terça-feira, 30 de maio de 2023

O Jacaré e o Tapuio (15/01/1937)

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças a generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

O Jacaré e o Tapuio (15/01/1937)

Plínio Salgado

Raul Bopp, nosso atual cônsul em Kobbe, é um dos mais impenitentes andarilhos que jamais conheci outro. Encontrei-me, certa vez, com ele, num "boulevard" de Paris. Que surpresa! E nossas primeiras perguntas foram, naturalmente, indagando um do outro: "De onde veio?"

Eu respondi-lhe que vinha do Egito. Ele respondeu-me que vinha de Vladivostock, pelo transiberiano. E, como fazia já três anos que não nos encontráramos, levámos uma semana a contar um ao outro o que tínhamos feito, o que viramos.

Depois de me narrar as maravilhas da Mongólia e os encantos do paraíso soviético, onde a sua curiosidade quase lhe ia custando a vida, deu-nos saudade do Brasil, e eu pedi ao homem que viajara todo o nosso país, vivendo no meio de bugres, andando em todos os veículos, que me contasse histórias, como ele sabe contar, tão pitorescas.

Falou-me, então, das coisas da Amazônia, das pajelanças, dos igapós, das cobras e dos botos. Todos os dias, à noitinha, estávamos juntos. E foi numa dessas ocasiões que Bopp me contou um fato ocorrido perto da ilha Caviana, onde ele fora admirar o fenômeno das "pororocas".

Regressava meu amigo daquela excursão, numa canoa conduzida pelas remadas fortes de um tapuio taciturno.

O passageiro só sabia que o Caronte amazônico estava fora de casa havia quase um mês. A noite caiu tenebrosa. Depois de viajarem multas horas, o tapuio, rompendo o silêncio de pedra, sugeriu-lhe a ideia de pernoitarem numa cabana, distante dali cerca de uma légua. A ideia foi aceita por Bopp, que se achava fatigado e com fome. A choupana era exatamente a casa do pai do barqueiro, que ali habitava com sua família.

Algum tempo depois, a canoa embicara na direção de uma pequena enseada a orla de um barranco. A treva era espessa. Lá em cima, porém, parecia luzir um fogo. Um vulto humano, que movia um tição rubro, gritou lá do alto:

- Ei.....ô!: Ei...ô! Quem é?

- É Jaquim, nhô pai: respondeu laconicamente o barqueiro, com voz descansada, vagarosa, com o timbre das mornas populações ribeirinhas.

O vulto perguntou: - Cadê o Zéca?

Com a maior naturalidade do mundo, o tapuio Joaquim respondeu, amolengado, indiferente:

Jacaré comeu...

O Bopp compreendeu num relance a tragédia horrível. Viu mentalmente o quadro dantesco: o corpo ensanguentado do Zéca, as aguas tintas de vermelho, as fauces do Jacaré escorrendo. Imaginou o choque, o susto, a mágoa profunda que iria abalar o coração do velho pai, que vira sair os dois filhos nessa canoa, em que o Joaquim voltava, agora, com um estranho...

Mas o velho, lá em cima, sacudindo o tição com que se alumiava, respondeu com uma lerda compaixão, numa voz resignada, como se se tratasse do caso mais banal do mundo:

- Coi...tado!

Já em terra, Bopp observou que pai e filho trocaram algumas palavras sobre factos triviais, sem mais se referirem ao assumpto da morte do Zéca.

A luz da fogueira acesa na cabana, esperava a mãe dos rapazes. Essa, nem chegou a perguntar. A ausência do Zéca explicava tudo. Não voltou, é porque morreu afogado, ou algum Jacaré o cortou pelo meio, ou a febre o cozinhou de uma vez, ou uma cobra o mandou para o outro mundo. Para que perguntar? Se estava vivo, apareceria. Se estava morto, que fazer? Havia coisas mais importantes: um pedaço de peixe para os recém-vindos, um naco de tartaruga com farinha crua.

O semblante dos tapuios não acusava nada. Nem susto, nem revolta, nem mágoa. Aquelas fisionomias copiavam a monotonia inexpressiva das águas vastas, da paisagem plana, das árvores hirtas, dos mormaços equatoriais.

O fatalismo geológico e climatérico, o peso da amplidão infinita, esse sentido trágico de conformismo da terra criara aquelas psicologias singulares, sem vibração, integrando-as no cosmos formidável, onde o homem era apenas um acidente.

Que era o homem diante da pororóca? Diante da fatalidade dessa imensa massa de água rolante? Acaso as árvores se revoltavam? Acaso essa terra negra, que se esbeiçava em desbarrancamentos abafados, se revolveu algum dia, ou pelas forças telúricas do seu seio, ou pela ação civilizadora do homem?

- Cadê o Zéca?

- Jacaré comeu.

- Coitado:

Que interessava o Zéca, no panorama das vastidões amazônicas?

**

Há povos que, desanimados diante da torrente dos fatos, abatidos em face de longas forças opressoras, desiludidos por tudo e por todos, vão se conformando nos traços dessa psicologia de depressão absoluta e de fatalismo irremovível.

Os fatos mais graves não provocam as manifestações da vitalidade coletiva, a vibração dos nervos, a deflagração dos sentimentos impulsionadores da vontade.

Foi, assim, na Rússia. Tem sido assim em todos os países em vésperas de ruína. É assim que as nações morrem...

- Os tribunais estão sendo desrespeitados!

- Coitados!

- Os responsáveis intelectuais pelas tentativas de destruição da Pátria estão em liberdade!

