quinta-feira, 9 de maio de 2024

O verdadeiro nacionalismo (1954)

 

O verdadeiro nacionalismo (1954)

Plínio Salgado

Entre tantas outras palavras cujo sentido foi inteiramente deturpado, em nosso tempo, essa palavra “nacionalismo” é certamente a que sofreu a maior deturpação. Os intérpretes do nacionalismo fizeram dele um espelho de suas próprias paixões, de seus exageros e de suas insuficiências. Não o tomaram na sua realidade humana, como expressão de um culto pelo grupo natural constituído por frações da humanidade tipicamente diferenciadas. Uns o exaltaram a tal ponto que o tornaram um instrumento de opressão interna e de ameaça externa. Confundindo a Nação com o Estado, os teoristas alemães, a partir de Bluntschli, fizeram do nacionalismo um instrumento de absorção das pessoas humanas e dos outros grupos naturais em que as pessoas se agregam com o objetivo da defesa de seus direitos fundamentais; e confundindo a Nação e o Estado com a Raça, ou com uma ideologia de tendência imperialista, muitos pensadores, filósofos, juristas e homens públicos do nosso tempo transformaram o nacionalismo em constante ameaça contra os povos.

Considerando o nacionalismo sob esses aspectos, surgiram as reações dos que amam a liberdade do Homem e a paz alicerçada em bases jurídicas; mas esses incorreram no erro oposto, o que nos faz lembrar os primeiros tempos do Cristianismo, quando o combate a uma heresia se tornava, no curso polêmico da controvérsia, outra heresia e, às vezes, maior do que a da doutrina adversária.

O erro dos que combatem o nacionalismo exagerado, ou transvertido nas formas destruidoras do verdadeiro nacionalismo, consiste em condenar essa palavra, in limine, sem estabelecer distinções. E, assim procedendo, esses inimigos do nacionalismo desarmam os povos constituídos em grupos humanos nacionais, tirando-lhes a única arma com que se podem defender das agressões e da dominação do nacionalismo deturpado. Fazem, dessa maneira, o jogo do próprio adversário.

Existe ainda outro erro — e esse é o das mentalidades ignaras ou medíocres — que está em tomar o nacionalismo como sinônimo de xenofobia, de jacobinismo, de atitude de repulsa às nações estrangeiras. Esquecem-se de que o grupo natural que chamamos Nação constitui um meio pelo qual estabelecemos as relações comerciais, culturais, jurídicas e morais com os outros grupos nacionais em que se acha diferenciada a unidade humana. Esquecem-se de que, se a colaboração entre as Nações já se apresentava como uma realidade entrevista nos séculos XVI e XVII, por Francisco Vitória e por Grotius, muito mais hoje se impõe, primeiro pela internacionalização do comércio, que principiou a desenvolver-se de maneira acelerada, desde os albores do século XIX; depois pelo instrumental técnico do século XX, que liga os povos pelo avião, pelo rádio, pela televisão, finalmente pelo interconhecimento das condições econômicas, sociais e psicológicas, as quais, denunciando a identidade das aspirações, insinua a adoção de fórmulas solucionadoras de problemas comuns.

De tantos erros concluímos que a palavra nacionalismo precisa ser recolocada na sua verdadeira posição e na sua verdadeira significação.

* * *

Devemos ser nacionalistas? Sim; é a única resposta que cabe a um cristão, uma vez que sustenta o princípio da intangibilidade da pessoa humana e dos grupos naturais de que se servem as mesmas pessoas para defender seus direitos e cumprir seus deveres tendentes a um fim determinado por Deus. A Nação é um grupo natural, uma realidade histórica e social; nela se conjugam e se exprimem os outros grupos naturais. Acima dela, só a realidade — maior do que todas as outras — que é a Religião. Mas se nesta encontramos os princípios fundamentais da liberdade e da responsabilidade do Homem e a sustentação doutrinária da autonomia dos grupos naturais, a começar pela Família, que é o mais importante, então temos de aceitar a Nação e o nacionalismo, como um meio de defesa e garantia de sobrevivência dos direitos individuais e grupais. Combater o nacionalismo é desarmar os grupos naturais e o próprio Homem dos meios materiais, jurídicos e internacionais de sua permanência e intangibilidade. É, ao mesmo tempo, insurgir-se contra a lei de Deus, que diferenciou a unidade humana em expressões particulares, segundo condições geográficas, climáticas, econômicas, culturais, idiomáticas, históricas e temperamentais, o que fez evidentemente para algum fim, o qual não pode ser outro senão a própria defesa do Homem e dos Grupos Naturais, em consequência do equilíbrio de forças pela qual se impede a escravização universal dos seres humanos a uma só potência, que poderá ser inimiga de Deus.

