terça-feira, 7 de maio de 2024

A lição eterna (24/10/1936)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

A lição eterna (24/10/1936)

Plínio Salgado

O drama do Calvário não exprime apenas o milagre augusto da revelação de Deus. Ele servirá, para sempre, por todos os séculos, para a compreensão dos fenômenos sociais e dos episódios humanos.

Há, no fundo da tragédia do Gólgota e da epopeia luminosa da montanha ascensional, o profundo, imponderável, incompreensível mistério da Divindade, mas há, também, o segredo sutil da essência humana.

Em todas as épocas da História, sempre que a Verdade Simples se apresentar diante das complicadas realidades das Ilusões e das Mentiras, os fatos transcorrerão da mesma maneira, sem diferença de uma linha.

Somos homens e pequeninos, porém a Verdade é super-humana e grandiosa: somos humanos e fracos, porém o Pensamento que exprime o que temos de espiritual transcende à fatalidade da nossa tibieza, e provoca idênticas reações e invariáveis fenômenos no meio social em que nós efêmeros e transitórios agimos, animados pelo Verbo majestático e eterno.

É condição humana não entender a Verdade. Exatamente por ser ela muito simples, muito clara, muito pura e os homens gostarem de coisas muito complicadas, muito obscuras e muito confusas.

As ideias são sempre tomadas segundo uma tradução grosseira, imediata, pesada, demasiadamente tangível. Daí o drama de todos os que, em dado momento histórico, são portadores de um Pensamento.

As almas simples o apreendem, de um modo instantâneo. Os outros não conseguem penetrar o sentido desse Pensamento.

O drama do Calvário é, pois, um esquema para todas as épocas da Historia, para todas as sociedades, para todos os países, para todos os episódios em que uma Palavra Nova provoca a perturbação dos maus, dos empedernidos, dos superficiais, dos ortodoxos, dos sábios, dos vaidosos, dos interesseiros.

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Para se entender certas situações históricas num país, num momento considerado, é preciso termos em vista as personagens do Evangelho.

Em todos os tempos existirá uma corrente chamada dos "Fariseus" e outra corrente chamada dos "Saduceus".

Os "Fariseus" são os ortodoxos da Lei. São os mais realistas do que o rei. São os hermeneutas dos textos legais. São os homens da situação governamental, os que estão de cima, os que interpretam os códigos, os que acusam, os que perseguem, os que oprimem.

Os "Saduceus" são os dissidentes dos "Fariseus". Como os seus adversários, são hipócritas; como eles, são perversos, como eles ciosos dos artigos e parágrafos. Inimigos entre si, uns e outros estão de acordo na condenação de tudo o que for novo, claro, luminoso, denunciador de suas falsidades e evidenciador de suas perfídias e torpezas.

Existirá sempre, em todos os tempos, o interesse em cortejar a populaça e o interesse em servir à política de Cézar.

Existirá, em todas as ocasiões em que a Verdade erigir a cabeça, os tímidos que se sentem fascinados por ela, porém, que temem os "Fariseus" e os "Saduceus". Esses, chamar-se-ão José de Arimatéia e Nicodemos. Confabularão, alta noite, com- os portadores da Palavra Nova; defendê-los-ão nas reuniões dos doutores da Lei e dos pontífices tradicionais; porém jamais terão a coragem de se confessarem francamente adeptos dos homens novos, seus companheiros e seus irmãos. Se algum destes for ferido, Nicodemos e José de Arimatéia pensarão secretamente suas feridas; se algum deles for preso, eles o irão visitar; se for morto, dar-lhe-ão um túmulo e pedirão licença à autoridade para untar-lhes os cadáveres com unguento. Com isso, não se prejudicarão, porque não o fizeram senão por espírito de caridade...

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Haverá sempre os doutores da lei. Eles discutirão a Ideia Nova, segundo as regras da interpretação usual. Eles medirão as Coisas Infinitas com um côvado de cedro. Eles discutirão os profetas e as tábuas de Moisés. Eles dirão sempre que os portadores da Nova Ideia são ignorantes, charlatães, agitadores e forjadores de motins.

