Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível
graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder
Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior
Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente,
é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho
do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/
TESEU (18/02/1937)
Plínio Salgado
De quatro em
quatro anos, pagando o duro tributo imposto por Minos, após a derrota com que o
rei de Creta castigou os assassinos de Androgeu e dos Palantidas, o povo de
Megara e de Atenas enviava os rapazes e as raparigas mais belos para servirem
de pasto ao Minotauro, escondido no fundo do labirinto de Dédalo.
Mal se
abafavam os últimos soluços e se enxugavam as derradeiras lágrimas das mães
desesperadas, e quando a tranquilidade, parecia voltar aos lares atenienses, e
uma esperança de salvação embalava as almas, eis que o quatriênio de tréguas se
extinguia e as aflições volviam, por entre duvidas cruéis e angústias
torturantes.
Quais os que
deveriam ser escolhidos para morrer? Esses corpos de plástica harmoniosa, esses
olhares límpidos e iluminados pela doce alegria da juventude, essas silhuetas
graciosas que as danças ao som da Avena transfiguravam no esplendor dos ritmos
sagrados, já não eram razões de orgulho e de alegria, senão motivos de apreensões
e de terrores.
Junto aos berços
em que sorriam as gerações, como renovadas primaveras, a infinita melancolia
materna apertava as gargantas, cortando de soluços as canções de embalar. Que
destino teria a criança adormecida? Quando atingisse a idade da força, do amor,
da luta, da beleza, talvez que o sufrágio das turbas, no trágico concurso, a
indicasse à morte inglória nos dentes ensanguentados do monstro gerado pelo
Touro de Netuno, no seio da louca Parsifaé.
E quando
raiava a manhã sobre as cristas do Parnaso e do Olimpo, o altar de Apolo se
cobria de oferendas que imploravam a salvação para os povos de Atenas e Megara,
a salvação da mocidade sacrificada, de quatro em quatro annos, no insaciavel
devorador de carne humana.
*
* *
O Minotauro
morava no recesso do labirinto que Dédalo construíra em Creta. Filho da ligação
bestial da filha de Minos e do Touro branco de Posseidon, tinha a brutalidade
paterna e a lascívia materna; era perverso e implacável, sombrio, truculento e
voluptuoso.
Traidor como
um tigre, ardiloso como um aracnídeo, não se expunha à luta em campo aberto,
para dar caça às vítimas; escondia-se, porém, pacientemente, dissimuladamente,
para dar o bote certeiro, sem risco de perigos.
Para monstro
tão cruel, era preciso inventar um cárcere, de acordo com seus instintos perversos
e covardes. E foi Dédalo o gênio da confusão, o desorientador dos homens, o
fabricante de intrigas, o forjador de discórdias, o arquiteto das traições,
quem construiu para o Minotauro o famoso labirinto.
Ali, o monstro
se alimentava de carne humana. Aqueles que, pretendendo decifrar o enigma, se
aventuravam a dar os primeiros passos pelas avenidas, ruas, vielas, corredores,
galerias, que constituíam o misterioso conjunto da Cidade da Confusão, jamais
conseguiam encontrar a saída. Exaustos de fadiga, desesperados diante de milhares
de caminhos que se abriam como traições, por todos os lados, os aventurosos heróis
sentiam os primeiros sinais da alucinação. Então, punham-se a correr, de um
lado para outro, cada vez mais perdidos, cada vez compreendendo menos, porque a
arte de Dédalo consistia exatamente em enlouquecer os incautos que pretendessem
descobrir alguma lógica na disposição de sua torturante geometria...
A fisionomia
transtornada, os olhos esbugalhados, os cabelos revoltos, as pernas
claudicantes, o peito a arfar, o audacioso aventureiro desembocava, por fim,
num pátio onde o recebia uma gargalhada sinistra. Era o Minotauro, bebedor de
sangue, ruminante a ruminar funebremente tíbias e fêmures.
A salvação da
mocidade de Athenas do hediondo sacrifício a que era votada, de quatro em
quatro anos, só se poderia dar pela morte do monstro. Como, porém, superar as dificuldades
criadas por Dédalo, o despistador? Penetrar no labirinto seria não mais voltar,
porque o próprio chão era de tal modo batido e áspero que sobre ele não ficavam
pegadas capazes de facilitar o regresso. Nenhuma possibilidade de rastrear de
retorno, porque o despistamento era completo.