Esse nacionalismo cristão deve ser cultuado. Sem ele não nos defenderemos do cruel materialismo que ameaça o mundo. Esse nacionalismo não deve ser nem exagerado nem superficial. Equilibrado e profundo, justo e lúcido, ele refletirá a perso­nalidade de uma Pátria, constituída pelo conjunto das perso­nalidades congregadas no grupo nacional.

SALGADO, Plínio. Mensagem às pedras do deserto. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, [1954]; transcrito integralmente das páginas 102, 103 e 104.

quarta-feira, 8 de maio de 2024

As duas faces de Satanás (1937)

 

As duas faces de Satanás (1937)

Plínio Salgado

O comunismo não é uma causa: é um sintoma. O mal não é o comunismo em si, porém as causas que geram o comunismo.

O comunismo, por consequência, não se acaba com violências, com opressões e fuzilamentos: acaba-se com a extinção das fontes de que ele provém.

É preciso encararmos o comunismo sob os dois aspectos pelos quais ele se apresenta: o intelectual e o moral.

Sob o aspecto intelectual, o comunismo só pode ser combatido, eficientemente, pela crítica, pelas ideias, no livro, na tribuna, na imprensa. Sob o ponto de vista moral, o comunismo só pode ser combatido pelas medidas que melhorem o sofrimento da massa e pelos exemplos de virtude.

Tanto o estado de espírito do intelectual como o estado de espírito do inculto, porém, sentimental, só podem ser substituídos por uma nova concepção da vida.

Será, porém, inútil, tanto a ação do pensamento como a ação do sentimento, se ela não for prestigiada pelo exemplo.

Estancar as fontes do comunismo, - eis o nosso trabalho.

* * *

Onde estão as fontes do comunismo?

No materialismo burguês.

Com que autoridade moral um materialista pode declarar-se inimigo do comunismo?

Sua atitude reacionária só consegue irritar ainda mais os humildes, os infelizes. Seu ódio anima o ódio dos contaminados pelo bolchevismo. Seus instintos sanguinários não fazem mais do que acender mais ao vivo as cóleras da multidão.

É muito comum hoje em dia escutar-se o burguês dizer: “Qual nada! O que o Governo devia fazer era fuzilar logo esses comunistas!”

A gente olha para o burguês. Está bem vestido, com o charuto na boca, acaba de descer o elevador do Jockey Clube, onde levou duas horas almoçando numa roda de elegante. Daqui a pouco, vai ter um encontro com uma mulher que não é a sua, no “hall” do Palace. Esta manhã esteve na praia, seminu, fazendo conquistas frinéias familiares. Tem uma renda farta. Vive à tripa forra. Sabe de numerosos casos de adultérios galantes e de cavações reles. E tem muita raiva dos comunistas. “Oh! O governo devia fuzilar essa caterva!”

O nosso homem vota um desprezo profundo pelos humildes. Essa gente, para ele, cheira a cebola e a suor. Grita com os criados, maltrata os garçons. Faz o maior pouco caso do estudante pobre, dos caixeiros, do soldado heroico, daqueles que guardam a sua casa, como cães de fila. Caçoa do brasileiro do sertão, que trabalha para sustentar o luxo das capitais. E, quando esse nédio burguês ouve falar em comunismo, logo diz: “Basta a polícia! “É meter-lhes as patas do cavalo, é varrê-los a metralhadora”.

* * *

Não. O comunismo não se combate assim. O burguês está enganado. Já se enganou desse modo na Espanha; está se enganando na França, como está se enganando no Brasil.

O comunismo é apenas um sintoma do materialismo grosseiro de que o burguês é a fonte originária.

O operário não quer mais acreditar em Deus? Mas quem foi que ensinou o operário a negar a Deus? Foi o burguês. O burguês que acha muito boa a religião para os velhos, os proletários, as crianças e as mulheres.

