sábado, 6 de maio de 2023

O Drama de um Herói (10/03/1936)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças a generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal.  Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/ 

O Drama de um Herói (10/03/1936)

Plínio Salgado.

Ei-lo, finalmente!

Meus olhos dão para a sua fotografia. Meu coração se aperta. É o meu inimigo. É o polo oposto. O antípoda.

E, entretanto, nenhum ódio me exalta. Nenhuma alegria por vê-lo assim, preso, vulgarmente, numa cena sem romantismo e sem brilho.

Sinto, mesmo, um vago abatimento, uma tristeza surda. Possivelmente vai, nessa tristeza, a dor da admiração perdida, esfacelada irremediavelmente. Talvez, no fundo desta melancolia, tenha despertado qualquer coisa como si fosse uma velha amizade, que, agora, transborda em compaixão.

Foi-se a ultima ilusão que me restava. Porque nunca o pude compreender senão como um forte. No começo, como amigo, comungando a mesma ansiedade, a mesma tortura que a todos nos abalou nos anos de 1923 a 1930; depois, como inimigo, como contraste, força negativa em perpétuo atrito com as energias que eu desencadeara para acordar nossa Pátria.

Amigo ou inimigo, nunca lhe fui indiferente. Quando nossas ideias se aproximavam, desejei vê-lo bem alto e enobrecido; quando ele se transviou eu o imaginei, lutando, como eu, a grande batalha, mas com esta autonomia que me reservei, chefe contra chefe, ambos jogando com a Morte e o Destino, a tremenda cartada.

Muitas vezes cheguei a pensar: este Brasil oscila entre as pontas de um pêndulo; será dele ou será meu e nisto jogo a minha vida, como joguei todos meus interesses pondo nesta partida a honra de uma Nação.

E, assim, eu o julgava um chefe, de fato. De tempos para cá, estranhei a sua ausência. Algum mistério devia pairar nessa atitude singular de desaparecido.

Na revolução de novembro, acreditei que se revelaria, que surgiria, afinal, diante da massa. O furacão passou numa rajada. Tombaram mortos. A Pátria ensanguentou-se. Houve prisioneiros. Ele, porém, continuou a ser, contra todo o seu passado, contra toda a sua gloriosa bravura, o incógnito...

Em certa época, nada impedia que ele aparecesse. Anistiado, poderia enfrentar as turbas, falar às grandes massas. Mas, não apareceu.

Que seria feito desse homem? Seus adeptos não se cansavam de exaltá-lo. Seu nome continuava a ser uma bandeira. Porque não surgia para falar povo?

Seria uma injúria atribuir-lhe qualquer receio indigno. Sua coragem nunca fora desmentida.

Então, ele não era aquele mesmo que, na hora em que periclitava a honra nacional dos revolucionários, sustentou aceso o facho da rebelião, como si a própria dor do Brasil passeasse, processionalmente, pelo mapa da Grande Pátria?

A marcha da Coluna que ele comandara significou, numa hora trágica, a simbólica serpente de fogo, passeando sobre o corpo inanimado de uma Nação, como a despertá-la de um letargo. Simbolizava bem nossa inquietação, nosso desespero, porque não tínhamos, nós, os espíritos inquietos, encontrado o caminho necessário.

Naquela ocasião, lembro-me bem, éramos uma turma de moços, em S. Paulo. Todas as noites nos reuníamos e discutíamos. Nossos corações se torturavam. A geração precedente não sofrera aflições, não se atormentara diante de nenhum problema. A nossa desesperava-se, não apenas diante das questões nacionais mais graves e prementes, mas ainda, em face de terríveis equações que o Século nos propunha.

Era o problema imperativo do “ser” ou “não ser”, das origens e da finalidade, o “alpha” e o “ômega”, que se estampavam como caracteres de fogo no turbilhão do progresso técnico e da multiplicação das metrópoles.

Angustiados, acompanhávamos a marcha da Coluna. Maior do que a de Aníbal. Mais gloriosa, porque mais inquieta. Mais trágica, porque trazia consigo a força de uma fatalidade. Mais misteriosa, porque se integrava na terra misteriosa, no soturno e desolado sertão.

No meio de nossas dúvidas, quando não tínhamos ainda achado o caminho, a Coluna era para nós um consolo, porque se desenvolvia num sentido paralelo às marchas do nosso pensamento. Tudo o que ela demonstrava de fatalidade subconsciente, de indefinição, de inconsciente mesmo, seus ímpetos instintivos, suas intuições estratégicas, seus sacrifícios, seus recuos e avanços, tudo se parecia extremamente com a nossa “coluna” de fogo, que era o nosso Pensamento,

Também íamos e vínhamos. Também contornávamos, também desesperávamos, também nos lançávamos em ímpetos de coragem ou nos erguíamos em atitudes desassombradas.

Nunca mais me esqueci daqueles dias. Daquelas noites, principalmente, em que nos reuníamos e em que ele, o herói, crescia em nossa admiração, porque exprimia qualquer coisa parecida com a tormenta subjetiva de uma juventude, que marcava com seus gestos e suas inquietações o inicio de uma alvorada, a véspera de um grande dia.