*
* *
Quando se
sentiu moço e forte, Teseu levantou nos pulsos o rochedo sob o qual Egeu guardara
a espada para a maioridade do Filho, calçou os sapatos trezeniannos, beijou a
fronte de Ectra, sua mãe, e, após ouvir os últimos conselhos do discreto Piteu,
partiu para Atenas.
Estava
disposto a salvar o Povo do vergonhoso tributo de sangue que ele pagava de
quatro em quatro anos, na Cidade da Confusão que Dédalo, o ardiloso, construíra,
e onde Minotauro, o cruel, habitava.
Começou suas
aventuras, dando combate a todos os bandidos que infestavam a Ática. Eram bandidos
terríveis, que negavam os deuses, que saqueavam os viandantes, que violavam
mulheres, que assassinavam criaturas adormecidas. Sua luta foi crua e exaustiva,
mas sua Pátria ficou livre de todos os terrores semeados pelos bandoleiros das montanhas.
Lavou as mãos
tintas do sangue impuro nas águas do Cefiso, purificou-se no altar de Júpiter e
entrou em Atenas, incógnito, obscuro, desconhecido de todos.
Governava seu
pai, Egeu. Na realidade, porém, não era Egeu quem governava, e sim Medéa, a
falsa, a hipócrita, que conspirava secretamente contra o rei, acusando de
conspiradores todos os que pretendiam defender o Soberano e desmascarar os planos
sinistros da pérfida feiticeira.
Ninguém
percebeu a força, a clarividência, a predestinação de Teseu. Ninguém sabia que ele
era o sucessor natural de Egeu. Muitos desdenharam dele. Mas a sutil Medéa tudo
compreendia e tudo sabia
A conspiração
de Medéa contra o rei de Athenas estava preparada. O golpe seria infalível. Só
havia um perigo: Teseu. Era preciso, pois, armar uma cilada ao inimigo, ao
homem capaz de fazer fracassar a rebelião contra o Soberano.
Teseu foi acusado
de conspirar contra o rei Egeu. A sua morte foi combinada. No momento, porém,
em que o herói ia sorver a taça de veneno, o rei fita a sua espada e
reconhece-a. Era aquela que há vinte anos, tinha ficado debaixo do rochedo com
a recomendação ao prudente Piteu: "Quando ele tiver força para levantar o
rochedo e tirar a espada, manda-mo a Atenas",
- Identificado,
Teseu desmascara os verdadeiros conspiradores e extermina-os. Os juízes se reúnem
no templo da Apolo Delfiano e absolvem-no.
Livre a Pátria
dos perigos imediatos, Teseu tão está tranquilo. É uma vergonha para Atenas o
sacrifício de sua mocidade, de quatro em quatro anos, na Cidade da Confusão e
do Despistamento, ao horripilante Minotaure de Creta.
Corre ao oráculo
de Delfos. A voz augural lhe anuncia que só conseguirá vencer o Minotauro se
Eros lhe servir de guia. Eros é o símbolo das compreensões profundas. É a
intuição que só se origina dos sentimentos vividos, das dores coletivas interpretadas.
É o poder divinatório dos grandes médiuns das angústias de um Povo.
Teseu
atravessa o mar.
*
**
Quando reinar
a escuridão, conduz teu Pensamento! Quando as trevas descerem, acende o facho
da tua Ideia! Quando estiveres perdido, procura o caminho, não fora de ti, mas
no fundo de ti mesmo!
Sentido
profundo da aventura de Teseu... Sentido dos rumos, sentido dos roteiros
perfeitos.
Quando
ouvires mil vózes, escuta a tua voz. Tua voz tem um poder maior, quando se
volta sobre si mesma. Quando fores solicitado, de todos os lados, pergunta a ti
mesmo que queres de ti.
Sentido do heroísmo
de Teseu... Sentido das vontades invioláveis, sentido das decisões inflexíveis.
Quando se multiplicarem
os caminhos e as encruzilhadas, põe na mão do teu Espírito o leme do teu instinto.
Quando a Dúvida te surpreender, como um salteador, desenterra as raízes da tua
tumultuosa aflição e encontrarás no fundo delas a essência da Certeza, que
deverás beber para te recompores.
Sentido das vitórias
de Teseu!
Quem lhe
ensinou esses segredos?
Ariana, filha
de Minos, princesa de Creta: Ariana, intuição feita mulher; Ariana, decifradora
de enigmas, inspiradora de verdades, intérprete de ciências ignoradas.
Ariana toma
nas mãos a ponta de linha cujo novelo Teseu vai desenrolando pelo labirinto de Dédalo.
