e do próprio enriquecimento da arte dórica. Teve, por isso, toda a razão Coelho
Netto, quando nós nos levantamos no movimento de renovação da literatura
brasileira, teve toda a razão quando exclamou que ele era o último heleno.
Coelho Netto, porém, enganava-se num
ponto: a sua prosa tinha muita exuberância e calor tropical para enquadrar-se
no espírito da Grécia. O último heleno era Alberto de Oliveira.
Com que emoção, portanto,
encontrei-me com o velho poeta naquela noite paulistana de garoa gelada: Duas
gerações se defrontavam.
Logo após as apresentações, o grande
poeta me diz com ar solene: "Eu saúdo a nova geração na sua pessoa".
Conversámos a noite toda. Alberto
declamou algumas de suas poesias. Falou de meus escritos carinhosamente, dizendo-me:
"Eu já cumpri o meu destino: agora vocês devem cumprir destino da geração
a que pertencem".
À madrugada, levei Alberto de
Oliveira no Hotel Terminus. Nunca mais me saiu da lembrança a sua nobre figura,
alta, envelhecendo com grandeza.
E hoje, que recebo a noticia de sua
morte, acho que este é o assunto político mais importante a tratar nestas colunas.
Alberto de Oliveira, o grande poeta
que ao morrer me dá a impressão de haver tombado uma grande árvore patriarcal,
legou uma lição e um exemplo. Foi fiel à sua geração.
Compreenderão isso os homens de hoje?
A literatura, como a política,
obedece às mesmas leis. O parnasianismo passou. Veio uma revolução literária.
Alberto de Oliveira disse-me naquela noite, com profundo sentimento e íntima
alegria: "Já cumpri o meu destino; agora vocês devem cumprir o destino da
geração a que pertencem".
Ele não me disse que eu devia imitá-lo,
adotar a forma, as ideias da sua geração. Ao contrário, mostrou-me o caminho do
dever em literatura: criar algo de novo.
Em política tem de ser a mesma coisa.
Indignos serão todos aqueles que, Já velhos, tendo já cumprido o seu dever,
segundo o pensamento do seu tempo, pretendem opor barreiras ao espírito criador
dos valores novos.
Que essa grande lição do Poeta sirva aos
políticos.
Que essa honestidade inspire os que
insistem em continuar condenando as novas ideias. Que o respeito com que
Alberto me contemplou naquela noite (ele, coberto de glórias, eu simples
estreante) sirva como um exemplo aos incapazes de aceitar a hora do ocaso dos
pensamentos transatos com dignidade e majestade.
Alberto de Oliveira foi grande em
tudo: na estatura, no talento, na arte em que ninguém o excedeu, no respeito
para com o Futuro que ele viu raiar, na fidalguia de suas atitudes, no silêncio
dos seus sofrimentos, na exortação que me fez aquela noite e que jamais esquecerei,
durante toda a minha vida.
Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 20 de Janeiro de 1937.
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