Existirão sempre, por todo o sempre, enquanto os homens sofrerem o terror das Ideias Imantadas por esse mistério sutil que desce do sol da Verdade para as trevas das consciências, as eternas questões das competências de autoridade. Os conflitos de jurisdição constituem uma fatalidade em todos os instantes da História em que ninguém quer assumir a responsabilidade do julgamento. Por isso, existirá um Herodes, tetrarca da Judeia, com poderes administrativos; um Caifás, autoridade religiosa, cujo mandato se discute com Anás; e um Pilatos, procurador judiciário. O poder federal, isto é, o Poder de Roma, subdividido entre Herodes e Pontius Pilatos; o poder regional, disputado entre Anás e Caifás. Em redor dessas autoridades, todas competentes e incompetentes a um tempo, a opinião dos partidos, os "saduceus" e os "fariseus".

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Haverá, por todo o sempre, a pergunta pérfida sobre a moeda de Cézar, para levar a Ideia Nova a cair em contradição. Haverá, em todos os tempos, os acusadores da mulher desgraçada, contra quem nenhum se sente com ânimo de atirar a primeira pedra. Haverá, em todas as eras, o publicano, pobre funcionário federal, armado de coragem para confessar a sua fé, como haverá, invariavelmente, o moço rico, tímido, incapaz de sacrifício. Haverá o fraco e bom Pedro, o Iscariotes vil, o Cireneu voluntário e magnânimo. Tudo isso existirá em todos os dramas humanos, porque o Cristo quis experimentar todas as misérias da terra e sofrer todo o martírio da incompreensão e da covardia dos homens, para que sempre o tivéssemos como exemplo, nas horas em que devemos imitá-lo.

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A quem compete a perseguição dos primeiros cristãos? A Caifás? Mas Caifás teme Pilatos, que pode mais do que ele. Então toca a Anás? Mas este diz não poder tomar conhecimento do processo, por que não está em exercício esse ano. Então cabe a Herodes. E Caifás manda os autos ao tetrarca. Mas Herodes representa Roma, para a justiça comum, não para casos políticos. Não pode tomar conhecimento. O processo vai para Pilatos. Mas Pilatos também não quer conhecer do mérito da questão. Ele tem diante de si a Verdade. Que é a Verdade?

Pilatos não sabe o que é a verdade. Pergunta a Cristo, que emudece. Sim; a verdade é a verdade por si mesma. Quem pergunta o que é a verdade, já sabe o que é a verdade; e a sua pergunta é apenas ama atitude de covardia mascarando uma indefinição.

Os partidos clamam: "Não és amigo de Cézar, porque Cristo se diz rei". Todos eles, os partidos, sabem que o reino de que fala Cristo não é deste mundo. Todos o ouviram. Sim; todos estão fartos de saber. Mas, no fundo, o homem tem medo do próprio crime. Precisa iludir-se a si próprio. Precisa fazer-se acreditar a si mesmo que não entendeu ou que não sabe, para poder ter o direito de ser perverso.

Pilatos treme. Vê, mentalmente, o Cézar todo poderoso, em Capri, rodeado de uma corte fulgurante. Entra, então, no mérito do pleito, para se declarar também incompetente. E lava as mãos.

Existirá sempre, em todas as épocas da História, uma reunião de doutores. Nessa reunião de doutores se resolve a perseguição. Ninguém é diretamente responsável. O crime se consuma. E ele é tão horroroso que ninguém quer assumir a responsabilidade.

O drama do Calvário é um esquema eterno para todas as épocas da História do Mundo e das Sociedades.

É o sofisma. É a mentira. É a crueldade. É a covardia. É a calunia É a injúria. E, sobre tudo, a confusão e a treva nos espíritos.

Resta um consolo para os homens.

Cristo, ao terceiro dia, ressurgiu triunfante. Para ensinar à nossa humanidade fraca, à nossa humanidade indigna d'Ele, que a Verdade sempre triunfa sobre a Mentira, para glória das Nações e consolo do gênero humano.

Integralistas: Estão estudando a vossa perseguição? Não importa: Lede o Evangelho. Acreditai na vossa doutrina. Pensai no Brasil. Trabalhai serenamente. E a luz que vem de Cristo não vos falte um instante nesta hora em que o Espírito das Trevas pretende confundir-vos. Com essa luz vencereis, e fareis do Brasil uma Grande Nação.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 24 de Outubro de 1936.

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