O nédio burguês é ateu, e não respeita a família, e não liga a Pátria. Leva uma vida de macaco, só pensando em prazeres, com o nariz a cheirar rabos de saia, os fundilhos alisados pelas poltronas e pelos almofadões dos carros de raça. Sua preocupação constante é o pano verde, a “garçonnière”, as paixões criminosas, a esperteza nos negócios.

Convém, para ele, que o operário seja religioso, porque assim não incomoda com rebeliões e desesperos. Convém que a esposa também o seja, porque assim se conforma com as suas ridículas atitudes de galo velho. Convém que as crianças também o sejam, para não darem trabalho com desobediências.

É assim o burguês. Para ele, a Pátria é coisa muito boa, porque a Pátria para ele não são os milhões de brasileiros que sofrem, porém, os soldados de polícia e os agentes de segurança, os investigadores e as metralhadoras. Isso é que é a Pátria, a Nação, para ele. Mas nem isso ele defende, porque é comodista. Deixa essa tarefa, a nós, camisas verdes, ao Exército Nacional, à Polícia, ao Governo. Ele materialista e gozador, não dá um passo. Exige, apenas, que não poupemos o comunista.

O Exército, diz o burguês, deve ser disciplinado, não se metendo em política. No íntimo o burguês materialista está convencido de o Exército existe para que ele, em plena segurança, possa conquistar e deflorar a filha do operário; para que ele possa refestelar-se no seu pijama de seda; possa atropelar com o seu automóvel o mísero velhinho ou a inocente criança que tiveram a petulância de se pôr à frente da sua máquina possante. Lá no fundo de seu coração empedernido, ele pensa que o Governo, o Chefe de Polícia, os militares, os camisas verdes, devem ser seus capangas, seus criados dóceis.

Estão muito enganados, os burgueses. O que, nós, integralistas, combatemos, em primeiro lugar, é o materialismo, o sensualismo, a grosseria dos sentimentos, o domínio dos instintos. Sem combater isso, como combateremos o comunismo?

* * *

Pois se o operário olha para o burguês e vê que ele, em todas as suas atitudes, proclama que a vida do homem acaba neste mundo; e se o burguês é o homem que sabe, que leu, que estudou; e se é com ele que o operário aprende, é lógico que o operário ficará sendo materialista, deseja ser também um bruto, um gozador e como não tem recursos, adere a uma doutrina que lhe diz: “O céu e o inferno são aqui mesmo: tratemos pois de gozar a vida tomando tudo dos burgueses!”

A filha do operário que se prostitui, levada na baratinha do burguezote, foi seduzida, primeiro, pelo luxo da burguesinha e pela opulência da burguesona. Os homens brutais, empolgados pelo instinto, que premeditam o assalto às famílias dos burgueses, para saciar a sua lascívia animalesca, não fazem mais do que imitar, de modo violento e cruel, o burguês que assaltou habilidosamente a casa do proletário, desonrando-lhe a filha.

É que o operário é uma obra do burguês. O burguês fez o operário à imagem e semelhança. A criatura agora se revolta contra o criador. Nada mais lógico, porque o burguês também se revoltou contra Deus, quando adotou um método de vida tão contrário aos mandamentos do Senhor.

O burguês é violento? O operário também o é. O burguês é lascivo? O operário também o é. O burguês é comodista, indiferente à Pátria? O operário também afirma que a Pátria é o estômago.

O burguês é cosmopolita? O operário é internacionalista. No fundo, são a mesma coisa.

Se o comunista prega o amor livre? Mas, o burguês, de há muito, já vive em poligamia.

O comunismo prega a destruição das religiões? Mas, o burguês, de há muito, está caçoando de todas as religiões.

O comunismo quer matar, trucidar? Mas o burguês também exige fuzilamentos.

Os comunistas não têm pena das famílias dos burgueses? E os burgueses terão pena das famílias infelizes, paupérrimas, deste país?

* * *

Burgueses! Eu e os camisas verdes viemos para vos salvar e salvar vossas famílias!

Burgueses! Eu vos chamo, em nome de Deus e da Pátria!

Vinde enquanto é tempo! Nós, integralistas, não vos odiamos quando dizemos estas verdades, que precisais ouvir, porque o Senhor, na sua infinita bondade, permitiu que alguém vos dissesse o que nunca ouvistes de ninguém, porque todos os que vos rodeavam eram hipócritas e não vos amavam.