- Coitados!

- Fogem das prisões perigosos agitadores!

- Coitados!

- Aqueles que constituem a barreira contra a invasão bolchevista estão sendo vítimas de perseguições; que será da Pátria, se forem destruídas as suas resistências?

- Coitados!

- A agitação política pode trazer graves consequências e abrir as portas à invasão soviética...

- Coitados:

- O Jacaré comeu o Zéca!

- Coitado!

Há mais no que cuidar. Há os interesses de cada um. Um pedaço de tartaruga com farinha crua, ou um emprego, um cargo, uma posição, um favor... Há mais no que cuidar! Há os candidatos da sucessão presidencial. Há as formalidades jurídicas. Há a hermenêutica. Há a interpretação dos textos. Há os interesses em não se magoar os governadores. Há política, há partidos, há conchavos. Pedaços de tartaruga...

Fatalismo oriental dos mujiques; fatalismo tropical dos tapuios.

A Imensa vastidão da Rússia, da Sibéria infinita. A amplitude da carta geográfica do Brasil...

A abstração de todos os perigos. A Indiferença marmórea. A tranquilidade trágica. A apatia. A abulia. Pobre Zéca, teu sangue foi espadanado pelas fauces do Jacaré: Pobres militares mortos em defesa da Pátria, vosso sangue corres nas fauces do monstro vermelho!

E nós, os que estamos despertos, os que estamos, face a face, dos tapuios, dessas esfinges, desses que leem os jornais como a dizer aos seus botões: “que tenho eu com isto?" compreendemos o drama da nossa Pátria. E é por isso que gritamos, a plenos pulmões, e erguemos o braço com toda a energia, declarando guerra ao fatalismo:

Pátria! Pátria! Desperta!

 

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 15 de Janeiro de 1937.


quarta-feira, 24 de maio de 2023

EDMUNDO D’AMICIS (12/03/1936)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças a generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

EDMUNDO D’AMICIS (12/03/1936)

Plínio Salgado

Comemorou-se ontem Edmundo d'Amicis.

No momento atual, essa recordação comovida do autor de um dos mais belos livros patrióticos do mundo, tem uma altíssima significação, pelo que traz de incitamento e exemplo, principalmente pelo que desperta de ocultas energias no espírito nacional.

Infelizmente, ele não é um brasileiro. Não tivemos ainda um d'Amicis. Seu nacionalismo exaltado e sentimental tem um valor humano profundo. O gênio de d'Amicis é um gênio universal.

Todos nós, quando meninos, fomos seus leitores. E mesmo depois de grandes, é com particular alvoroço que abrimos as páginas imortais de "Il cuore".

Esse livro exprime o coração da Itália. Traz, porém, tal subsídio de forças essenciais humanas que exprime um eterno valor para todos os puros.

Nunca mais nos esquecemos da crônica diária do pequeno estudante. Do seu pequeno mundo escolar. Dos tipos psicológicos estampados tão ao vivo e refletindo as diferenciações regionais e individuais características.

Uma Nação que produz um livro como "Il cuore" deverá, mais cedo ou mais tarde, produzir um Mussolini. Um povo que possui páginas como a de "O pequeno estudante florentino", "O tamborzinho sardo", terá de produzir mais cedo ou mais tarde a luminosa falange dos "ballilas", assistir a marcha ovante dos "camisas-pretas".

Há no livro de Edmundo d'Amicis, não apenas o sentimento nacional, o amor da Pátria levado a mais luminosa altura, mas alguma coisa mais profunda, da qual depende à própria Pátria: o sentimento afetivo da família.

Sem família não há Pátria. O autor de "O coração" compreendeu isso de modo genial. Foi por isso, certamente, que ele pôs uma nota tão vibrante de emoção nas cartas que escreveu ao pequeno Henrique, sua mãe e seu pai. Foi por isso que ele criou a situação de tão rara intensidade dramática do pequeno escrevente que, alta madrugada, se levantava para ir dar conta da tarefa de seu pai. Quando este cai de joelhos diante do filho, o sentimento da família avulta com uma grandeza majestática.

Tudo nesse livro é delicadeza, fidalguia, cavalheirismo, bravura, ardor, elevação humana.

Nunca um povo teve, como a Itália, à felicidade de possuir um instrumento assim, maravilhoso de formação das gerações no culto mais puro de Deus, da Pátria e da Família.

Comemorando d'Amicis precisamos meditar um pouco sobre as crianças do Brasil. O abandono em que jazem à mingua de toda a educação moral é o maior crime que atualmente se perpetra contra a Nacionalidade.

O descaso com que nos temos notabilizado em relação, já não digo do estímulo que devemos a todas as iniciativas literárias e artísticas capazes de criar alguma coisa expressiva da alma nacional, revolta.

Nenhuma fiscalização exercemos sobre os livros que se publicam para as crianças do Brasil.

Posso dizer mesmo, pela experiência que tenho, pois há três anos estou em contato com as massas infantis do Brasil e atualmente tenho sob o comando da Secretaria Nacional respectiva cerca de cem mil meninos e meninas, posso dizer, sem receio de errar, que no Brasil não existe um único livro sequer na altura de formar o cérebro e o coração daqueles que deverão ser em dias futuros os responsáveis pelos destinos deste país.

Sem exceção, digo. Muitos perniciosos. Muitos antipedagógicos. Muitos difíceis. Muitos áridos. Muitos imorais. Muitos imbecis.

Esta última categoria é a que mais avulta. Nela têm colaborado personalidades até de projeção em nossa literatura para adultos.

