sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Mussolini e o Brasil Novo (1930), de Plínio Salgado

 

Esclarecimento: Graças ao percuciente trabalho de pesquisa do Prof. Jhonata Auriberto, que nos deu acesso a sua impressionante hemeroteca está sendo possível a publicação do Artigo abaixo. O Companheiro Prof. Auriberto é um estudioso incansável da Doutrina e História do Integralismo, razão pela qual foi nomeado Secretário Provincial de Doutrina e Estudos da FIB-CE.

Originalmente a reportagem foi publicada em O Paiz. Rio de Janeiro, 27 de Julho de 1930. Págs, 1 e 5.

MUSSOLINI E O BRASIL NOVO (1930)

Plínio Salgado

ROMA, 20 de Junho – Naquela tarde de 14 de Junho, um recado do Ministério do Exterior chamava-me à presença do on. Lando Ferretti, “Capo del’Ufficio Stampa Del Capo Del Governo”. Achei-me, no palácio Chigi, diante da figura extremamente simpática do curiosos escritor, e para minha grande alegria, diante de uma surpresa feliz: - Mussolini me receberia, às 18h. A mim e aos meus companheiros de excursão pela Itália.

 

Surpresa, sim. O nosso gentilíssimo embaixador, pagando-nos com as mais cativantes amabilidades e as mais encantadoras cortesias a sua recusa, aliás, justificadíssima, de nos obter uma audiência do chefe do governo, prevenira-nos, por ocasião do almoço com que nos honrou, da extrema dificuldade que se interpõe entre o desejo dos que, atualmente, desejam falar ao Duce, e os múltiplos afazeres do primeiro ministro, neste instante intensamente construtor da Nova Itália.

 

O Sr. barão de Teffé, incansável, não só nos serviços de seu cargo, em prol dos interesses do Brasil, mas ainda no prodigalizar obséquios e criar uma atmosfera carinhosa a todos os brasileiros que se aproximam da sua embaixada, instalada magnificamente no velho palácio Doria, chegou mesmo a referir-nos casos de importantes jornais que, ainda recentemente, não haviam conseguido uma audiência do chefe do fascismo. Os jornalistas, porém, são teimosos. E é exatamente a dificuldade que os seduz. Fomos a Lando Ferretti, chefe da imprensa italiana, e pedimos a sua intervenção. No dia seguinte, o chamado ao Ministério; a grata nova.

 

Tudo ocorreu para nós fácil e tão rápido, que fomos levados a concluir: Mussolini gosta dos intelectuais e gosta do Brasil.

* * *

Instantes de alvoroço. Nós éramos o Brasil-Novo que ia falar à Itália ressuscitada no esplendor de uma juventude de primavera. A doutrina corrente entre os moços da nossa Pátria coincidia, nas suas linhas gerais, com os largos lineamentos da ideia fascista. Nossa febre de amor pelo Brasil, o incêndio de nossos espíritos americanos, nossa paixão pela nossa terra e pela nossa raça, nossa cólera sagrada contra os elementos dissolventes do nosso patrimônio moral, tudo isso se ajustava, harmonizava-se com esse movimento de multidões levantando-se, pondo-se de pé na península mediterrânea, - chama do mesmo fogo, alma da mesma essência, energia da mesma força da humanidade nova, do século novo.

* * *

Eu tinha visto na Itália o riso franco da alegria de um povo que sabe crer; porém, jamais surpreendera aquele sorriso frívolo, de ironia enferma, que marca o ríctus da decadência dos refinados do ocidente. Eu escutara no país, de norte a sul, a música do entusiasmo e a canção terna; porém, não ouvira, um instante sequer, um “couplet” malandro caricaturando um episódio sério da vida nacional. Feriram meus ouvidos frases de fé, entraram, pelos meus olhos, olhares iluminados; no entanto, não escutei uma única frase irreverente, nem esses jogos de palavras com que distrai a sua indigência mental a filosofia de esquina dos países fracos e dos povos incapazes. E como tudo isso reproduzia a alma da nova geração brasileira, o sentido da sua marcha, a fé inabalável da gente moça da minha Pátria!

 

Todo esse espetáculo da Nova Itália era a criação milagrosa de um homem, que eletriza as multidões, porque é portador de uma ideia, que arrasta, atrás de si, o tropel que retumba, de uma nacionalidade que marcha, irrevogavelmente, porque leva nas suas suas mãos o facho aceso da inteligência. Esse homem com quem íamos palestrar.

* * *

Caía o crepúsculo pelos corredores graves do Palácio Venezia. Conduziram-nos a uma sala de veludo mate, com quadros de Maynardi, Faccheris, Salamegia, Van Dyck. E um armário com antiguidades de terr4a cota do século XIII.

 

Um silêncio vasto, pelas salas vastas, quase desertas, com as figuras espúrias dos contínuos agaloadas. Sobem as escadas quatro nipões, conduzindo um pesado volume; e, logo atrás, dois japoneses de fraque e gentilezas, gente amarela do Império do Sol Nascente, que trás uma oferta ao chefe do governo italiano.

