Se
a juventude traz consigo o Amanhã da Pátria é porque dela deverão sair os
responsáveis pela sobrevivência da Nação. Prepará-la para que produza os
valores humanos, de que a comunidade nacional precisa, deve ser toda a nossa
aspiração e o nosso esforço.
A
mocidade não se prepara nas ruas, no fragor das batalhas transitórias. Lançar
os jovens nas empresas de demolição do Mal, sem a iniciação prévia na ciência e
na arte de construir o Bem, será desviá-los de um destino superior. As mais
belas campanhas, se resultantes do improviso, hão de ser, inevitavelmente, como
estrondo das ondas na superfície do mar. As ondas facilmente se deixam levar
pelo magnetismo da lua ou pelos ventos inconstantes que sopram em todas as
direções. Só as águas profundas resistem. Só elas trazem consigo as potências
da irredutibilidade.
A
irredutibilidade no Homem é a estrutura do caráter. O caráter se forja pelo
concurso de três elementos: Personalidade, Cultura e Educação. Desenvolver a
personalidade, enriquecê-la pela cultura, dar-lhe ritmo pela formação moral e
espiritual - eis o que nos cumpre quando nos entregamos no magistério da
palavra esclarecedora e da ação criadora, no esforço de suscitar o advento de
grandes homens para a Pátria.
A
mobilização dos moços para uma campanha de moralização, de luta contra os
desmandos e contra a degradação dos costumes é iniciativa que merece todo
respeito; mas é expediente empírico, visando o tratamento meramente sintomático
da enfermidade social. Não vai às raízes da moléstia. Não procura as causas
históricas das desgraças que lamentamos.
O
conceito moral depende de uma concepção de vida. A concepção de vida decorre do
conhecimento da verdade e da compreensão da realidade. Pois a mesma verdade
pode ser desvirtuada e abastada na concretização dos seus objetivos, se a mente
desavisada opera sob a injunção de circunstâncias desconhecidas.
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Se
queremos estabelecer o império da Moral, cumpre-nos promover, antes de tudo, a
iniciação dos espíritos nos conhecimento do "verdadeiro" e do
"real". Cumpre-nos traçar, com firmeza, a própria definição da
moralidade. Do contrário, perder-nos-emos na confusão que o utilitarismo inglês
de Bentham e de James Mill lançou sobre o século XIX, a tal ponto que se
tornaram imprecisas e contraditórias as noções do "útil" e do
"justo". Foi tal a confusão que desnorteou a humanidade, produziu o
pragmatismo americano - essa filosofia de mercadores; - o cientificismo
evolucionista, que inspirou o delírio de Nietzsche, a gritar nas torres do
Pensamento, e as conclusões de Marx, a resmungar e a conspirar no rés-de-chão,
dos armazéns de comestíveis e, finalmente, os torpes postulados dessa moderna
metafísica de Limpeza Pública, que vibra na pituitária dos faxineiros de Freud.
A
iniciação dos espíritos jovens exige trabalho metódico, sistemático. Repele o
"dispersivo" para se ater ao "reflexivo". Evita o
"extenso" para que predomine o "intenso". E não se entrega
à exteriorização sem precedê-la de longos dias de interiorização.
O
jovem deve construir-se primeiro, para depois pensar em construir a sociedade.
A autoconstrução não se faz nas praças públicas nem no fragor das manifestações
coletivas; pelo contrário, forja-se no estudo, na meditação, na discussão, na
troca de ideias.
Os
comícios na ágora de Atenas nada legaram nem para o futuro da Grécia, nem para
o futuro do mundo. Mas os diálogos de Sócrates, os passeios de Aristóteles, o
recolhimento nos jardins de Epicuro produziram homens no seu tempo, no tempo da
posteridade helênica e romana e até nos dias de hoje.
Os
missionários da Companhia de Jesus não se entregavam a vida apostolar senão
depois dos prolongados exercícios de Santo Inácio. Construíam-se primeiro, para
depois construir os outros.
João
Batista não começou a sua campanha contra os desregramentos da sociedade
herodiana, sem antes se recolher, anos a fio, nos descritos da Peréia. E a sua
réplica anticristã, configurada no Zaratustra de Nietzsche, não iniciou a
propaganda do Super-Homem sem ter antes construído a própria personalidade na
montanha silenciosa.
A
epopeia das Navegações foi precedida pela Escola de Sagres, mas antes desta o
preparo se realizara no Castelo de Tomar pelos Freires de Cristo, que por sua
vez guardavam as tradições dos Templários.
Não
se improvisa um Bolívar, que para suas empresas se preparou culturalmente em
longos anos de estudos e de viagens. E um José Bonifácio não surge por acaso no
cenário da Independência, porque o Patriarca foi o resultado de uma autoconstrução
através de longas peregrinações e meditações sobre quanto ia observando na vida
dos povos.