Parece que temos o firme propósito de engendrar gerações de cretinos. Quanto à nota patriótica, nada mais artificial, nada mais forçado, árido, seco, convencional. No tocante à educação sentimental, nada. Nada de nada. A própria História do Brasil, a história do mundo, as lições de coisas, são plágios vergonhosos, orientações perniciosas, formas ridículas, estilo lamentável.

Não quero citar. Quero, apenas, aproveitar a oportunidade da comemoração de Edmundo d'Amicis e de "Il cuore", para me recordar de um projeto de lei que um deputado estadual, em São Paulo, no ano de 1928, ou 29, apresentou em plenário. Esse projeto foi aprovado por unanimidade, oposição e govêrno. Veio a revolução de 30. Derrubou tudo, inclusive essa iniciativa, que era a de mobilizar todos os escritores do Brasil, num concurso monstro, afim de que surgisse o livro que os meninos e meninas do Brasil necessitam e, mais do que eles, o futuro da nossa Pátria.

Dirijo, nestas linhas, um apelo aos escritores do Brasil. Para que deixem um pouco o cabotinismo ridículo a que se entregam, produzindo obras requentadas de um realismo sem originalidade, que passará como bolhas de sabão; para que deixem um pouco de fazer versos retorcidos e incompreensíveis. E vejam si é possível arrancar do cérebro alguma coisa tão humana e tão profunda como este livro genial de D'Amicis, para as novas gerações da nossa Pátria.

No dia em que o Brasil possuir qualquer coisa parecida com "Il cuore", podemos esperar para ele um radioso, formidável, majestático destino.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 12 de Março de 1936.

segunda-feira, 22 de maio de 2023

DISCIPLINA (11/03/1936)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças a generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

DISCIPLINA (11/03/1936)

Plínio Salgado

Quando realizei o 1º Congresso Integralista na cidade de Vitória, tive duas impressões muito. fortes. A primeira foi à da partida. Minha alegria não tinha limites, vendo eu embarcarem para a capital capixaba representantes de todas as Províncias brasileiras, sinal evidente de que o meu esforço começava a coroar-se de êxito. Era o Brasil que se reunia pela primeira vez, não para tratar de política, mas para tratar dos seus problemas graves, para pensar no seu futuro, para realizar uma obra duradoura de comunhão de afetos, de sentimentos nacionais.

Não me esqueço daquela noite, quando me foram apresentados homens de latitudes tão distantes, Eu os apresentei uns aos outros. Partimos todos vibrando de fé, palpitantes de esperança nos destinos grandiosos de nossa Pátria.

Os que me viram durante aquela viagem sentiram bem as disposições em que eu ia. Compreenderam que nenhuma ambição me animava. Perceberam que um pensamento superior me conduzia, na direção do local em que íamos lançar as bases do Integralismo, como me conduzira antes, em todos os momentos em que abri mão de altos cargos, de interesses materiais, curtindo todas as dores, e, principalmente, a dor da incompreensão.

Foi com essa disposição que cheguei a Vitória. E o meu contentamento ainda era maior, quando eu pensava que iria, afinal, passar as mãos de outro aquilo que me pesava tanto: a chefia do nosso movimento, que eu conduzi nos primeiros instantes, quando ainda não era possível conseguir-se alguém disposto a sacrificar tudo para iniciar sozinho a grande campanha.

Três dias gloriosos passamos em Vitória. Os que tiveram a fortuna de assistir o que foram nossos trabalhos, verificaram ainda uma coisa assombrosa. É que a disciplina, aquilo que constituía a base de toda a nossa construção, surgia como uma luz maravilhosa, refletindo-se sobre nós em razão de um acontecimento imprevisto.

Nas vésperas de nossa partida, una personalidade do Integralismo se portara inconvenientemente na defesa de seus pontos de vista.

Eu não trepidei. Preferi acabar com o movimento do que desmoralizar a autoridade, principalmente porque estávamos no inicio. Dessa maneira, excluí do Integralismo aquele personagem e telegrafei a todas as Províncias, comunicando o fato. Esse personagem tinha grandes esperanças nos amigos que contava em diversas zonas do país. Esperava que eles estariam com ele. Mas, em Vitória, contra a expectativa de muitos, tivemos uma chuva de telegramas. Nenhum discrepante. Todos aprovando o ato da Chefia. Isso revelou que o Integralismo nascera com força Nascera para um grande destino. Revelou, ainda que o Chefe não fazia nenhuma questão de ser Chefe. Que colocava o princípio da autoridade acima do tudo.

Três dias e chegou o encerramento. Estavam feitos os Estatutos, toda a regulamentação, os protocolos, nada faltava. O esforço de Everaldo Leite fora notável. Em torno dele. Miguel Reale, Jehovah Motta, Padilha, Olbiano, Loureiro, trabalharam, dia e noite, sem dormir e quase sem tempo para se alimentarem. E chegou a sessão solene, a sessão final.