Nós, camisas verdes, amamos profundamente o operário, como vos amamos também, burgueses, porque vós que oprimis com crueldade e eles, que rugem de cólera contra vós, todos sois brasileiros e sois humanos, e este Movimento Integralista é da Pátria e se anima de sentimentos de humanidade.

Nunca alguém disse ao operário e ao burguês esta palavra dura, que irrita, que queima, porém que desvenda os segredos profundos das desgraças atuais em todo o Universo.

Abrandai vosso coração de pedra; aplacai vossos instintos; elevai vosso espírito e vinde dar combate à fonte do comunismo, para que o comunismo se acabe.

* * *

Satanás veste sempre duas máscaras: a máscara da dor e a máscara do prazer. Quando o homem sofre, Satanás é a revolta, o desespero; quando o homem goza, Satanás é a voluptuosidade, a luxúria.

Satanás veste os andrajos da miséria para sacudir os punhos fechados, na saudação bolchevista. Satanás veste seda e enfeita-se de joias, para sorrir com indiferença e desprezo sobre o sofrimento dos humildes.

Satanás é o comunista que assassina à traição. Satanás é o homem rico e feliz, que assiste a esse crime, e sorri.

Satanás é a revolta das hetairas nos cubículos do Mangue. Satanás é a alegria triunfante dos “flirts” adulterinos das rodas elegantes.

Satanás é a indiferença, o comodismo, o ceticismo, a negação, a ruína de uma Pátria.

Ele se apoderou de vós burgueses, como se apoderou de muitos proletários. Ele entrou nos quartéis, é bem verdade. Mas, antes de entrar nas casernas, ele já havia entrado nos vossos salões, entre frases elegantes e costumes fáceis.

Urge que caminheis para nós.

Urge que vos salveis, burgueses.

Porque, de agora para sempre, já não podereis alegar ao Supremo Juiz que não ouvistes a verdade, que não apareceu alguém que afrontasse uma sociedade inteira para lhe lançar ao rosto seus crimes, enquanto é tempo de se evitar o castigo.

* * *

Na Família, pela Pátria, para Deus.

Mas que estas palavras não sejam apenas palavras. Que estas palavras sejam sacrifício e realidade profunda dos corações e das almas. Eis a grande, a única batalha contra o comunismo.

Eu acendi esta luz verde para mostrar na treva da hora presente o caminho por onde devereis passar, para não cairdes no precipício.

Há também as lâmpadas vermelhas, pelas quais vos estais guiando.

Não podereis dizer um dia que não tive o cuidado de iluminar todo o Brasil com as verdes lanternas humanas que evitam a queda nos profundos abismos.

SALGADO, Plínio. Páginas de Combate. Rio de Janeiro: Livraria H. Antunes, 1937; transcrito integralmente da pág. 07 até a pág. 16.

O Maior dos Comunistas (1954)

 

O Maior dos Comunistas (1954)

Plínio Salgado

O maior dos comunistas não pertence ao Comintern ou ao Cominform, ao Consomol ou a outras organizações do partido de Lênin. O maior dos comunistas não pertence sequer às linhas auxiliares que abrem carta de crédito à propaganda marxista e cobrem com sua aparente ingenuidade as manobras do imperialismo vermelho. O maior dos comunistas nunca foi a um Congresso de Viena, nunca assinou o apelo de Estocolmo, nunca tomou parte nas manifestações coletivas pró “petróleo é nosso” ou contra o acordo militar Brasil-Estados Unidos. O maior dos comunistas nunca editou, nem assinou, nem comprou nas bancas um desses vinte e tantos diários que a Rússia mantém em nosso País. O maior dos comunistas nunca fez agitações de rua, nunca interveio nas greves, nunca se preocupou em atacar pela palavra ou pela escrita os governos ou as chamadas classes conservadoras. Mas, apesar de todas essas negativas, é hoje, como foi sempre e como continuará a ser, o maior, o mais eficiente de quantos comunistas andam pelo mundo pregando a doutrina de Marx e a técnica de Lênin.