 

Mario Graciotti, o mais curioso, vai indagar: são objetos de arte japonesa. E, enquanto o nosso amigo, num inglês correto, discorre, com as personagens orientais sobre assuntos da arte asiática, eu evoco a figura de Mussolini, múltipla e vária, como no-la apresentam os jornalistas de todo o mundo, os seus inimigos, os seus admiradores, os seus fanáticos, os políticos que o viram, os artistas que o interpretaram, os próprios retratos que andam espalhados por todos os países.

 

Evoco a sua voz, que já ouvi, num filme sonoro, no Cine Odeon, de São Paulo; seus gestos de orador enérgico, falando às massas; sua atitude garbosa de cavaleiro, como uma estátua equestre diante da milícia dos camisas pretas. E a sua imagem me aparece confusa, cambiando-se com a fisionomia de cada instante histórico, com o relevo ou a tonalidade de cada hora, que ele encarna, da vida nacional. Através da superposição de todas as chapas fotográficas, dos positivos e dos negativos, das efígies e perfis que sugerem as suas próprias frases, nos artigos luminosos, nos discursos poemáticos, nos reptos e nas apóstrofes, nas objurgatórias e nas exortações, nas expansões líricas e na rude exaltação combativa, - vislumbro, no fundo, como uma síntese do homem, da doutrina e da ação social, uma expressão de violência intempestiva e desabrida. Esse foi, para mim, na antessala do Duce, o homem que eu esperava encontrar, minutos após, com a catadura fechada do ditador. Para ser verdadeiro, devo dizer que eu tinha quase a certeza de que teria, na minha frente, dois braços cruzados, numa estatura de atleta, dois olhos verrumantes e fusilantes, uma desenvoltura impertinente, pouca atenção, e até, na impaciência com que esperaria a minha frase, uma sombra de neurastenia trancando os supercílios...

 

O brasileiro é desconfiado e arisco. Armei o meu espírito para o duro embate. Era a repulsa selvagem que os temperamentos sensíveis experimentam na antecâmara dos poderosos...

 

No meio dessas cogitações, sou despertado pela voz de um secretário. Atravessamos uma sala azul, crepuscular; uma outra, mais escura, com móveis severos. Abre-se uma porta, para um vasto salão de amplas janelas rasgadas por onde entra, de chofre, a última claridade da tarde estival, ao fundo, paletó cinza e calças amarelas, tenho, diante de mim – Mussolini.

* * *

Ao avistar-nos, caminha ao nosso encontro. Nós avançamos para ele, de olhos fixos. E, nesse instante, como a claridade de uma luz, com uma expressão de bondade infinita, acolhedora e carinhosa, ouvimos uma voz límpida, que desarma todas as minhas frases protocolares, que nos põe à vontade, felizes e tranquilos:

 

-Sede bem vindos, amigos brasileiros!

 

Era a voz de Mussolini. Boa e simples. É a figura do Duce, modesta e afetuosa. È o maior vulto da Europa contemporânea, e que forma, com Lenine e Gandhi, o grande tríptico da Humanidade de hoje, é ele que se faz pequeno na intimidade, ou talvez maior, porque toda a grandeza é simples...

 

Esse era o Duce, que não me parecera nas cogitações da antessala. E que irradiação de toda a sua pessoa, que luz no seu olhar, sobretudo, quanta humanidade, quanto sofrimento velho, quanto sonho e ideal, naquele semblante, naquele busto, que sabe arfar emocionado, e sabe vibrar com o mesmo coração que vibra no último homem dessas multidões frenéticas que o ovacionam nas praças públicas em delírio! Esse era o verdadeiro Mussolini, que transitara por todos os caminhos da dor; ferreiro e professor primário, soldado raso na guerra; jornalista e agitador; emigrado, fugitivo que vende o seu último canivete para comer um pedaço de pão; homem de partido e chefe de uma revolução triunfante; homem de Estado, revelação genial.

 

Toda a sua afetuosidade vem da sabedoria profunda dos grandes intérpretes humanos, que passaram pela vida sem títulos de nobreza, de abastança ou de ciência oficial, conhecendo, pela fatalidade da sua condição, a angústia de todas as classes e a proposição de todos os problemas. E,  por isso, Mussolini – eu o sentia naquela tarde – não é um chefe de escravos, mas, um chefe de Homens.

* * *

Mussolini é um emotivo. Observei-o a certos trechos da nossa palestra. Sinal do gênio. Porque as ideias marcham somente tangidas pelo sentimento. Não é possível acreditar-se na existência de grandes chefes impassíveis. Se a revolução é um corpo de ideias que encontrou as baionetas, a emoção é o magnetismo que aproxima do ferro das batalhas o meteoro do pensamento. E a emoção do Duce, que brilha nas cintilas do seu olhar, ou se ilumina, na expressão muito sua de volver as pupilas para cima, nos instantes em que a palestra nos conduz a regiões mais altas, é um índice racial, a tradução da sinfonia nacional, da pluralidade homogênea da singularidade de um só indivíduo polarizador. E como eu compreendia, agora, o segredo da sua fascinação, o mistério da sua força... Essas dedicações ardentes, esses círculos de ferro dos entusiasmos que o cercam, desde os cérebros que iluminam o país, até os braços rudes, que cavam a terra e batem a lamina de aço das naves!