Era o meu momento. A culminância da minha alegria. Porque era o instante da renúncia. Eu já manifestara a Madeira de Freitas, particularmente, que a minha decisão era irrevogável. Eu desejava ser um simples soldado do Sigma. Realizar os trabalhos intelectuais. Doutrinar. Lutar. Obedecer. Eu queria dar o exemplo da disciplina. O Brasil estava morrendo por falta de disciplina. Não dos pequenos, dos humildes, mas dos grandes. Os grandes são geralmente indisciplinados, sem o perceber. Não o fazem por mal. Fazem por hábito adquirido. Urgia uma revolução interior, não de hipócritas, mas de homens honestos. Eu não desejava santarrões falsos, mas homens, ainda que defeituosos, mas humildes de coração, para a grandeza da Pátria. E eu queria ser o primeiro delles. Foi assim que, no meio da estupefacção geral. declarei que a minha tarefa estava terminada, pois o Integralismo estava organizado e era um começo de realidade como força moral no país e que, portanto, só me restava voltar ao lugar obscuro de batalhador, que escolhessem outro Chefe.

Os protestos foram gerais. Os representantes de todas as Províncias exigiram de mim o supremo sacrifício. Eu relutei. Renunciei três vezes. Havia outros. Que escolhessem. Afinal, ergue-se a voz mais respeitada do Congresso. A voz de um velho. Era Arnaldo Magalhães. Sua cabeça branca resplandeceu a luz das lâmpadas no meio da plateia do Teatro Carlos Gomes. Ele exigiu imperativamente. Tinha o direito, porque no instante em que eu renunciara, ele assumira interinamente à Chefia. Era um brasileiro dos mais respeitáveis, um passado limpo e honesto, uma figura adorada na capital espírito-santense. Ele me impunha com autoridade. As Províncias referendavam seu ato. Eu queria dar exemplos de disciplina. Tive que curvar a cabeça.

Curvei-a, obediente. Para, em seguida, levantá-la com todas as minhas energias. E exclamei: "Pois bem: este lugar de dores me é imposto, nele não terei amigos; manterei a disciplina a todo o custo. Faço este aviso aos homens de posição e prestígio em nosso movimento. Saberei resistir a insinuações. Agirei apenas quando entender como entender e dispenso conselhos, observações. sugestões, alvitres ou pedidos".

Um trovão de aplausos retumbou. Nascia a força fatal do nosso movimento.

Tem sido ela o segredo da nossa marcha. Nossa prosperidade, nossa força moral no país. Quando todos se admiram porque crescemos dia a dia, é porque ignoram que existe essa força misteriosa, Imperativa.

Hoje o Integralismo resiste a tudo, Mas a tudo. Nada o detém. Ele está animado por uma vitalidade que os partidos liberais-democratas não possuem: a disciplina.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 11 de Março de 1936.

quinta-feira, 18 de maio de 2023

ALBERTO DE OLIVEIRA (20/01/1937)

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças a generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal.  Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

ALBERTO DE OLIVEIRA (20/01/1937)

Plínio Salgado

Em 1927, numa noite de garoa de São Paulo, conheci o velho Alberto. Lembro-me bem daquela pequena sala em casa de uma família, no bairro de Higienópolis. A sua grande figura decorativa, a cabeleira leonina, os longos bigodes, a voz solene. A senhora que promovera o nosso encontro não pensara no sério embaraço em que me colocara. Estávamos em pleno fragor da revolução literária, que se iniciara em 1922 com Graça Aranha, Ronald de Carvalho, Mario e Oswaldo de Andrade. Essa revolução continuara com outros escritores e poetas que iam surgindo. No ano anterior, eu publicara "O Estrangeiro", que se enquadrava no espírito novo da literatura brasileira. Meus artigos, como os de todos os de minha geração, eram irreverentes, audaciosos, destruidores. A mesma campanha que os parnasianos fizeram contra o pobre e grande Casimiro, contra os românticos e os líricos, nós fazíamos contra eles, cultores das rimas preciosas, dos "enjambements" e dos sonetos de finos lavores. Naquele período de transição a forma nova ainda não se fixara, era ainda confusa e caótica. Mas já existia uma atitude e essa atitude nos incompatibilizava com os grandes escritores e poetas da geração anterior. Quando recebi, pois, o pedido daquela família para me encontrar com Alberto de Oliveira, tive um instante de perplexidade. Mais forte, porém, foi o meu sentimento de respeito por um espírito que realizara no ciclo de sua atividade criadora, uma obra conscienciosa, bela, na sua expressão, afinada ao ritmo do seu tempo. Um homem que fora fiel aos destinos da sua geração merecia o meu culto. E decidi-me a conhecer pessoalmente o poeta que fora o enlevo de minhas primeiras leituras.

Alberto era um poeta da minha Pátria. Era uma existência dedicada aos sagrados ritos da poesia. Era uma grande figura de artista que envelhecia nobremente, heraldicamente, como esses antigos palácios que a idade cobre com os nobres musgos e a pátina imortalizadora. Formara com Olavo Bilac e Raymundo Correia a trindade magnifica, a maravilhosa constelação que iluminou com estranho fulgor mais de trinta anos da literatura patrícia. Eu devia ir ver Alberto.

Essa tarde eu folheei as suas poesias, para afinar a minha sensibilidade ao tom de uma época; para acender no meu coração a saudade daqueles dias em que declamei alto as estrofes serenas, aparentemente glaciais, que engastavam na ponta dos versos, como rútilos diamantes, as rimas raras, as rimas surpreendentes. Reli, declamei os poemas, contemplei os trabalhos em bronze, em aço, em prata, em ouro do ourives minucioso. Observei os pormenores da arte parnasiana, os relevos e baixos-relevos, as cinzeladuras metálicas, os acabamentos preciosos, Os versos realizavam na harmonia das aliterações e na disposição dos fonemas os efeitos subtis da obra trabalhada. Camafeus ou broquéis, torres heráldicas, esplendor de amplos quadros, como tudo em Alberto revelava o espírito de um século, principalmente do fim de um século de analises meticulosas e objetivações realistas!