Porque o maior dos comunistas do mundo é o Espírito Capitalista. Não direi o Capitalismo, que é um sistema econômico, uma tese a ser discutida em capítulo separado. Refiro-me aqui aos fatores psicológicos, que desabrocham do sistema e constituem um estado de alma, uma forma de mentalidade, traduzindo-se em atitudes e ações deletérias cujos efeitos são a dissolvência, a decomposição disso que nos habituamos a denominar Civilização Ocidental ou — por suprema ironia — Civilização Cristã.

* * *

O Espírito Capitalista é o espírito do lucro. Do lucro pelo lucro. Do lucro que se hipertrofiou enriquecendo-se com o adjetivo “extraordinário” que encobre o adjetivo “ilícito”. Do lucro que manobra a grande engrenagem chamada “especulação”. Do lucro que intervém nos costumes da sociedade e interfere no próprio seio das famílias, atacando na raiz a estabi¬lidade econômica dos lares.

O Capitalismo (sistema econômico) adquirindo essa alma tenebrosa, a alma do senhor Grandet, fotografada e filmada pelo gênio de Balzac, tratou de criar, na grande massa dos consumidores de mercadorias, a psicologia específica das filhas do Pai Goriot, outro personagem do grande cronista da Comédia Humana. É a psicologia da “despesa”, subordinada ao imperativo da “moda” e, pouco a pouco, transformada em psicologia da prodigalidade, do esbanjamento, do luxo, da ostentação, dos supremos confortos, das elegâncias, das distinções superfinas.

Criada pelo Capitalismo essa psicologia dos compradores, que domina desde os mais ricos aos remediados e desde estes aos pobres, e lançado o desespero nas classes média e submédia, sequiosas por ostentar os mesmos padrões de vida dos abas¬tados, o Capitalismo pôde vender uma infinidade de artefatos, de instrumentos, de máquinas, de objetos domésticos, não se falando no dilúvio de automóveis, de aparelhos de rádio e televisão, mobiliário variadíssimo e de todos os estilos, tapeçarias, não se falando em roupas masculinas e femininas, peles, perfumes, joias e quinquilharias.

A técnica moderna facultou ao Capitalismo a produção em série dos mais variados produtos e a sua propaganda assoberbante, asfixiante, pelas emissoras de som e de imagens, pelos jornais e revistas, pelos cartazes, pela policromia dos impressos mais-sugestivos.

Mas como, apesar de dominar completamente as multidões compradoras, o Capitalismo precisa vender mais, para lograr mais lucros, o grande comunista (o maior de todos) utiliza-se desse agente despótico e tiranizante que se chama “a moda”. Assim, em primeiro lugar, cria-se a hierarquia dos ídolos modernos. Existem automóveis para todos os preços, desde o de alta grã-finagem até ao de reles exercício funcional, para burocratas e empregados de segunda, terceira e quarta categorias. O desespero dos compradores está na aspiração de serem promovidos de um “jeep” a um chevrolet, de um chevrolet a um dodge, de um dodge a um cadillac. Cada possuidor de um carro se julga o mais infeliz dos homens olhando o carro de outro que traz marca mais nobre e custa mais caro do que o seu.

Do mesmo modo, nessa estúpida hierarquia dos valores sociais, os que possuem aparelhos de rádio, de televisão, vitrolas, geladeiras, aspiradores de pó, máquinas de lavar roupas, enceradeiras elétricas de preços inferiores aos dos seus vizinhos, vivem num estado de permanente neurastenia, tendo-se em conta de deserdados da fortuna, maldizendo os pais que lhes não deixaram herança, os governos ou as empresas particulares que não lhes pagam “o suficiente”, e maldizendo a si mesmos porque não foram capazes de “dar golpes”, e arquitetar negociatas, mercê das quais pudessem ombrear com aqueles e aquelas que aparecem resplendentes nas páginas das revistas da sociedade em fotos impressas sobre papel couchê.