 

Ele próprio nos disse, referindo-se à apoteose com que o vitoriou o povo de Milão, naquele momento descrita com calor por Mario Graciotti e Manoel Mendes:

 

- Que espetáculo grandioso! E vejam: não é possível imaginar-se que uma multidão de trezentas mil pessoas, que vibra daquela maneira, numa praça, pudesse ser trazida ali, pela força!

 

Ao que eu lhe respondi:

- Houve uma força, excelência: a do pensamento novo, que penetrou no coração da nacionalidade, pelo milagre da pena e da palavra, pelo jornal e pelo livro, e despertou todas as energias adormecidas. O fato objetivo dos episódios históricos ratifica, apenas, as revoluções já feitas, que coordenaram num longo período apostolar todas as realidades novas da vida social. É essa força coordenadora que o fascismo representa na Itália.

 

Mussolini me ouve com simpatia e atenção. Lamenta que, no exterior, ele ainda apareça com o aspecto da violência e até da tirania. Eu dissera a verdade: o povo italiano compreendeu o seu instante histórico.

 

Realmente, quando falei da força do pensamento novo, que empolgara a Nação, eu constatara uma realidade. O prestígio do fascismo vem, em grande parte, do primado que ele deu a Inteligência, na sua expressão mais ampla. A Inteligência, considerada por Mussolini, em um artigo de Il Popolo d‘Italia, em janeiro de 1920, como força econômica, como fonte de riqueza. Essa Inteligência não é a erudição estéril, o apego, aos textos, o culto das utopias; é a Inteligência viva e ágil, que penetra as raízes da nação, que apreende o sentido dos tempos modernos, sem a rigidez anquilosada dos organismos inadaptáveis ao cambio sutil das evoluções constantes, segundo os imperativos das circunstancias. É aquela Inteligência que não traça regras predeterminadas e irrevogáveis, mas que, entretanto, obedece a um sentido geral, que consulta a própria liberdade do pensamento, quando este verifica a fatalidade dos caminhos imprevistos.

 

Expliquei a Mussolini como se está formando, a este respeito, uma consciência no Brasil. Desde o começo deste século, em contraposição a preconceitos literários e jurídicos, a gradual formação de uma consciência realista, que deriva de Alberto Torres e Euclydes da Cunha, e vem até a geração atual. Nosso programa ´w o do imperativo das circunstâncias.

 

Mussolini vira-se vivamente para mim, e estendendo o indicador, num gesto firme, exclama:

- Sim; esse é o programa.

 

Conto-lhe, então, a nossa campanha, desde 1922. Embora muito diferente do fascismo, por motivos geográficos, históricos, étnicos, sociais e políticos, ela tem pontos de contato com os ideais da Nova Itália. Criamos uma literatura nacionalista e uma política de realidades. Cito nomes, fatos. O Duce espírito curioso e amável interessa-se. Ele é também, e principalmente, um homem de imprensa, o príncipe dos jornalistas italianos, como me dizia o presidente do Circolo Della Stampa. E, por isso, a mim me parece que estamos sendo mutuamente entrevistados. Falo-lhe do Brasil Novo, dos governos esclarecidos (como os de Washington Luis e Julio Prestes), que, reagindo contra a deletéria influência das revoluções dissolventes, possibilizam as salutares e sagradas revoluções do pensamento. Dentro dessa ordem de coisas, os intelectuais do Brasil não organizaram um partido, que seria prematuro, mas, organizam e acionam um movimento. Ao que Mussolini me diz:

- Muito bem. Isso antes de tudo. Não é possível a formação de um partido, sem um movimento preliminar de ideias, que forme uma consciência e defina um espírito.

 

Passamos a falar da Itália. Ou melhor, contando nós o que tínhamos visto, nas grandes cidades e nas pequenas aldeias, o espírito de ordem, de disciplina, de alegria no trabalho, de fé inabalável nos destinos da Pátria, começa Benito Mussolini a referir-se ao seu país e ao seu povo, com uma ternura, um calor, que não se escondem nos seus lábios comovidos.