Ninguém no Brasil foi mais parnasiano do que Alberto de Oliveira. Ninguém, pois, mais do que ele foi fiel ao espírito da sua geração. Contemporâneo dos naturalistas, vivendo a época das experimentações cientificas, integrando-se na fase humana dos aperfeiçoamentos técnicos, sentindo o espírito linear do academicismo, que na prosa se exprime em Renan, e na poesia em J. Maria Heredia, Alberto de Oliveira realizou a arte agnóstica, a arte pela arte.

O culto da forma era uma fatalidade artística consequente da filosofia do tempo: o naturalismo científico, o evolucionismo e o positivismo.

O sentido grego do parniasismo é logico. Foi também o naturalismo helênico a fonte geradora da inspiração ática e do próprio enriquecimento da arte dórica. Teve, por isso, toda a razão Coelho Netto, quando nós nos levantamos no movimento de renovação da literatura brasileira, teve toda a razão quando exclamou que ele era o último heleno.

Coelho Netto, porém, enganava-se num ponto: a sua prosa tinha muita exuberância e calor tropical para enquadrar-se no espírito da Grécia. O último heleno era Alberto de Oliveira.

Com que emoção, portanto, encontrei-me com o velho poeta naquela noite paulistana de garoa gelada: Duas gerações se defrontavam.

Logo após as apresentações, o grande poeta me diz com ar solene: "Eu saúdo a nova geração na sua pessoa".

Conversámos a noite toda. Alberto declamou algumas de suas poesias. Falou de meus escritos carinhosamente, dizendo-me: "Eu já cumpri o meu destino: agora vocês devem cumprir destino da geração a que pertencem".

À madrugada, levei Alberto de Oliveira no Hotel Terminus. Nunca mais me saiu da lembrança a sua nobre figura, alta, envelhecendo com grandeza.

E hoje, que recebo a noticia de sua morte, acho que este é o assunto político mais importante a tratar nestas colunas.

Alberto de Oliveira, o grande poeta que ao morrer me dá a impressão de haver tombado uma grande árvore patriarcal, legou uma lição e um exemplo. Foi fiel à sua geração.

Compreenderão isso os homens de hoje?

A literatura, como a política, obedece às mesmas leis. O parnasianismo passou. Veio uma revolução literária. Alberto de Oliveira disse-me naquela noite, com profundo sentimento e íntima alegria: "Já cumpri o meu destino; agora vocês devem cumprir o destino da geração a que pertencem".

Ele não me disse que eu devia imitá-lo, adotar a forma, as ideias da sua geração. Ao contrário, mostrou-me o caminho do dever em literatura: criar algo de novo.

Em política tem de ser a mesma coisa. Indignos serão todos aqueles que, Já velhos, tendo já cumprido o seu dever, segundo o pensamento do seu tempo, pretendem opor barreiras ao espírito criador dos valores novos.

Que essa grande lição do Poeta sirva aos políticos.

Que essa honestidade inspire os que insistem em continuar condenando as novas ideias. Que o respeito com que Alberto me contemplou naquela noite (ele, coberto de glórias, eu simples estreante) sirva como um exemplo aos incapazes de aceitar a hora do ocaso dos pensamentos transatos com dignidade e majestade.

Alberto de Oliveira foi grande em tudo: na estatura, no talento, na arte em que ninguém o excedeu, no respeito para com o Futuro que ele viu raiar, na fidalguia de suas atitudes, no silêncio dos seus sofrimentos, na exortação que me fez aquela noite e que jamais esquecerei, durante toda a minha vida.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 20 de Janeiro de 1937.

quarta-feira, 17 de maio de 2023

POSIÇÃO (26/01/1937)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças a generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal.  Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

POSIÇÃO (26/01/1937)

Plínio Salgado

Em silêncio e alerta. Firmes com a nossa doutrina, indiferentes à sorte dos homens. Indiferentes à nossa própria sorte. Que será o dia de amanhã? Isso é o que menos nos preocupa, porque o "amanhã" já nos pertence, ninguém nô-lo arrancará das mãos. Custou-nos una obra de cultura, um esforço como jamais se fez, um sacrifício de todas as possibilidades de triunfos efêmeros. E o sangue dos nossos mártires.

O dia de "amanhã", para nós, integralistas, é a grande árvore que já está plantada no espírito de uma juventude e no coração dos humildes. Essa árvore germinou, cresceu, porque a Primavera era chegada. Ninguém pode evitar essa Primavera: como haverá alguém que evite o outono com seus frutos?

Essa obra, que temos realizado, de educação constante, não mais perecerá. Temos ensinado às criancinhas a lição da bondade e do amor de Deus e da Pátria; temos ensinado aos moços a lição da virtude, da castidade, da severidade, da saúde do corpo e do espírito, a higiene física e moral, a bravura, a fé, a esperança, a alegria; temos ensinado aos tristes, aos melancólicos, aos displicentes, aos céticos, a lição dos júbilos Interiores que provém das energias da consciência e das forças imortais do coração; temos ensinado nos que envelhecem a arte de envelhecer com dignidade, impondo-se ao respeito; temos ensinado aos fracos a lição da fortaleza, aos revoltados a lição do otimismo criador.

Tudo isto é tão grande, que os que nos observam de fora, dos arraiais da política vigente, não podem compreender. Para eles, ou somos um partido politico, igual aos outros, pronto a fazer um conchavo em nosso benefício, ou somos uma conspiração, com objetivos terroristas.

