Plínio Salgado
Todos
os sofrimentos do mundo moderno se originam de um só defeito da grande máquina:
a falta de disciplina.
O
conceito da liberdade excessiva, o predomínio do individualismo mais
desenfreado determinou o desequilíbrio social que perturba o ritmo da vida do
nosso século.
Desde
a Revolução Francesa, outro não tem sido o grito da humanidade, senão aquele
que atroou todos os recantos do mundo e do século:
-
Liberdade! Liberdade!
E
foi a liberdade que espalhou pelas nações as doutrinas mais contraditórias, as
afirmativas mais absurdas, os brados mais lancinantes de angústia do pensamento
e do coração.
Σ
Liberdade!
Clamava o homem e, clamando, tratava de conquistar os meios com que pudesse
exercer, com forte base econômica, a faculdade de ser livre.
Foi
assim que se formaram os primeiros capitais da avareza.
Liberdade!
Clamavam os banqueiros, e foi assim clamando que dominaram as Nações,
escravizaram as indústrias e o comércio, humilharam os produtores.
Liberdade!
Clamavam os industriais e comerciantes e, entregues às leis da concorrência,
livraram-se da disciplina do Estado, mas caíram no cativeiro dos agiotas.
Liberdade!
Clamavam os patrões, e, em nome da liberdade de contrato, passaram a explorar
os pobres, e o trabalho humano transformou-se em mercadoria sujeita às leis da
oferta e procura.
Liberdade!
Clamavam, por sua vez os proletários, os quais, assistindo ao espetáculo de
luxo e paganismo de seus chefes, endureceram o coração e lançaram-se nas
tremendas lutas de classe, feitas de ódio e de revolta.
Liberdade!
Clamavam os pais, os esposos, os filhos, e ruiu a estrutura dos velhos lares
felizes e tranquilos.
Liberdade!
Clamava a imprensa, e na livre concorrência comercializou-se ao gosto depravado
das turbas, que precisou agradar, e dos argentários, aos quais precisou
vender-se.
E,
em nome da liberdade, o gênero humano caminha para a ruína total, destruindo o
ritmo de sua existência com a morte da disciplina.
Σ
A
indisciplina destrona a modéstia e erige em ídolo a vaidade e o orgulho;
transforma o amor em puro instinto sexual; reduz a amizade a uma questão de
oportunidade; considera a honra como um ponto de vista; examina os costumes
como relatividade de conveniências; semeia ódio sobre a terra; cria uma
civilização de rebelados.
Já
o homem não sabe defender-se dos vícios. Libertando-se da disciplina do
espírito, cai na escravidão dos instintos.
O
homem, agora, é livre. Livre de todos os preconceitos. Não tem sentimento nem
religioso nem cívico. A Pátria, que é a Pátria, depois que lhe deram a
significação meramente política de “vontade geral”? A Pátria é uma convenção.
Assim
julga a mentalidade capitalista. Assim também a imagina a classe operária.
É
que a Pátria, ela mesma, é uma expressão de disciplina. E, tendo desaparecido a
disciplina, desaparece a Pátria.
Σ
Desta
forma a humanidade marcha até a Grande Guerra. Culmina no seu grande delírio e
desce, agora, a encosta dolorosa da desilusão, da tristeza surda, da
insatisfação.
Essa
insatisfação não se aplacará em qualquer regime, seja ele qual for.
O
próprio comunismo é uma ilusão. Pois devendo impor uma atroz disciplina, virá
contrariar o individualismo, que atualmente busca nele o derivativo máximo.
Liberdade!
Liberdade! Nunca o gênero humano foi mais infeliz! Nunca foi tão prisioneiro...
Nem
mais escravo.
Σ
E
a Liberdade é o supremo dom do homem. É a dignidade da nossa Espécie. É a
alegria dos nossos movimentos. É nossa honra e nossa glória, nossa aspiração
superior.
Quem
a degradou assim? Quem a tornou uma enfermidade e um opróbrio?
O
Liberalismo.
Como
salvaremos a Liberdade?
Pela
disciplina.
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SALGADO, Plínio. O Soffrimento Universal. 3ª ed. Rio de
Janeiro: José Olympio, 1936. Transcrito das páginas 185 até 190.
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