 

Dizemos, também, nossas palavras de entusiasmo pela saúde moral, física e intelectual do seu país. Há uma luz de felicidade, de dever cumprido, no semblante do grande condutor de multidões, que é também um grande amigo do Brasil. Ouve-nos em silêncio. E, de repente, vivamente, estende o braço nervoso e diz:

- Como me agrada ouvir estas palavras! Estas palavras ditas pelos senhores, que são do Brasil, país de um grande, de um belo futuro, um país que é grato ao coração da Itália. Elas entram no meu coração. Quero pedir aos senhores, que são estudiosos intelectuais, e que viram, de fato, a Itália, que não se esqueçam de contar a verdade do que presenciaram. Somos caluniados no exterior. Precisamos que os espíritos imparciais falem com justiça. Os senhores viram. Dediquem, quando chegarem ao seu país, alguns momentos, desfazendo as falsidades que correm sobre o regime fascista. Ainda que custe algum sacrifício – e estou certo de que vai custar -, façam-no, por amor da verdade.

 

E volvendo-se para mim:

- E ao senhor, como animador de ideias novas, faço votos pelo sucesso do movimento intelectual da juventude do seu país, desejando todas as felicidades para a sua grande Pátria.

 

Mussolini não pede elogios. Reclama justiça, e tem todo o direito de o fazer. De mim, para mim, porém, penso que essa justiça não poderá ser feita por uma mentalidade bolorenta, viciada no ópio do falso liberalismo, aferrada a antiquados preconceitos de uma democracia moribunda. Essa justiça não poderá ser feita pelos partidários dos regimes demagógicos, que se votam ao suicídio, num instante em que se votam ao suicídio, num instante em que se desloca o eixo político do universo, com a deslocação do próprio centro de gravidade social, que passa da ideologia teórica de 89, para o sentido econômico de 1919, e que se transfere da metafísica jurídica para as instituições agudas das realidades imperativas.

 

Por assim pensar, digo ao Duce:

- Faremos justiça à Itália, porque a compreendemos; sem compreender não se pode julgar.

 

Mussolini dirige-me uma frase comovedora para mim. Lembro-me dos meus amigos distantes, dessa multidão de estudiosos, que sabem as coisas do Brasil; e que trabalham em silêncio, na convivência constante com a nacionalidade; e erguem a voz na imprensa e no livro, indicando novos rumos. Agora, diante do livro aberto da Itália, sinto crescer o meu nacionalismo e a minha fé nos destinos da minha terra. Precisamos continuar nossa batalha, fortalecendo a unidade da Pátria, pela unidade de uma consciência política fortemente acentuada. Os povos que sorrirem ceticamente destas coisas, não subsistirão na luta tremenda do dia de hoje.

 

Acusam a Itália e Mussolini de dramáticos. Eu prefiro o gesto dramático que visiona realidades, à displicência calma dos que servem às utopias. Essa a grande lição da Itália.

 

Sinto bem tudo isso, ao despedir-me de Mussolini, que, ainda uma vez, exclama:

- Felicidades para o Brasil!

 

Não me esquecerei do seu pedido e do seu vaticínio. Este momento, eu lhe disse, é, para mim, histórico. Farei justiça à Itália. Batalharei pela felicidade da minha Pátria.

 

Nota de Sérgio de Vasconcellos: A reportagem acima, se por um lado desmonta as versões mentirosas difundidas por falsos acadêmicos, por outro, confirma integralmente o que eu escrevi sobre o Histórico Encontro no Capítulo VII, “Roma – 1930: O Histórico Encontro entre Plínio Salgado e Benito Mussolini”, do meu Livro Integralismo; um novo paradigma – Vol. III (AgBooks: Rio de Janeiro, 2022).

domingo, 29 de maio de 2022

A Posição do Integralismo no Brasil (1934), de Plínio Salgado

 

A Posição do Integralismo no Brasil (1934)

Plínio Salgado

O caso do Brasil é diferente dos da Itália, da Alemanha, da Rússia, dos Estados Unidos e demais países.

Não podemos, em absoluto, equiparar a situação brasileira àquelas em que se encontraram a Itália e a Alemanha, antes e durante a luta desencadeada pelo fascismo e pelo nacional-socialismo.  Muitos nos citam aqueles exemplos, insinuando-nos atitudes, providências e processos. Esses conselheiros evocam as figuras de Mussolini e de Hitler, que são índices e tipos adequados a determinado lugar e tempo. Aqui, no Brasil, as cousas são muitos diversas. Qualquer daqueles dois grandes condutores, se houvesse de aplicar os seus processos entre nós, fracassaria. Conquanto os males que sofremos tenham a mesma origem da enfermidade de todos os povos modernos, a maneira como se apresenta o problema político-social em nosso país é diversíssima.

Geografia – Demografia – Transportes

A superfície territorial da Itália é de 310.000 km². Cabem 27 Itálias dentro do Brasil, que tem 8.511.189 km². Do ponto de vista, pois, da extensão do movimento, o integralista tem de ser 27 vezes maior do que o fascista.

Tendo de ser extensivamente maior 27 vezes, o integralismo não conta com a facilidade de penetração em massas populares densas. Nossa população é rarefeita. A densidade da população italiana é de 148 habitantes por quilômetro quadrado, enquanto nós, para cada quilômetro quadrado, contamos apenas 5 habitantes. Sob este aspecto, portanto, o esforço do integralismo tem de ser 29 vezes maior do que o fascismo.