E nós não somos, apesar de estarmos registrados como partido, nós não somos nem um partido, nem uma conspiração.

Somos uma escola e somos um recrutamento de almas. Somos uma atitude, somos uma decisão. Mas, principalmente, nós somos um "ato de consciência".

Um ato de consciência! Compreendeis o que significam estas palavras? Só podereis compreender quando vos surpreenderdes integrados nesse estado de espírito, nesse fenômeno de psicologia social sem precedentes na História Brasileira.

Um simpatizante nunca poderá entender bem "isto" que se passa em nossas fileiras, senão depois que se deixa absorver pelo sentido de vida do nosso Movimento.

Cada um dos que vestem hoje a camisa-verde sabe muito bem porque digo estas coisas. Cada um sentiu a transformação porque passou. Desde o dia em que, abandonando a atitude de mero espectador simpático, tornou-se um integralista, começou a ver as coisas de um modo diferente.

É que até mesmo a colocação dos problemas obedece, no Integralismo, a um critério completamente novo. O Integralismo, tenho dito às inteligências mais esclarecidas, é um methodo. Sendo uma filosofia, sendo uma norma moral, sendo uma política na alta acepção do vocábulo, determina uma concepção de método. Esse método só o apreende quem se deixou penetrar pela mística do Movimento.

Sim; porque somos também uma mística. Sabemos que todos os grandes empreendimentos humanos só se tornam possíveis mediante o misticismo que lhes é próprio.

Não se confunda, porém, o misticismo dos homens ativos com o misticismo dos homens contemplativos. Nós somos principalmente, homens ativos. Homens em ação. Homens com um objetivo predeterminado. E sabemos que o ferro, o aço, os metais rígidos não se trabalham a banho-maria. É preciso o fogo vivo, o fogo de altos fornos. E esse fogo é a nossa mística.

Foi sob a ação desse fogo que se realizaram os grandes movimentos na História. Uma Nação que se tornára abúlica não se poderia curar a banhos mornos.

Esta mística funde a liga de metais heterogêneos e possibiliza a depuração dos elementos nobres. Todo resíduo miserável de uma época é rejeitado. Todos os vícios são expurgados, Chamam a isso "a nossa Intransigência". Nós chamamos isso "a nossa dignidade".

Dignidade do Pensamento. Dignidade da Consciência. Dignidade do Coração. Dignidade das resoluções retilíneas. Dignidade das atitudes viris. Em suma: fidelidade ao Espírito.

Como poderão compreender-nos os que não consideram o que há em nós de Espírito? Pois se o Espírito é tudo, como poderemos traí-lo, com transigências e acomodações?

Haverá alguém cujo poder, cujo fascínio, cujas promessas, cuja amizade, cujas ameaças, cujas perseguições consigam de nós a traição de nós mesmos?

Imaginai um cristão em Roma, chamado a colaborar com os Césares, numa combinação em que aos adeptos do Nazareno fosse facultada a liberdade do seu culto, e ao Império a manutenção dos ídolos e dos costumes pagãos.

Essa hipótese é a nossa hipótese. Estamos convencidos de que deveremos dar combate ao materialismo que nos esmaga, nos sufoca, nos desfibra, nos torna oportunistas, comodistas, politiqueiros, enquanto o bárbaro prepara os seus golpes na sombra. Desde que nos alimenta essa convicção, como poderemos acreditar na palavra daqueles que se dizem pactuantes com os nossos sagrados propósitos e pretendem, ao mesmo tempo, compactuar com os "quirites" idólatras, cuja licenciosidade de costumes e cuja hipocrisia e violência contra as tradições da República são evidentes e proclamadas?

Estamos, pois, em silêncio e alerta. Em observação. Ao intelectualismo de um Trajano, à magnanimidade de um Tito, à filosofia de um Marco Aurélio, preferimos a adesão integral de Constantino.

Não temos pressa, não temos ambição, não nos movem Interesses, não nos seduzem vantagens, não nos amedronta a ameaça, não nos apavora o Futuro, não tememos o dia de Amanhã, não nos perturba o dia de Hoje.

Penetrados pela "razão de Estado", e, multo mais, pelas "razões de Deus", não odiamos nenhum inimigo, mas também não amamos nenhum amigo. Submetidos a uma doutrina, pugnamos por ela. Entregues a uma obra de educação, a uma obra de vigilância, de preservação, de preparo das gerações vindouras, caminhamos serenamente, tranquilamente.

Facílimo é conquistar-nos. Basta que o brasileiro disposto a isso deixe-se conquistar por nós. Esta conquista não é pessoal, porque é espiritual.

Quantos homens eminentes nos têm conquistado! Há dias, foi Rocha Vaz, foi Motta Maia; há tempos, Belisario Penna, Amaro Lanari, Lucio dos Santos; anteriormente Souza Dantas, Gustavo Barroso. É olhar para os grandes vultos do Integralismo. Ainda ontem, presidindo a uma sessão conjunta do Supremo Conselho, do Secretariado, da Câmara dos Quarenta, eu via diante de mim homens cujo valor honraria qualquer país, E esses homens conquistaram-nos, a nós, integralistas. Cientistas, escritores, militares, professores, profissionais ilustres, cuja projeção era grande no Brasil, aprenderam o caminho desta conquista fácil. Quando julgaram que estavam conquistados, nós, camisas-verdes, É que estávamos conquistados por eles. Pela sua atitude, que demonstrou renovação espiritual; pelo seu desassombro, pelo seu desinteresse, pela sua humildade.