* * *

Verificando, entretanto, o Capitalismo que, mesmo subjugando as multidões de compradores às quais impinge as séries de seus produtos, ainda precisa vender mais, adota duas providências: 1°) - O mesmo carro, a mesma máquina, são lançados cada ano em novo tipo. A diferença está às vezes num parafuso, numa alavanca, num vidro, num pequeno pormenor. O possuidor do tipo 1953 tem vergonha de se apresentar diante do possuidor do tipo 1954. O dono do tipo 1952 sente-se extremamente diminuído. Os dos anos anteriores sofrem na carne uma dessas dores só comparáveis às do homem cuja mulher prevaricou ou cujo filho deu desfalque num Banco. Não há maior degradação, maior prova de decadência do que usar em 1954 alguma máquina de 1944. E temos, assim, novas corridas atrás de novos tipos, novos desesperos, novas promissórias descontadas, novos subornos, novas roubalheiras para um indivíduo não ficar desonrado em face de uma sociedade que só dá valor aos apêndices mecânicos e indumentárias do homem, e nunca ao Homem-Homem, ao Ser Racional, à criatura de Deus, cuja medida do quilate, do peso específico, deve estar na sua capacidade de honradez, de trabalho, de modéstia e de espiritualidade. 2°) - O material empregado nas máquinas, nos artefatos, nos instrumentos diversos deve ser de pouca duração. A sua resistência é calculada para um prazo que obrigue a nova compra. O principal é vender. Cumpre ainda — e isto é o mais importante para o Capitalismo — criar uma psicologia de esbanjamento. Essa é facilitada nas épocas de inflação, de desvalorização, dia a dia, da moeda de um país de economia desorganizada. Gastar, e gastar o mais possível, eis o que o Capitalismo impõe aos seus vassalos, chamados compradores. Que vale um boi para quem tem sete fazendas? As sete fazendas são para os menos desonestos, sete promissórias ou sete “papagaios” dependurados, e para os menos honestos, sete negociatas, ou sete subornos, ou sete gorjetas, numa palavra: sete patifarias.

O Capitalismo, adquirindo a alma negra de Shilok, de Harpagão, de Grandet, coloca na mesma balança o sábio e o argentário, o santo e o grã-fino, o herói e o especulador. O Capitalismo subverteu a ordem do mundo. E como tudo se subordina às coisas materiais, com ausência total da beleza e da grandeza dos padrões da vida simples, as massas humanas, adotando igual critério, clamam, com absoluta lógica, e perfeito espírito de justiça (dentro do materialismo dominante) pela subversão de uma ordem social de monstruosas desigualdades, em que muitíssimos gastam numa noite o que alimentaria uma família num ano, ou despendem num quadro futurista idiota ou num vestido de baile aquilo que resolveria o problema de muitos desgraçados.

Não falamos ainda — o que poderá ser objeto de um capítulo especial, nas mil formas de especulação do Espírito Capitalista, entre as quais a especulação imobiliária. Os preços dos aluguéis das casas e apartamentos são astronômicos. Isso obriga famílias numerosas a habitar em cubículos sem ar (é preciso aproveitar o espaço para o capital render…) e numa promiscuidade como aquelas descritas por Zola no Germinal e pelos que fizeram narrativas a respeito da vida russa sob o bolchevismo, entre as quais o acúmulo de habitantes num mesmo quarto ou casa.

Quer dizer que o Capitalismo está fazendo a mesma coisa que faz o Comunismo na Rússia… As classes média e sub-média, comprimidas pelos preços dos aluguéis, procuram adquirir uma moradia, pagando uma prestação mais ou menos equivalente ao aluguel dos cubículos onde moram. Então, encontram dois tipos de apartamentos: os de preço superior a um milhão de cruzeiros, onde afinal a família se comprimiria; e os constituídos por uma sala, um quarto e uma limitadíssima cozinha.

O Capitalismo constrói para “garçonnières”. A hipocrisia fechou o degradante comércio da prostituição, mas facilitou as transações sexuais multiplicando o número de apartamentos onde cavalheiros podem repousar algumas horas como se estivessem na ilha de Cítera, de sorte que os pais de família, acumulando-se com os filhos e filhas, como sardinhas em lata, contam com ótima vizinhança, cujas relações podem ser utilís-simas para desencaminhar mocinhas de colégios ou de repartições e para mostrar aos rapazes como é que as coisas se fazem…

O tema exige muitas páginas. Paremos, por agora, nestas considerações, diante das quais pergunto aos meus leitores: existe algum comunista que seja mais comunista do que o Capitalismo, neste mundo ocidental que se está decompondo aceleradamente?