É preciso compararmos os nossos meios de comunicação.

Para 8.511.189 km², temos 31.333 km de estradas de ferro. A Itália, para 310.000 km² tinha, antes do fascismo, 17.300 km de ferrovias. Para cada 1.000 km². A Itália apresentava 55 metros e 80 cm de trilhos; e nós possuímos, para cada 1.000 km², apenas 3 metros e 68 cm.

A nossa propaganda encontra, pois, mais esse embaraço. E já não quero falar das estradas de rodagem que cortam em todos os sentidos o país peninsular, onde o trânsito de automóveis, de motocicletas e bicicletas é intensíssimo, nem das comunicações por mar, que são excelentes. No Brasil, a situação, sob esse aspecto é bem precária.

Imprensa e comunicações

A penetração, portanto, de qualquer ideia ou doutrina, no Brasil, é muito mais difícil do que na Itália, que tomamos como padrão, para essas comparações. Os algarismos seriam mais eloquentes, se tomássemos a Alemanha, ou os Estados Unidos por paradigma.

Para evidenciar a dificuldade da propaganda de qualquer ideologia no Brasil, basta dizer que não temos imprensa de irradiação nacional, mas várias imprensas de exíguas influências regionais. O “Corriere della Sera”, de Milão, atinge 600.000 exemplares diários; “Il Popolo d’Italia”, “O Giornale d’Italia”, “Resto Del Carlino”, “Gazzetta de Venezia”, “Il Tevere”, tiram todos mais de 200.000 exemplares diários. Os grandes jornais franceses avançam a um milhão de tiragem quotidiana; a vários milhões se elevam os diários ingleses, norte-americanos ou japoneses; o próprio “Diário de Notícias”, de Lisboa, apresenta uma tiragem de 150.000 exemplares. No Brasil, nenhum jornal consegue alcançar aquelas cifras.

Cumpre acrescentar ainda que toda a Europa está traçada por uma rede telefônica muito boa. Num país de pequena extensão como é a Itália, Mussolini pode comandar toda a marcha sobre Roma, dentro de seu gabinete, ao lado do telefone que é hoje mostrado aos que visitam “Il Popolo d’Italia”, como um objeto histórico.

Temos visto, através dos filmes, como Hitler, na Alemanha, pode falar, viajando em avião, em três ou quatro cidades no mesmo dia.

No Brasil, dada a hipótese de que o integralismo dispusesse de recursos financeiros, ainda assim as comunicações seriam dificílimas.

(1º Congresso Integralista – VITÓRIA – Prov. Espírito Santo – 1934)

Transcrito da Revista Panorama, São Paulo: Ano I – Julho de 1936 – nº7; págs. 1 e 2.

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Federação e Unidade Nacional (1965)



Esclarecimento: O Artigo abaixo foi publicado em jornal pelos “Diários Associados, mas, o recorte que dispomos não trazia a data da publicação. Felizmente, graças ao impressionante trabalho de pesquisa sobre o Integralismo em fontes primárias, o brilhante pesquisador Matheus Batista pode nos informar que a data da edição foi 07 de Dezembro de 1965.

Em breve, o Companheiro Matheus Batista publicará uma sensacional Obra sobre o Integralismo. Aguardem!

Federação e Unidade Nacional (1965)

Plínio Salgado

A Unidade Nacional Brasileira constitui um dos fenômenos políticos mais notáveis do mundo. Não se trata de uma unidade compulsória, como foi o caso do Império Romano, ou dos impositivos de guerras vitoriosas, como as de conquista empreendidas pelos Czares da Rússia, que sucessivamente foram abrangendo largos territórios. Em ambos os casos verificou-se uma unidade de aparência, mas não de essência. Os povos submetidos continuaram a falar em suas línguas próprias, multiplicadas em dialetos, mantendo o culto de suas religiões e as normas tradicionais de seus costumes.

 

No Brasil, entretanto, em extensão quase equivalente àqueles Impérios, conservaram-se a mesma língua, a mesma religião, os mesmos hábitos, com ligeiras variantes de características regionais. E, mais do que isso: um sentimento comum de Pátria, que identifica o amazonense e o gaúcho, os paulistas e mineiros aos nordestinos e às populações do Centro-Oeste. A que atribuir tão pasmosa unidade?

 

Historiadores e sociólogos procuram penetrar no mistério desse enigma; opiniões divergem, mas o problema continua desafiando a argúcia dos pesquisadores.

 

Tenho para mim que a causa principal da nossa unidade está no espírito ecumênico do colonizador português. Aquele povo, de pouco mais de um milhão de habitantes ao tempo das descobertas, herdou dos romanos o sentido universalista no trato com os povos. Em vez de impor, adaptou-se ao que encontrava como realidade social e soube conformar-se às circunstâncias geográficas, climáticas e regionais. Sem preconceitos de raça, cruzou-se com os autóctones e, depois com as correntes africanas e europeias que confluíram no Novo Mundo. Sem intolerância religiosa, pregou o Evangelho, mas não violentou nem os índios nem os negros, não exercendo sobre eles a crueldade dos arbítrios inquisitoriais. Sem exorbitância de uma política centralizadora, deixou germinar e crescer a futura Nação, consoante com o pensamento dos juristas e a clarividência dos Reis.