Tudo isso explica a nossa situação na política nacional. Define a nossa posição.

Quando, algum tempo, neste país, se viu uma posição assim, uma atitude semelhante, tamanha serenidade, tamanha dignidade num silêncio?

Algum dia a História do nosso Brasil há de contemplar, maravilhada, este formidável perfil de cordilheira moral, cuja altitude não pode ser avaliada de perto.

E os netos dos que vestem hoje a camisa verde exclamarão cheios de santo orgulho nacional: meu avô foi um deles: E é por isso que somos uma Grande Nação.

Porque, na verdade - e sirva este pensamento de lição aos poucos atentos – o espírito de uma Pátria não se fabrica como os "cock-tails”, com misturas varias, sacudidas no recipiente fechado da política, mas extrai-se com a poderosa energia de um pensamento, a força de um sentimento e o fogo imortal de uma mística.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 26 de Janeiro de 1937.

sábado, 6 de maio de 2023

O Drama de um Herói (10/03/1936)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças a generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal.  Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/ 

O Drama de um Herói (10/03/1936)

Plínio Salgado.

Ei-lo, finalmente!

Meus olhos dão para a sua fotografia. Meu coração se aperta. É o meu inimigo. É o polo oposto. O antípoda.

E, entretanto, nenhum ódio me exalta. Nenhuma alegria por vê-lo assim, preso, vulgarmente, numa cena sem romantismo e sem brilho.

Sinto, mesmo, um vago abatimento, uma tristeza surda. Possivelmente vai, nessa tristeza, a dor da admiração perdida, esfacelada irremediavelmente. Talvez, no fundo desta melancolia, tenha despertado qualquer coisa como si fosse uma velha amizade, que, agora, transborda em compaixão.

Foi-se a ultima ilusão que me restava. Porque nunca o pude compreender senão como um forte. No começo, como amigo, comungando a mesma ansiedade, a mesma tortura que a todos nos abalou nos anos de 1923 a 1930; depois, como inimigo, como contraste, força negativa em perpétuo atrito com as energias que eu desencadeara para acordar nossa Pátria.

Amigo ou inimigo, nunca lhe fui indiferente. Quando nossas ideias se aproximavam, desejei vê-lo bem alto e enobrecido; quando ele se transviou eu o imaginei, lutando, como eu, a grande batalha, mas com esta autonomia que me reservei, chefe contra chefe, ambos jogando com a Morte e o Destino, a tremenda cartada.

Muitas vezes cheguei a pensar: este Brasil oscila entre as pontas de um pêndulo; será dele ou será meu e nisto jogo a minha vida, como joguei todos meus interesses pondo nesta partida a honra de uma Nação.

E, assim, eu o julgava um chefe, de fato. De tempos para cá, estranhei a sua ausência. Algum mistério devia pairar nessa atitude singular de desaparecido.

Na revolução de novembro, acreditei que se revelaria, que surgiria, afinal, diante da massa. O furacão passou numa rajada. Tombaram mortos. A Pátria ensanguentou-se. Houve prisioneiros. Ele, porém, continuou a ser, contra todo o seu passado, contra toda a sua gloriosa bravura, o incógnito...

Em certa época, nada impedia que ele aparecesse. Anistiado, poderia enfrentar as turbas, falar às grandes massas. Mas, não apareceu.

Que seria feito desse homem? Seus adeptos não se cansavam de exaltá-lo. Seu nome continuava a ser uma bandeira. Porque não surgia para falar povo?

Seria uma injúria atribuir-lhe qualquer receio indigno. Sua coragem nunca fora desmentida.

Então, ele não era aquele mesmo que, na hora em que periclitava a honra nacional dos revolucionários, sustentou aceso o facho da rebelião, como si a própria dor do Brasil passeasse, processionalmente, pelo mapa da Grande Pátria?

A marcha da Coluna que ele comandara significou, numa hora trágica, a simbólica serpente de fogo, passeando sobre o corpo inanimado de uma Nação, como a despertá-la de um letargo. Simbolizava bem nossa inquietação, nosso desespero, porque não tínhamos, nós, os espíritos inquietos, encontrado o caminho necessário.

Naquela ocasião, lembro-me bem, éramos uma turma de moços, em S. Paulo. Todas as noites nos reuníamos e discutíamos. Nossos corações se torturavam. A geração precedente não sofrera aflições, não se atormentara diante de nenhum problema. A nossa desesperava-se, não apenas diante das questões nacionais mais graves e prementes, mas ainda, em face de terríveis equações que o Século nos propunha.

Era o problema imperativo do “ser” ou “não ser”, das origens e da finalidade, o “alpha” e o “ômega”, que se estampavam como caracteres de fogo no turbilhão do progresso técnico e da multiplicação das metrópoles.

Angustiados, acompanhávamos a marcha da Coluna. Maior do que a de Aníbal. Mais gloriosa, porque mais inquieta. Mais trágica, porque trazia consigo a força de uma fatalidade. Mais misteriosa, porque se integrava na terra misteriosa, no soturno e desolado sertão.

No meio de nossas dúvidas, quando não tínhamos ainda achado o caminho, a Coluna era para nós um consolo, porque se desenvolvia num sentido paralelo às marchas do nosso pensamento. Tudo o que ela demonstrava de fatalidade subconsciente, de indefinição, de inconsciente mesmo, seus ímpetos instintivos, suas intuições estratégicas, seus sacrifícios, seus recuos e avanços, tudo se parecia extremamente com a nossa “coluna” de fogo, que era o nosso Pensamento,

Também íamos e vínhamos. Também contornávamos, também desesperávamos, também nos lançávamos em ímpetos de coragem ou nos erguíamos em atitudes desassombradas.