SALGADO, Plínio. Mensagem às pedras do deserto. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, [1954]; transcrito integralmente das páginas 35, 36, 37 e 38.


terça-feira, 7 de maio de 2024

A lição eterna (24/10/1936)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

A lição eterna (24/10/1936)

Plínio Salgado

O drama do Calvário não exprime apenas o milagre augusto da revelação de Deus. Ele servirá, para sempre, por todos os séculos, para a compreensão dos fenômenos sociais e dos episódios humanos.

Há, no fundo da tragédia do Gólgota e da epopeia luminosa da montanha ascensional, o profundo, imponderável, incompreensível mistério da Divindade, mas há, também, o segredo sutil da essência humana.

Em todas as épocas da História, sempre que a Verdade Simples se apresentar diante das complicadas realidades das Ilusões e das Mentiras, os fatos transcorrerão da mesma maneira, sem diferença de uma linha.

Somos homens e pequeninos, porém a Verdade é super-humana e grandiosa: somos humanos e fracos, porém o Pensamento que exprime o que temos de espiritual transcende à fatalidade da nossa tibieza, e provoca idênticas reações e invariáveis fenômenos no meio social em que nós efêmeros e transitórios agimos, animados pelo Verbo majestático e eterno.

É condição humana não entender a Verdade. Exatamente por ser ela muito simples, muito clara, muito pura e os homens gostarem de coisas muito complicadas, muito obscuras e muito confusas.

As ideias são sempre tomadas segundo uma tradução grosseira, imediata, pesada, demasiadamente tangível. Daí o drama de todos os que, em dado momento histórico, são portadores de um Pensamento.

As almas simples o apreendem, de um modo instantâneo. Os outros não conseguem penetrar o sentido desse Pensamento.

O drama do Calvário é, pois, um esquema para todas as épocas da Historia, para todas as sociedades, para todos os países, para todos os episódios em que uma Palavra Nova provoca a perturbação dos maus, dos empedernidos, dos superficiais, dos ortodoxos, dos sábios, dos vaidosos, dos interesseiros.

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Para se entender certas situações históricas num país, num momento considerado, é preciso termos em vista as personagens do Evangelho.

Em todos os tempos existirá uma corrente chamada dos "Fariseus" e outra corrente chamada dos "Saduceus".

Os "Fariseus" são os ortodoxos da Lei. São os mais realistas do que o rei. São os hermeneutas dos textos legais. São os homens da situação governamental, os que estão de cima, os que interpretam os códigos, os que acusam, os que perseguem, os que oprimem.

Os "Saduceus" são os dissidentes dos "Fariseus". Como os seus adversários, são hipócritas; como eles, são perversos, como eles ciosos dos artigos e parágrafos. Inimigos entre si, uns e outros estão de acordo na condenação de tudo o que for novo, claro, luminoso, denunciador de suas falsidades e evidenciador de suas perfídias e torpezas.

Existirá sempre, em todos os tempos, o interesse em cortejar a populaça e o interesse em servir à política de Cézar.

Existirá, em todas as ocasiões em que a Verdade erigir a cabeça, os tímidos que se sentem fascinados por ela, porém, que temem os "Fariseus" e os "Saduceus". Esses, chamar-se-ão José de Arimatéia e Nicodemos. Confabularão, alta noite, com- os portadores da Palavra Nova; defendê-los-ão nas reuniões dos doutores da Lei e dos pontífices tradicionais; porém jamais terão a coragem de se confessarem francamente adeptos dos homens novos, seus companheiros e seus irmãos. Se algum destes for ferido, Nicodemos e José de Arimatéia pensarão secretamente suas feridas; se algum deles for preso, eles o irão visitar; se for morto, dar-lhe-ão um túmulo e pedirão licença à autoridade para untar-lhes os cadáveres com unguento. Com isso, não se prejudicarão, porque não o fizeram senão por espírito de caridade...

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Haverá sempre os doutores da lei. Eles discutirão a Ideia Nova, segundo as regras da interpretação usual. Eles medirão as Coisas Infinitas com um côvado de cedro. Eles discutirão os profetas e as tábuas de Moisés. Eles dirão sempre que os portadores da Nova Ideia são ignorantes, charlatães, agitadores e forjadores de motins.