Dédalo é a traição
dos factos imediatos, dos interesses oportunistas, das promessas dos homens;
mas Ariana é a aspiração volvida para os fatos futuros, para os interesses do
Amanhã e para as promessas dos deuses.
O espírito arquitetônico
de Dédalo é o espírito das dissimulações, das aparências, dos subterfúgios, das
protelações, das sinuosidades, das insinuações, das intrigas, das confabulações,
dos conchavos, do mínimo esforço, da comodidade, da perfídia, da felonia e do perjúrio.
Mas o milagre do fio de Ariana é feito de claridade da consciência, de
realidades, de responsabilidade, de retidões, de franqueza, de esforço, de sacrifício,
de lealdade e de fidelidade...
A Cidade da
Confusão só confunde os que acreditam nela. Os que acreditam na possibilidade
de rumos certos, onde a regra é o incerto. Só se perdem no labirinto de Dédalo
os que pretendem confiar em Dédalo. Só morrem os que procuram a vida na casa da
morte.
Que nenhuma vítima
se queixe. Justo é o castigo de quem confiou no inconfiável, de quem levou a
confiança à casa da desconfiança Os que procuraram a Justiça na metrópole da
Injustiça, os que clamaram pela Verdade, onde só responde a Mentira, esses não
têm de que se queixar.
É preciso
tomar o fio de Ariana. Fechar os olhos, tapar os ouvidos e caminhar
desenrolando novelo.
Será assim em
todas as épocas e em todas as circunstancias. No meio dos alucinados, dos
possessos, dos loucos, só a fidelidade a um Pensamento e a um Sentimento, vence
todos os labirintos e todas as traições. Vence no verdadeiro sentido: o sentido
da intangibilidade da honra e do brio do herói.
Foi assim que
Teseu penetrou a Cidade da Confusão e matou o Minotauro de Creta, livrando a mocidade
de sua Pátria do sacrifício de sangue de quatro em quatro anos.
*
* *
Regressando a
Atenas, Teseu soube da morte do rei Egeu, seu pai. O povo aclamava o herói
entregando-lhe o trono.
Mas Teseu não
salvou sua Pátria em troca de um trono. Os tronos são muito pequenos e muito
humanos para os que pensam, sonham e agem como Teseu. O povo, que o ama, não compreende
que oferece ao libertador aquilo que ele menos deseja, exatamente porque todos
desejam. As dádivas, os prêmios, os bens, o poder, a glória, sendo objetivos só
podem ser concebidos como etapas últimas, E os espíritos que ardem na perpétua luta,
que se incendeiam nas permanentes aventuras, que se votam à perene mobilidade,
a ação continua, repelem todas as hipóteses do encerramento dos ciclos da sua
tormentosa atividade.
Qualquer ateniense
pode ser rei, mas nenhum ateniense pode ser Teseu. Pois Teseu é a inquietação
que se renova, é a sucessão dos sonhos, é a magia das Primaveras repetidas, é o
sensacionalismo do Bem e a intuição da Beleza nas transformações maravilhosas
dos episódios.
Teseu ama o
seu povo e quer faze-lo feliz. Institui um governo, promulga leis, deixa o povo
a governar-se pela nova legislação e retoma o curso das suas aventuras.
Luta na
guerra contra os Centauros, empreende a conquista ao Tosão de Ouro, vai à Trácia,
combate e vence as Amazonas, caça Caldo, empenha-se nas guerras de Tebas e
intenta uma façanha suprema: a libertação de Proserpina do Inferno...
Teseu é o
sentido da Vida Heroica. É o idealismo superior. É a predestinação dos lutadores.
É o ímpeto do movimento. É a dignificação da transitoriedade humana.
Teseu é, também,
o espírito das Nacionalidades vivas e ativas. As gerações que se sucedem,
renovando a grandeza de um Povo na História, trazem consigo a chama que ardeu
no sangue do herói de Atenas.
E quando as
Nações se submeteram definitivamente ao vexame do Minotauro, à política traidora
de Medéa e ao confusionismo, ao despistamento de Dédalo, é preciso que se
remova o rochedo da Prudência, para desenterrar a espada da Audácia e entregá-la
aos pulsos da Mocidade, para que ela se livre, por suas próprias mãos, do
vergonhoso sacrifício periódico, inaugurando um sentido novo de vida, de ação,
de beleza moral, de aspiração para o alto...
É preciso acordar
na Juventude o espírito de Teseu para que ela penetre na Cidade da Confusão com
o fio de Ariana e corte a cabeça do Minotauro.
Publicado
originalmente n’A OFFENSIVA, em 18
de Fevereiro de 1937.
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