Nossa Pátria nasceu da
confraternização das raças, das grandes núpcias históricas que fundiram numa só
aspiração e num só sentimento as três humanidades. Daí, talvez, a origem do
temperamento brasileiro, do nosso gênio hospitaleiro e meigo, pacífico e
bondoso; da nossa sensibilidade lânguida e doce; dos nossos costumes suaves, da
nossa capacidade para o sacrifício. Deu-nos a conquista da terra o hábito da
luta, o destemor dos perigos, a coragem persistente; porém, a fusão das três
raças iniciais ensinou-nos o amor da humanidade, e de tal modo ampliou a nossa
possibilidade de amar, que, diante desse sentimento, ruíram todos os preconceitos,
todas as prerrogativas, como deixaram de existir todos os ódios. Povo criança,
não conhecemos ainda os rancores que separam as nacionalidades velhas e criam
antagonismos de cultura e choques permanentes de doutrinas, de religiões ou de
política. Estamos na nossa infância, e, ao olharmos para a nossa brava
história, sentimos a mesma origem de sofrimentos, e verificamos que todo o
nosso patrimônio custou o esforço comum dos nossos antepassados. Nada nos
separa. A nossa geografia, escreveu-a o branco, com nomes indígenas, e
consolidou-a com o suor do negro. Nosso idioma foi amaciado e reuniu cabedais
de expressões oriundos da selva americana e das florestas da África. O nosso
apego à terra é tão forte, no extremo Amazonas, onde o tapuia contemplativo
ouve o segredo cochichado das Iaras e da Cobra-Grande, quanto no extremo do
pampa, onde gaúcho galopa a sua inquietude no rastro luminoso dos boitatás das
coxilhas. As populações pastoras de Minas Gerais, o garimpeiro do Araguaia, o
homem do café ou da erva-mate, os que trotam tangendo tropas em longas
estradas, ou se conduzem ao ritmo longo dos remos nas canoas dos largos rios, -
nós bem o sentimos, - possuem a mesma alma, porque misteriosas forças, que
vieram desde as primeiras transfusões de sangue, trabalham, sem o percebermos,
pela unidade do espírito brasileiro. (págs. 88 e 89)
Σ
O isolamento da América do Sul é um
fato incontestável durante os cem anos últimos. A Europa e a América do Norte
trataram-nos como a um comensal incômodo, um intruso no convívio das grandes
Nações.
Por mais que se queira provar o
contrário, o desprezo que temos sofrido corresponde a um escorraçamento
sistemático. Terra de negros, de mestiços, de caboclos, nunca a Europa nos
levou a sério. A atitude dos velhos países, em relação a nós, foi sempre de desdém
profundo, a ponto de ignorarem, os homens mais cultos, a nossa geografia. Fomos
tratados como parentes pobres, como compadres da roça, embasbacados ante as
maravilhas do compadre da cidade. Fomos olhados com a ironia com que se olham
os imitadores ridículos, os plagiários e falsificadores de objetos autênticos.
(pág. 112)
Σ
Só uma espécie de gente nos conhecia
na Europa: os banqueiros. Esses garantiam que não éramos uma fantasia
geográfica, porque um argumento lhes falava bem alto: os juros que pagávamos,
trabalhando como escravos. (pág. 113)
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SALGADO, Plínio. A
Quarta Humanidade. 5ª edição. Prefácio de Cláudio De Cicco. São Paulo: Edições GRD, 1995; XVIII + 115
págs.
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