 

A evolução do povo brasileiro teria, porém, justamente em razão da política dos colonizadores, a partir de D. João III, de desenvolver-se entre as forças contrastantes de uma antinomia, que perdurou na Colônia, no Império e manifestou-se claramente na República. De um lado, a atração centrista da Autoridade Central, do outro a expansão centrífuga dos imperativos regionais, aos quais devemos acrescentar inicialmente o espírito do Homem Renascentista, sequioso de liberdade e de aventura e, posteriormente, o do racionalismo do século XVII e o libertarismo do século XVIII.

 

A necessidade inerente ao plano da colonização levou a Metrópole a dividir o vasto território em capitanias. Falou o bom senso, considerada a extensão da área a colonizar e a civilizar. Começam, aí as diferenciações de interesses das várias partes do País. Fracassado o plano, em grande parte das Capitanias, recorre-se a um Governo Geral. Viu-se, depois, que o Norte era diferente do Sul e que o Brasil precisava de dois governos.

 

No curso do século XVIII, acentua-se a antinomia entre o respeito à Metrópole e o libertarismo da Nação nascente. O sentimento de fidelidade à Portugal manifestara-se já nas guerras contra os holandeses, franceses e ingleses e, principalmente, quando os pernambucanos foram retomar Angola, para entregá-la à Pátria-Mãe. Exprime-se ainda no gesto de Amador Bueno, aclamado rei dos paulistas e rejeitando a coroa por ser fiel a Portugal. Por outro lado, falam os sentimentos regionalistas e individualistas, que revelam o Homem da América, de movimentos livres e soberana audácia. Tal estado de espírito irá manifestar-se na Inconfidência Mineira e na revolução americana de 1817.

 

Assim, chegamos à Independência. Agora, que o Poder Central se deslocava de Lisboa para o Rio de Janeiro, explodem os ímpetos de autonomia regional. O Brasil está ameaçado pelo separatismo. Por que? Pelo excesso de centralização do Poder. É o mesmo que se deu na Argentina, conforme assinala Sarmiento no seu livro sobre Facundo Quiroga.

 

Apagadas as chamas da segunda revolução pernambucana de 1824, acende-se dez anos depois o incêndio da Guerra dos Farrapos. É a República de Piratini contra os arbítrios do Poder Central. Depois de pacificado o Rio Grande do Sul, pelo esforço ingente de Diogo Antônio Feijó, foi este mesmo que, unido ao brigadeiro Tobias em São Paulo e a Teófilo Otoni em Minas, deflagrou uma nova revolução, em 1842, alegando a excessiva absorção do Governo Central contra as Províncias do Império. O Federalismo nascia, portanto, destas datas memoráveis: 1824 – Pernambuco; 1835 – Rio Grande do Sul; 1842 – São Paulo e Minas.

 

Só então começou-se a compreender que a Unidade Nacional Brasileira, lastreada pela mesma língua, pela mesma religião, pelos mesmos sentimentos, encontrava agora um opositor: os legítimos interesses regionais, não apenas econômicos, mas sobretudo de liberdade política e livre manifestação da opinião dos brasileiros.

 

No transcurso histórico de 1842 a 1870, a ideia federalista ganhou corpo, como condição fundamental da Unidade da Pátria. Nem se podia compreender o problema de outro modo. Ainda que unidos pelos laços afetivos mais profundos, os brasileiros das Províncias não sofriam ser oprimidos, espezinhados pelo Poder Central. Queriam ter voz nos auditórios da Nação, queriam ser atendidas nas suas peculiaridades, queriam a União mas com dignidade e como resultado de uma autonomia em que se baseia a sua livre adesão ao Todo Nacional.

 

A ideia federalista empolgou de tal maneira os espíritos que, desde a Convenção de Itu, realizada em 1873, foi-se tornando a ideia-força da propaganda republicana. No Partido Liberal, principalmente, o federalismo aliciava, dia a dia, novos adeptos, ao ponto de um homem como Rui Barbosa, pertencente àquela agremiação, declarar ser imperativa a fórmula federalista, “com ou sem a Monarquia”. Era o desenvolvimento do Brasil, que transitara das Capitanias, isoladas uma das outras, à formação gradativa das futuras Províncias e, finalmente estas, tomando consciência das diferenciações que as distinguiam umas das outras e delineando, por um processo natural, os seus limites geográficos.

 

Todo o segredo da Unidade Brasileira está em conciliar os rumos políticos gerais da Nação com os impositivos das reações regionais. Compreenderam-no os Reis Portugueses, os Governadores Gerais, os Vice-Reis e os estadistas do Império. Compreendiam-no de modo claro, pensadores como Tavares Bastos. Percebiam-no tanto os que pretendiam preservar o Trono, como os que desejavam derrubá-lo.

