O verdadeiro nacionalismo (1954)
Plínio Salgado
Entre tantas outras palavras cujo sentido foi
inteiramente deturpado, em nosso tempo, essa palavra “nacionalismo” é certamente
a que sofreu a maior deturpação. Os intérpretes do nacionalismo fizeram dele um
espelho de suas próprias paixões, de seus exageros e de suas insuficiências.
Não o tomaram na sua realidade humana, como expressão de um culto pelo grupo
natural constituído por frações da humanidade tipicamente diferenciadas. Uns o
exaltaram a tal ponto que o tornaram um instrumento de opressão interna e de
ameaça externa. Confundindo a Nação com o Estado, os teoristas alemães, a
partir de Bluntschli, fizeram do nacionalismo um instrumento de absorção das
pessoas humanas e dos outros grupos naturais em que as pessoas se agregam com o
objetivo da defesa de seus direitos fundamentais; e confundindo a Nação e o
Estado com a Raça, ou com uma ideologia de tendência imperialista, muitos
pensadores, filósofos, juristas e homens públicos do nosso tempo transformaram
o nacionalismo em constante ameaça contra os povos.
Considerando o nacionalismo sob esses
aspectos, surgiram as reações dos que amam a liberdade do Homem e a paz alicerçada
em bases jurídicas; mas esses incorreram no erro oposto, o que nos faz lembrar
os primeiros tempos do Cristianismo, quando o combate a uma heresia se tornava,
no curso polêmico da controvérsia, outra heresia e, às vezes, maior do que a da
doutrina adversária.
O erro dos que combatem o nacionalismo
exagerado, ou transvertido nas formas destruidoras do verdadeiro nacionalismo,
consiste em condenar essa palavra, in
limine, sem estabelecer distinções. E, assim procedendo, esses inimigos do
nacionalismo desarmam os povos constituídos em grupos humanos nacionais,
tirando-lhes a única arma com que se podem defender das agressões e da dominação
do nacionalismo deturpado. Fazem, dessa maneira, o jogo do próprio adversário.
Existe ainda outro erro — e esse é o das
mentalidades ignaras ou medíocres — que está em tomar o nacionalismo como
sinônimo de xenofobia, de jacobinismo, de atitude de repulsa às nações
estrangeiras. Esquecem-se de que o grupo natural que chamamos Nação constitui
um meio pelo qual estabelecemos as relações comerciais, culturais, jurídicas e
morais com os outros grupos nacionais em que se acha diferenciada a unidade
humana. Esquecem-se de que, se a colaboração entre as Nações já se apresentava
como uma realidade entrevista nos séculos XVI e XVII, por Francisco Vitória e
por Grotius, muito mais hoje se impõe, primeiro pela internacionalização do
comércio, que principiou a desenvolver-se de maneira acelerada, desde os
albores do século XIX; depois pelo instrumental técnico do século XX, que liga
os povos pelo avião, pelo rádio, pela televisão, finalmente pelo
interconhecimento das condições econômicas, sociais e psicológicas, as quais,
denunciando a identidade das aspirações, insinua a adoção de fórmulas
solucionadoras de problemas comuns.
De tantos erros concluímos que a palavra
nacionalismo precisa ser recolocada na sua verdadeira posição e na sua verdadeira
significação.
* * *
Devemos ser nacionalistas? Sim; é a única
resposta que cabe a um cristão, uma vez que sustenta o princípio da intangibilidade
da pessoa humana e dos grupos naturais de que se servem as mesmas pessoas para
defender seus direitos e cumprir seus deveres tendentes a um fim determinado
por Deus. A Nação é um grupo natural, uma realidade histórica e social; nela se
conjugam e se exprimem os outros grupos naturais. Acima dela, só a realidade —
maior do que todas as outras — que é a Religião. Mas se nesta encontramos os
princípios fundamentais da liberdade e da responsabilidade do Homem e a
sustentação doutrinária da autonomia dos grupos naturais, a começar pela
Família, que é o mais importante, então temos de aceitar a Nação e o
nacionalismo, como um meio de defesa e garantia de sobrevivência dos direitos
individuais e grupais. Combater o nacionalismo é desarmar os grupos naturais e
o próprio Homem dos meios materiais, jurídicos e internacionais de sua permanência
e intangibilidade. É, ao mesmo tempo, insurgir-se contra a lei de Deus, que
diferenciou a unidade humana em expressões particulares, segundo condições
geográficas, climáticas, econômicas, culturais, idiomáticas, históricas e
temperamentais, o que fez evidentemente para algum fim, o qual não pode ser
outro senão a própria defesa do Homem e dos Grupos Naturais, em consequência do
equilíbrio de forças pela qual se impede a escravização universal dos seres humanos
a uma só potência, que poderá ser inimiga de Deus.
Esse nacionalismo cristão deve ser cultuado.
Sem ele não nos defenderemos do cruel materialismo que ameaça o mundo. Esse
nacionalismo não deve ser nem exagerado nem superficial. Equilibrado e
profundo, justo e lúcido, ele refletirá a personalidade de uma Pátria,
constituída pelo conjunto das personalidades congregadas no grupo nacional.
SALGADO, Plínio. Mensagem às
pedras do deserto. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, [1954];
transcrito integralmente das páginas 102, 103 e 104.
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