Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível
graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder
Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior
Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente,
é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o
trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/
A lição eterna (24/10/1936)
Plínio Salgado
O drama do
Calvário não exprime apenas o milagre augusto da revelação de Deus. Ele servirá,
para sempre, por todos os séculos, para a compreensão dos fenômenos sociais e
dos episódios humanos.
Há, no fundo
da tragédia do Gólgota e da epopeia luminosa da montanha ascensional, o profundo,
imponderável, incompreensível mistério da Divindade, mas há, também, o segredo
sutil da essência humana.
Em todas as
épocas da História, sempre que a Verdade Simples se apresentar diante das
complicadas realidades das Ilusões e das Mentiras, os fatos transcorrerão da
mesma maneira, sem diferença de uma linha.
Somos homens
e pequeninos, porém a Verdade é super-humana e grandiosa: somos humanos e fracos,
porém o Pensamento que exprime o que temos de espiritual transcende à
fatalidade da nossa tibieza, e provoca idênticas reações e invariáveis fenômenos
no meio social em que nós efêmeros e transitórios agimos, animados pelo Verbo
majestático e eterno.
É condição
humana não entender a Verdade. Exatamente por ser ela muito simples, muito
clara, muito pura e os homens gostarem de coisas muito complicadas, muito
obscuras e muito confusas.
As ideias são
sempre tomadas segundo uma tradução grosseira, imediata, pesada, demasiadamente
tangível. Daí o drama de todos os que, em dado momento histórico, são
portadores de um Pensamento.
As almas
simples o apreendem, de um modo instantâneo. Os outros não conseguem penetrar o
sentido desse Pensamento.
O drama do
Calvário é, pois, um esquema para todas as épocas da Historia, para todas as
sociedades, para todos os países, para todos os episódios em que uma Palavra
Nova provoca a perturbação dos maus, dos empedernidos, dos superficiais, dos
ortodoxos, dos sábios, dos vaidosos, dos interesseiros.
*
* *
Para se entender
certas situações históricas num país, num momento considerado, é preciso termos
em vista as personagens do Evangelho.
Em todos os
tempos existirá uma corrente chamada dos "Fariseus" e outra corrente
chamada dos "Saduceus".
Os "Fariseus"
são os ortodoxos da Lei. São os mais realistas do que o rei. São os hermeneutas
dos textos legais. São os homens da situação governamental, os que estão de
cima, os que interpretam os códigos, os que acusam, os que perseguem, os que oprimem.
Os "Saduceus"
são os dissidentes dos "Fariseus". Como os seus adversários, são hipócritas;
como eles, são perversos, como eles ciosos dos artigos e parágrafos. Inimigos
entre si, uns e outros estão de acordo na condenação de tudo o que for novo,
claro, luminoso, denunciador de suas falsidades e evidenciador de suas perfídias
e torpezas.
Existirá sempre,
em todos os tempos, o interesse em cortejar a populaça e o interesse em servir à
política de Cézar.
Existirá, em
todas as ocasiões em que a Verdade erigir a cabeça, os tímidos que se sentem
fascinados por ela, porém, que temem os "Fariseus" e os
"Saduceus". Esses, chamar-se-ão José de Arimatéia e Nicodemos.
Confabularão, alta noite, com- os portadores da Palavra Nova; defendê-los-ão
nas reuniões dos doutores da Lei e dos pontífices tradicionais; porém jamais
terão a coragem de se confessarem francamente adeptos dos homens novos, seus
companheiros e seus irmãos. Se algum destes for ferido, Nicodemos e José de
Arimatéia pensarão secretamente suas feridas; se algum deles for preso, eles o
irão visitar; se for morto, dar-lhe-ão um túmulo e pedirão licença à autoridade
para untar-lhes os cadáveres com unguento. Com isso, não se prejudicarão,
porque não o fizeram senão por espírito de caridade...
*
* *
Haverá sempre
os doutores da lei. Eles discutirão a Ideia Nova, segundo as regras da
interpretação usual. Eles medirão as Coisas Infinitas com um côvado de cedro.
Eles discutirão os profetas e as tábuas de Moisés. Eles dirão sempre que os
portadores da Nova Ideia são ignorantes, charlatães, agitadores e forjadores de
motins.