 

Ao proclamar-se a República, viram os responsáveis pelo novo regime que as instituições recém-inauguradas necessitavam de uma firme estrutura política para as embasar. Os Partidos da Monarquia (o Conservador, o Liberal e o Progressista) tinham sido automaticamente extintos, não por decretos artificiais, mas em consequência das realidades políticas.

 

As democracias não vivem sem partidos; são eles os captadores das correntes de opinião, os aparelhos de sensibilidade, acusando tendências das parcelas componentes do povo; refletindo a influência das ideologias e doutrinas expostas pelos pensadores do País; assinalando os diferentes estados de espírito do povo; acusando mudanças inerentes à própria vitalidade nacional. A Nação é um corpo vivo. Ao contrário do que pretenderam Bluntchili e a escola histórica alemã, não é o Estado que vive e sim a Nação, porque o Estado é apenas um instrumento dela.

 

Os fundadores da República, vendo a Nação sem partidos, não porque o desejassem, mas porque as agremiações baluartes do Império desapareciam com ele, buscaram nas realidades nacionais o meio de articular a opinião pública. A articulação dependia de motivações e estas, uma vez que só predominava a ideologia republicana, só podiam existir segundo os interesses das Províncias, agora transformadas em Estados autônomos.

 

Corporificou-se, então, o Partido Republicano, que por ocasião da proclamação da República, praticamente só existia em São Paulo e Minas, com 35 fraquíssimos clubes de propaganda. O adesismo ao Poder, que é uma constante na vida brasileira, segundo o primeiro fator da antinomia a que nos referimos, ou seja a submissão à Metrópole, aos Governadores Gerais e aos Vice-Reis, no tempo da Colônia e aos Gabinetes Ministeriais no Império, facilitou a formação do Partido Republicano no País, um partido único, que precedeu de muito o comunismo, o nazismo e o fascismo. Mas havia a atender a motivações que polarizariam as opiniões regionais e, nesse caso, multiplicaram-se os Partidos Republicanos, com siglas de cada Estado: PRP em São Paulo; PRM em Minas; PRR , no Rio Grande do Sul; PRB na Bahia. E assim por diante.

 

Os primeiros anos da República estiveram sob a responsabilidade dos militares e foram períodos de agitação, descompasso, perturbações, porque a Força Armada raciocina em razão de regimentos e batalhões disponíveis pelas facções em que se dividem e nunca pela ordem natural das coisas. Isso levou Deodoro da Fonseca a dissolver o Congresso, vindo, logo em seguida, o golpe de Floriano Peixoto e Custódio de Melo (Exército e Marinha). E não tardou que o consulado de Floriano fosse abalado pelo mesmo Custódio de Melo, em consonância com as forças rebeladas de Gumercindo Saraiva, que vinham do Sul.

 

Jugulada a revolta e já muito doente Floriano, veio afinal o Governo Civil de Prudente de Morais, contra o qual se articulou a conspiração de Diocleciano Martyr e Marcelino Bispo, cujo epílogo foi o assassinato do marechal Bittencourt, que recebeu a bala destinada a Prudente.

 

O Federalismo, entretanto, articulou-se para a eleição de Campos Sales e este deu vivência à realidade federalista instaurando a “política dos governadores” mediante a qual governou sem estado de sítio, norma de seus antecessores e sucessores.

 

Essa política funcionou até 1930. Era inevitável que os Estados mais populosos dominassem a vida nacional. A composição paulista-mineira e gaúcha equilibrou o sistema.

 

Inquietações e ideias novas começaram a se revelar nas revoluções de 1922 (Copacabana); 1924 (São Paulo); 1926 na Marinha, até que em 1930, por interesses puramente regionais, quebrou-se a aliança Minas-SãoPaulo-Rio Grande.

 

Enganavam-se os que pleiteavam a hegemonia de seus Estados. Correntes ideológicas surgiam, num sentido nacional e não mais estadualista. Era o socialismo, o comunismo, o nacionalismo, o integralismo. A própria revolução de São Paulo (1932) escapava aos limites do Estado, para assumir o caráter ideológico de constitucionalismo, vitorioso afinal na Carta de 1934. Mas esta teve pouca durabilidade, sobrevindo a Ditadura que teve vigência até 1945. Os partidos organizados em 1946 foram de caráter nacional e procuravam alguns artificialmente, apoiar-se em ideias gerais. No curso do período de 1946-1964, começaram a reagir os fatores regionalistas, que desvirtuaram, pouco a pouco, o sentido nacional das novas agremiações. E, após o movimento armado mais recente, o Governo, pelo Ato Institucional nº 2 extinguiu todos os partidos.