A
cerimônia ritual em que se armavam os cavaleiros da Idade Média – guerreiros
teutônicos ou paladinos da Távola Redonda do Rei Artur – era precedida pelas
vigílias d’armas, que simbolizavam a preparação do herói. A vigília d’armas, em
nosso tempo, há de ser o adestramento intelectual e a formação moral. Sem isso,
não conseguiremos reformar os costumes nem produzir os homens de que o Brasil
vai precisar daqui a cinco ou dez anos.
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Se
os nossos estabelecimentos de ensino fabricam apenas profissionais e são
insuficientes para incutir nos moços brasileiros os sentimentos de civismo, a
noção dos deveres, o espírito público; se nos próprios lares, na sua atmosfera
materialista e egoísta, as crianças e os adolescentes já não encontram àquele
ambiente que propicia o florescimento das virtudes, a aspiração à vida heroica
- então, de que elementos nos iremos valer, buscando a Mocidade, para dar ao
Brasil aquilo de que essa mesma mocidade está necessitando? Não será perigoso
lançar a Juventude, sem os parafernais dos conhecimentos que ela própria possa
administrar em seu proveito, numa campanha - ainda que benemérita - em prol de
uma indefinida moralidade empírica, sem base de uma formação religiosa,
filosófica, histórica e sociológica? Não se transformarão os comícios e as
agitações da praça pública em formas de derivativos, a substituir os
divertimentos em que se estiola a maioria dos moços em nosso país? Não haverá o
perigo de se tornarem os jovens (que é tudo o que esta Pátria ainda possui de
esperança) em instrumentos de interesses político partidários?
Moralidade
por oposição e visando destruição sem sentido de construção, é moralidade de
superfície, promotora de escândalos públicos e sem nenhum resultado positivo
para o futuro de uma Pátria que está precisando, antes de tudo, elevar seu
nível cultural. Pois se no Brasil existem negociatas, malversações de dinheiros
públicos, oligarquias parasitárias, venalidade de funcionários, domínio do
suborno e da gorjeta, esbanjamentos e irresponsabilidades, preguiça e
imprevidência, ambições irrefreáveis e sensualidades irreprimíveis, temos de
convir que o responsável inconsciente por tudo isso é o próprio povo que
prefere, sistematicamente, nos comícios eleitorais, os que fazem mais barulho,
os que gastam mais dinheiro, os que acenam com mais promessas, os que se
mostram mais ignorantes e grosseiros.
Por
conseguinte, o problema da moralidade é um problema de cultura. E o problema da
cultura popular (formação da consciência de um povo) só será resolvido
forjando-se uma geração que possa fazer valer, em face da inversão de todos os
valores, os legítimos direitos de orientação de uma forte aristocracia
intelectual e moral.
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Forjar
essa geração - eis o de que o Brasil precisa. Esse o motivo da fundação em todo
o país, dos Centros Culturais da Juventude, filiados à Confederação, que lhes
dá unidade, dentro da mesma linha de direção filosófica. Nesses centros se
organizam bibliotecas, estimulando-se a leitura dos grandes pensadores do nosso
tempo; realizam-se cursos de filosofia, sociologia, história, doutrinas
econômicas, geografia; promovem-se conferências sobre temas de interesse humano
e nacional; comemoram-se as datas importantes da História Brasileira;
estudam-se as personalidades dos nossos estadistas, filósofos, pedagogos.
Economistas, militares, artistas, prosadores e poetas; - e mais do que tudo –
nesses grêmios se procura criar a mística das virtudes, dos sacrifícios, dos
heroísmos, num sentido cristão e consoante os sentimentos mais puros de
brasilidade.
Que
se lancem campanhas pela moralidade nacional e que para ela se mobilizem os
moços, contra isso não podemos, em princípio, nos opor; mas que essas campanhas
distraiam a juventude do esforço que ela deve empregar no sentido de
construir-se por meio de uma revolução moral interior e de uma elevação
intelectual indispensável, contra esse desvio nos opomos. E se uma campanha
dessa natureza vier a servir ao interesse de partidos políticos ou da
"demagogia da honestidade", que, à mingua de outros predicados de
nossos homens públicos, se apresenta hoje como cartaz para a conquista de postos
eletivos, então devemos ter a coragem de condená-la. E se, ainda, a habilidade
técnica do comunismo internacional intervier sub-repticiamente para utilizar-se
como "massa de manobra", desse patrimônio da Pátria, que é Juventude,
coordenando-a, sem que ela o perceba, como tem feito a todos os nobres e puros
movimentos da opinião sentimental e desprevenida no que respeita às artimanhas
dos pescadores de águas turvas, nesse caso devemos estar alertas para prevenir
os que não se preparam para conhecer os fatores intervenientes e as
circunstâncias advenientes que surpreendem sempre as melhores intenções.
Escrevo
estas linhas para os duzentos Centros Culturais da Juventude filiados à
Confederação. Para que os seus associados as leiam, as meditem, pondo-se de
sobreaviso, e redobrando os seus esforços na obra serena, firme, imperturbável,
perseverante da construção de suas próprias personalidades como fundamento da
construção do Brasil de Amanhã.
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SALGADO, Plínio. Reconstrução do Homem. 1ª edição. Rio
de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira. S/data. Págs. 103 e segs.
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