Nunca mais me esqueci daqueles dias. Daquelas noites, principalmente, em que nos reuníamos e em que ele, o herói, crescia em nossa admiração, porque exprimia qualquer coisa parecida com a tormenta subjetiva de uma juventude, que marcava com seus gestos e suas inquietações o inicio de uma alvorada, a véspera de um grande dia.

Quando ele se transviou, esperei que fosse o meu inimigo na qualidade de chefe. Ele só podia ser um chefe. Jamais um rótulo. Jamais um taumaturgo milagreiro.

Com que mágoa eu o vi transformado em “messias” de todos os insensatos, de todos os desorientados, de todos os oportunistas, de todos os que pretendiam vender nossa Pátria ao Soviete! Com que desaponto vi criar-se uma lenda medieval, em pleno século XX!

Nós estamos numa Idade Nova, das máquinas e da técnica, das realizações positivas, da ciência experimental e da racionalização das eficiências econômicas. Período em que um senso realista agudo marca o desenvolvimento de uma nova época, ao mesmo tempo intuitiva e cientifica.

Esta fase de civilização humana já não comporta ídolos, profetas políticos, taumaturgos, monges misteriosos, místicos exaltados.

Vivemos um tempo de novo misticismo, equilibrado, com um profundo senso de realidades espirituais e materiais. Renascemos num espiritualismo puro, elevado, de uma nobreza de atitudes e uma clara compreensão dos problemas originários e finais. Estes tempos não comportam mais os “tabus” humanos. Queremos “estadistas”.

Ora, em circunstâncias destas, o herói da coluna passa a ser explorado como uma “Jeanne D'Arc”, como um D. Sebastião.

E ele se presta a agravar uma enfermidade nacional. A velha enfermidade denunciada por Euclydes da Cunha: o messianismo brasileiro. Doença de povos bárbaros, incapazes, talhados para o domínio estrangeiro.

Quando o império colonial das grandes potências militares se exerce sobre os povos contemplativos, ele, portador de uma doutrina política baseada no mais grosseiro materialismo e na técnica de Sorel, prestou-se a figurar como bandeira de um misticismo mórbido, de uma paranoia generalizada e corrosiva das energias vitais da Nação.

Eu acreditei que esse homem reagiria, afinal, algum dia. Mas o drama do herói era muito mais doloroso, muito mais chocante para aqueles que o estimaram outrora e preferiram tê-lo como um inimigo audacioso.

Esta fotografia revela tudo. O fácies fisionômico ressalta a evolução deprimente de uma enfermidade psíquica fatal. Tomaram sua antiga e luminosa glória. Absorveram-no com ela. Criaram-lhe uma atmosfera doentia, em que ele respirou ao desamparo de todo o bom senso, de todo o sentido de equilíbrio. Empestaram de superstições o seu ambiente. Imprimiram-lhe uma máscara de ídolo. Ele não reagiu. Deformaram-no. A enfermidade evoluiu. Estampou-se, finalmente, na efígie dolorosa, marcada de atitudes desoladoras.

Quando o fizeram assim, encarceraram-no.

Seus carcereiros eram todos estrangeiros e judeus. Implacáveis. Cruéis. Mantiveram-no na sombra. Jogaram com seu nome. Exploraram-no miseravelmente. Fizeram de seus antigos retratos de barba negra, o lenço da Veronica para a adoração das massas analfabetas e inconscientes, sofredoras também, sequiosas por alguma coisa melhor do que isto que anda por aí.

Encarcerado, humilhado por uma vigilância de estrangeiros, admoestado por autoridades estrangeiras, manobrado por técnicos estrangeiros, não era mais o Chefe, mas um agente, numerado.

Essa fotografia que os jornais estamparam revolta. Eis o que fizeram do nosso herói, daquele que um dia nós estimámos, admiramos profundamente. Os lábios semiabertos, o olhar amortecido, as faces cavadas, a cabeça pendida para o lado, exprimindo uma atitude de enfermo, uma tristeza dolorosa na sua máscara, - ecce homo!

Oh! Até quando, brasileiros, toleraremos que miseráveis estrangeiros, dentro da nossa Pátria, façam o que fizeram a esse herói nacional? Até quando suportaremos esta dor? Pois este não era o que todos aplaudiram?

Nos dias desta semana última, o drama deste herói destruído encheu a sensibilidade de todos os emotivos Um sentimento de revolta se levanta contra o Soviete, contra a III Internacional, contra as forças ocultas organizadas no sentido de destruir personalidades humanas.

Nada mais triste, nada mais acabrunhante do que esta fotografia. Que ninguém se alegre desta prisão. Estamos diante de um crime, de um atentado contra uma personalidade. Os autores desse crime devem merecer todo o ódio dos brasileiros. A maior parte deles se encontra em liberdade, protegida pela sua hipocrisia e continuando a obra nefasta e destruidora.

Vede, brasileiros. E meditai. E levantai-vos unidos num só bloco, numa só força nacional, para que nunca mais vejamos um crime destes: a destruição de um brasileiro executada por mãos celeradas de estrangeiros, de internacionais sanguinários, aviltadores, sem nenhum respeito pelos nossos patrícios que têm a desgraça de se tornarem seus subordinados.

Publicado originalmente no A OFFENSIVA, em 10 de Março de 1936.