Existirão
sempre, por todo o sempre, enquanto os homens sofrerem o terror das Ideias
Imantadas por esse mistério sutil que desce do sol da Verdade para as trevas
das consciências, as eternas questões das competências de autoridade. Os conflitos
de jurisdição constituem uma fatalidade em todos os instantes da História em
que ninguém quer assumir a responsabilidade do julgamento. Por isso, existirá
um Herodes, tetrarca da Judeia, com poderes administrativos; um Caifás,
autoridade religiosa, cujo mandato se discute com Anás; e um Pilatos, procurador
judiciário. O poder federal, isto é, o Poder de Roma, subdividido entre Herodes
e Pontius Pilatos; o poder regional, disputado entre Anás e Caifás. Em redor
dessas autoridades, todas competentes e incompetentes a um tempo, a opinião dos
partidos, os "saduceus" e os "fariseus".
*
* *
Haverá, por
todo o sempre, a pergunta pérfida sobre a moeda de Cézar, para levar a Ideia
Nova a cair em contradição. Haverá, em todos os tempos, os acusadores da mulher
desgraçada, contra quem nenhum se sente com ânimo de atirar a primeira pedra.
Haverá, em todas as eras, o publicano, pobre funcionário federal, armado de
coragem para confessar a sua fé, como haverá, invariavelmente, o moço rico, tímido,
incapaz de sacrifício. Haverá o fraco e bom Pedro, o Iscariotes vil, o Cireneu
voluntário e magnânimo. Tudo isso existirá em todos os dramas humanos, porque o
Cristo quis experimentar todas as misérias da terra e sofrer todo o martírio da
incompreensão e da covardia dos homens, para que sempre o tivéssemos como
exemplo, nas horas em que devemos imitá-lo.
*
* *
A quem compete
a perseguição dos primeiros cristãos? A Caifás? Mas Caifás teme Pilatos, que
pode mais do que ele. Então toca a Anás? Mas este diz não poder tomar
conhecimento do processo, por que não está em exercício esse ano. Então cabe a
Herodes. E Caifás manda os autos ao tetrarca. Mas Herodes representa Roma, para
a justiça comum, não para casos políticos. Não pode tomar conhecimento. O
processo vai para Pilatos. Mas Pilatos também não quer conhecer do mérito da
questão. Ele tem diante de si a Verdade. Que é a Verdade?
Pilatos não
sabe o que é a verdade. Pergunta a Cristo, que emudece. Sim; a verdade é a
verdade por si mesma. Quem pergunta o que é a verdade, já sabe o que é a
verdade; e a sua pergunta é apenas ama atitude de covardia mascarando uma
indefinição.
Os partidos
clamam: "Não és amigo de Cézar, porque Cristo se diz rei". Todos eles,
os partidos, sabem que o reino de que fala Cristo não é deste mundo. Todos o
ouviram. Sim; todos estão fartos de saber. Mas, no fundo, o homem tem medo do
próprio crime. Precisa iludir-se a si próprio. Precisa fazer-se acreditar a si
mesmo que não entendeu ou que não sabe, para poder ter o direito de ser perverso.
Pilatos treme.
Vê, mentalmente, o Cézar todo poderoso, em Capri, rodeado de uma corte fulgurante.
Entra, então, no mérito do pleito, para se declarar também incompetente. E lava
as mãos.
Existirá
sempre, em todas as épocas da História, uma reunião de doutores. Nessa reunião
de doutores se resolve a perseguição. Ninguém é diretamente responsável. O
crime se consuma. E ele é tão horroroso que ninguém quer assumir a
responsabilidade.
O drama do
Calvário é um esquema eterno para todas as épocas da História do Mundo e das
Sociedades.
É o sofisma. É
a mentira. É a crueldade. É a covardia. É a calunia É a injúria. E, sobre tudo,
a confusão e a treva nos espíritos.
Resta um
consolo para os homens.
Cristo, ao
terceiro dia, ressurgiu triunfante. Para ensinar à nossa humanidade fraca, à
nossa humanidade indigna d'Ele, que a Verdade sempre triunfa sobre a Mentira,
para glória das Nações e consolo do gênero humano.
Integralistas:
Estão estudando a vossa perseguição? Não importa: Lede o Evangelho. Acreditai
na vossa doutrina. Pensai no Brasil. Trabalhai serenamente. E a luz que vem de
Cristo não vos falte um instante nesta hora em que o Espírito das Trevas
pretende confundir-vos. Com essa luz vencereis, e fareis do Brasil uma Grande
Nação.
Publicado
originalmente n’A OFFENSIVA, em 24
de Outubro de 1936.
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