Existirão sempre, por todo o sempre, enquanto os homens sofrerem o terror das Ideias Imantadas por esse mistério sutil que desce do sol da Verdade para as trevas das consciências, as eternas questões das competências de autoridade. Os conflitos de jurisdição constituem uma fatalidade em todos os instantes da História em que ninguém quer assumir a responsabilidade do julgamento. Por isso, existirá um Herodes, tetrarca da Judeia, com poderes administrativos; um Caifás, autoridade religiosa, cujo mandato se discute com Anás; e um Pilatos, procurador judiciário. O poder federal, isto é, o Poder de Roma, subdividido entre Herodes e Pontius Pilatos; o poder regional, disputado entre Anás e Caifás. Em redor dessas autoridades, todas competentes e incompetentes a um tempo, a opinião dos partidos, os "saduceus" e os "fariseus".

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Haverá, por todo o sempre, a pergunta pérfida sobre a moeda de Cézar, para levar a Ideia Nova a cair em contradição. Haverá, em todos os tempos, os acusadores da mulher desgraçada, contra quem nenhum se sente com ânimo de atirar a primeira pedra. Haverá, em todas as eras, o publicano, pobre funcionário federal, armado de coragem para confessar a sua fé, como haverá, invariavelmente, o moço rico, tímido, incapaz de sacrifício. Haverá o fraco e bom Pedro, o Iscariotes vil, o Cireneu voluntário e magnânimo. Tudo isso existirá em todos os dramas humanos, porque o Cristo quis experimentar todas as misérias da terra e sofrer todo o martírio da incompreensão e da covardia dos homens, para que sempre o tivéssemos como exemplo, nas horas em que devemos imitá-lo.

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A quem compete a perseguição dos primeiros cristãos? A Caifás? Mas Caifás teme Pilatos, que pode mais do que ele. Então toca a Anás? Mas este diz não poder tomar conhecimento do processo, por que não está em exercício esse ano. Então cabe a Herodes. E Caifás manda os autos ao tetrarca. Mas Herodes representa Roma, para a justiça comum, não para casos políticos. Não pode tomar conhecimento. O processo vai para Pilatos. Mas Pilatos também não quer conhecer do mérito da questão. Ele tem diante de si a Verdade. Que é a Verdade?

Pilatos não sabe o que é a verdade. Pergunta a Cristo, que emudece. Sim; a verdade é a verdade por si mesma. Quem pergunta o que é a verdade, já sabe o que é a verdade; e a sua pergunta é apenas ama atitude de covardia mascarando uma indefinição.

Os partidos clamam: "Não és amigo de Cézar, porque Cristo se diz rei". Todos eles, os partidos, sabem que o reino de que fala Cristo não é deste mundo. Todos o ouviram. Sim; todos estão fartos de saber. Mas, no fundo, o homem tem medo do próprio crime. Precisa iludir-se a si próprio. Precisa fazer-se acreditar a si mesmo que não entendeu ou que não sabe, para poder ter o direito de ser perverso.

Pilatos treme. Vê, mentalmente, o Cézar todo poderoso, em Capri, rodeado de uma corte fulgurante. Entra, então, no mérito do pleito, para se declarar também incompetente. E lava as mãos.

Existirá sempre, em todas as épocas da História, uma reunião de doutores. Nessa reunião de doutores se resolve a perseguição. Ninguém é diretamente responsável. O crime se consuma. E ele é tão horroroso que ninguém quer assumir a responsabilidade.

O drama do Calvário é um esquema eterno para todas as épocas da História do Mundo e das Sociedades.

É o sofisma. É a mentira. É a crueldade. É a covardia. É a calunia É a injúria. E, sobre tudo, a confusão e a treva nos espíritos.

Resta um consolo para os homens.

Cristo, ao terceiro dia, ressurgiu triunfante. Para ensinar à nossa humanidade fraca, à nossa humanidade indigna d'Ele, que a Verdade sempre triunfa sobre a Mentira, para glória das Nações e consolo do gênero humano.

Integralistas: Estão estudando a vossa perseguição? Não importa: Lede o Evangelho. Acreditai na vossa doutrina. Pensai no Brasil. Trabalhai serenamente. E a luz que vem de Cristo não vos falte um instante nesta hora em que o Espírito das Trevas pretende confundir-vos. Com essa luz vencereis, e fareis do Brasil uma Grande Nação.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 24 de Outubro de 1936.