Plínio Salgado
(...) Será um documento
impressionante e trágico da nossa época a galeria dos retratos dos estadistas,
dos cientistas, dos homens de negócio, dos escritores, a arreganhar os dentes
em risadas nevróticas.
Nunca, em nenhum período da História,
os Homens de Estado, ou as personalidades de maior projeção no seu tempo nos
apresentaram seus retratos a dar risadas. Corra-se a galeria dos generais, senadores, escritores, reis,
imperadores, da Assíria, da Pérsia, do Egito, da Grécia, de Roma; percorra-se a
fila dos filósofos, dos poetas, dos guerreiros, dos reis da Idade Média;
examinem-se as fisionomias dos grandes vultos da Renascença, dos séculos XVII,
XVIII e XIX: nenhuma estátua, pintura ou mais recentemente fotografia nos
mostra essas personagens rindo.
Não estamos condenando o riso, porque
em muitos casos é a expressão saudável do espírito. O riso revela os mais
variados estados de alma. Manifesta-se na suavidade dos puros afetos, na irreprimível
hilaridade, na fina ironia, no repulsivo sarcasmo, até na expansão do ódio e da
cólera. É espelho de sentimento e revelação de temperamentos. Não é o riso, em
si, que nos causa estranheza.
O que nos espanta é verificar que, no
século mais trágico da história, no século em que se destrói, com uma só
explosão, uma cidade inteira , como Hiroshima, e posteriormente Nagasaki; no
século em que os bombardeios aéreos arrasaram monumentos e populações na
Europa; no século em que mais de trinta milhões de seres humanos gemem no
trabalho escravo dos campos de concentração da Rússia Soviética; no século em
que a luta do homem contra o homem assumiu proporções nunca anteriormente
conhecidas, seja justamente neste século que Roosevelt tenha inaugurado e os
demais homens públicos e estadistas tenham adotado o costume de tirar retratos
na plenitude das gargalhadas...
Os faraós do Egito costumavam
mostrar-se ao povo, nas grandes solenidades, com máscaras de ouro, onde os traços fisionômicos eram
graves e sérios, como a revelar que, acima dos lineamentos humanos do rosto,
devia estar a expressão da responsabilidade e do dever, inspirados num senso
moral tão definido, que suas linhas não sofrem a mobilidade das paixões, antes
se conservam serenas e impassíveis ainda quando o Rei, como ser humano, esteja
sujeito aos impulsos de sua condição pessoal.
Depois de tantos séculos decorridos,
os estadistas riem. Riem sobre as
desgraças do seu tempo.
Sim; é o Homo Ridiculus, ou o Homo
Ridibundus, que se fez jogral e adotou as atitudes dos fonâmbulos e palhaços
para fugir à realidade da História.(...).
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SALGADO, Plínio. O Ritmo da História. 2ª edição. Rio de
Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, [s.d.]. Transcrito das páginas 30 e 31.
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