Quando ele se transviou, esperei que fosse o meu inimigo na qualidade de chefe. Ele só podia ser um chefe. Jamais um rótulo. Jamais um taumaturgo milagreiro.

Com que mágoa eu o vi transformado em “messias” de todos os insensatos, de todos os desorientados, de todos os oportunistas, de todos os que pretendiam vender nossa Pátria ao Soviete! Com que desaponto vi criar-se uma lenda medieval, em pleno século XX!

Nós estamos numa Idade Nova, das máquinas e da técnica, das realizações positivas, da ciência experimental e da racionalização das eficiências econômicas. Período em que um senso realista agudo marca o desenvolvimento de uma nova época, ao mesmo tempo intuitiva e cientifica.

Esta fase de civilização humana já não comporta ídolos, profetas políticos, taumaturgos, monges misteriosos, místicos exaltados.

Vivemos um tempo de novo misticismo, equilibrado, com um profundo senso de realidades espirituais e materiais. Renascemos num espiritualismo puro, elevado, de uma nobreza de atitudes e uma clara compreensão dos problemas originários e finais. Estes tempos não comportam mais os “tabus” humanos. Queremos “estadistas”.

Ora, em circunstâncias destas, o herói da coluna passa a ser explorado como uma “Jeanne D'Arc”, como um D. Sebastião.

E ele se presta a agravar uma enfermidade nacional. A velha enfermidade denunciada por Euclydes da Cunha: o messianismo brasileiro. Doença de povos bárbaros, incapazes, talhados para o domínio estrangeiro.

Quando o império colonial das grandes potências militares se exerce sobre os povos contemplativos, ele, portador de uma doutrina política baseada no mais grosseiro materialismo e na técnica de Sorel, prestou-se a figurar como bandeira de um misticismo mórbido, de uma paranoia generalizada e corrosiva das energias vitais da Nação.

Eu acreditei que esse homem reagiria, afinal, algum dia. Mas o drama do herói era muito mais doloroso, muito mais chocante para aqueles que o estimaram outrora e preferiram tê-lo como um inimigo audacioso.

Esta fotografia revela tudo. O fácies fisionômico ressalta a evolução deprimente de uma enfermidade psíquica fatal. Tomaram sua antiga e luminosa glória. Absorveram-no com ela. Criaram-lhe uma atmosfera doentia, em que ele respirou ao desamparo de todo o bom senso, de todo o sentido de equilíbrio. Empestaram de superstições o seu ambiente. Imprimiram-lhe uma máscara de ídolo. Ele não reagiu. Deformaram-no. A enfermidade evoluiu. Estampou-se, finalmente, na efígie dolorosa, marcada de atitudes desoladoras.

Quando o fizeram assim, encarceraram-no.

Seus carcereiros eram todos estrangeiros e judeus. Implacáveis. Cruéis. Mantiveram-no na sombra. Jogaram com seu nome. Exploraram-no miseravelmente. Fizeram de seus antigos retratos de barba negra, o lenço da Veronica para a adoração das massas analfabetas e inconscientes, sofredoras também, sequiosas por alguma coisa melhor do que isto que anda por aí.

Encarcerado, humilhado por uma vigilância de estrangeiros, admoestado por autoridades estrangeiras, manobrado por técnicos estrangeiros, não era mais o Chefe, mas um agente, numerado.

Essa fotografia que os jornais estamparam revolta. Eis o que fizeram do nosso herói, daquele que um dia nós estimámos, admiramos profundamente. Os lábios semiabertos, o olhar amortecido, as faces cavadas, a cabeça pendida para o lado, exprimindo uma atitude de enfermo, uma tristeza dolorosa na sua máscara, - ecce homo!

Oh! Até quando, brasileiros, toleraremos que miseráveis estrangeiros, dentro da nossa Pátria, façam o que fizeram a esse herói nacional? Até quando suportaremos esta dor? Pois este não era o que todos aplaudiram?

Nos dias desta semana última, o drama deste herói destruído encheu a sensibilidade de todos os emotivos Um sentimento de revolta se levanta contra o Soviete, contra a III Internacional, contra as forças ocultas organizadas no sentido de destruir personalidades humanas.

Nada mais triste, nada mais acabrunhante do que esta fotografia. Que ninguém se alegre desta prisão. Estamos diante de um crime, de um atentado contra uma personalidade. Os autores desse crime devem merecer todo o ódio dos brasileiros. A maior parte deles se encontra em liberdade, protegida pela sua hipocrisia e continuando a obra nefasta e destruidora.

Vede, brasileiros. E meditai. E levantai-vos unidos num só bloco, numa só força nacional, para que nunca mais vejamos um crime destes: a destruição de um brasileiro executada por mãos celeradas de estrangeiros, de internacionais sanguinários, aviltadores, sem nenhum respeito pelos nossos patrícios que têm a desgraça de se tornarem seus subordinados.

Publicado originalmente no A OFFENSIVA, em 10 de Março de 1936.

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