 

Encontra-se agora o governo do marechal Castelo Branco sob o peso das mais graves responsabilidades ante a próxima reestruturação política do País: conciliar o Federalismo (condição da Unidade Nacional) com a linha política da União. A fórmula integralista “centralização política e descentralização administrativa” deve ser a chave para a solução do problema. Essa orientação não abrange apenas o que concerne às prerrogativas de autonomia política, mas também as estruturas econômicas. A inflação, com o poder emissor nas mãos do Governo Central, e os sistemas tributários enriquecedores da União e depauperadores dos Estados e Municípios, torna a autonomia dos Estados apenas uma expressão de direito e não de fato. Desequilibram-se os dois fatores históricos da Unidade Nacional.

 

Julgamos oportuno estas ponderações levadas aos responsáveis atuais pelo Governo da Nação.

terça-feira, 12 de abril de 2022

Três aspectos de uma questão (1936)

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças a generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando Melo, conhecido Líder Pró-Vida e possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca. Aos que desejarem conhecer mais trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://paulofernando.com.br

O Artigo foi publicado originalmente no “A Offensiva”, em 13 de Fevereiro de 1936

Três aspectos de uma questão (1936)

Plínio Salgado

Permite a Constituição da República a qualquer brasileiro, ou grupo de brasileiros, agir no sentido de modificá-la, ou substituí-la por outra Constituição, ou revogá-la, no todo ou em parte?

 

A Lei de Segurança Nacional, que é uma espécie de “Ato Adicional” da Constituição de Julho, tornando mais claro o pensamento da Carta Magna, evidencia que a qualquer brasileiro é lícita a liberdade de pregar, de disseminar, de propagar as ideias filosóficas ou políticas que entender, desde que não use de métodos violentos para implantá-las.

 

Examinando a Lei de Segurança Nacional e tendo em vista os dispositivos constitucionais relativos à liberdade política, a questão assume dois aspectos:

 

1º) – o aspecto constitucional, legal, legítimo, do uso e gozo, de liberdades políticas, religiosas ou filosóficas, isto é, o da propaganda pacífica, intelectual, cultural, das ideias tendentes à modificação, ou à própria substituição do regime, desde que essas ideias não envolvam o conselho da aplicação de métodos violentos, ou o incitamento à sedição, à rebelião contra as autoridades constituídas;

 

2º) – o aspecto inconstitucional, ilegal, ilegítimo, do abuso e da licença, isto é, a preparação da mazorca, o estímulo ao desacato à autoridade pública, a prescrição dos métodos violentos.

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No primeiro caso, poderemos enquadrar todos os partidos reformistas, como por exemplo, a “Acção Integralista Brasileira” que pretende, mediante a formação de uma consciência nacional nitidamente esclarecida e de uma mentalidade nova, formada por meio de uma nova cultural e um novo pensamento filosófico, substituir, sem quebrar a expressão formal da República Federativa e Presidencial, antes fortalecendo o regime republicano, tonificando o presidencialismo e dando possibilidades definitivas à subsistência da federação, substituir os processos de captação das vontades populares, colocando, em lugar dos partidos políticos, as corporações. Fundindo o fenômeno sindical ao fenômeno político, realizando a síntese do interesse econômico ao interesse cívico e administrativo, o Integralismo realiza o superamento de duas expressões das atividades sociais brasileiras e, desse modo, longe de esfacelar a República Federativa e Presidencialista, virá fortalecê-la, dando-lhe melhores condições de viabilidade prática e desincompatibilizando-a com as novas circunstâncias da vida contemporânea.

 

No segundo caso, podemos classificar o Comunismo. Esse prega a subversão, a desordem, a derrubada por golpe técnico do Poder Constituído; atenta contra a soberania nacional, que ele subordina a uma autoridade estrangeira; fere os princípios básicos da sociedade patrícia, que são os princípios de Deus, da Pátria e da Família; adota os métodos da violência e os propaga abertamente.

 

Eis, porém, que, além desses dois aspectos, surgiu agora um terceiro, com o qual jamais poderíamos contar e que está desafiando o estudo dos juristas, dos magistrados do país e, principalmente, do Governo da República, assim como os janízaros parlamentares que defendem a Constituição e a democracia-liberal com tanto ardor.

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É o caso da nova feição que tomou a política no Rio Grande do Sul. Tem-se ali um governo de gabinete. Legítimo parlamentarismo. E não se diga que não atenta contra o regime presidencialista consagrado na Carta de Julho de 1934. São os próprios líderes, que encaminharam as “démarches” para a solução do caso riograndense, os que confessam estarem fatigados do presidencialismo, que está falido, que nada mais pode dar de útil ao Brasil.

 

No Rio Grande do Sul, portanto, foi revogado o regime presidencial. Poderão dizer que não o foi constitucionalmente, ou que não houve nenhum dispositivo de lei atentatório da Carta Federal. Mas isso não será um argumento. Existe uma situação “de fato”, que implica uma interpretação “de direito”. Existe uma circunstância prática, da qual decorre a consagração de uma teoria política.

 

Apareceu, portanto, mais um caso a ser estudado pelos a quem incumbe a guarda e a vigilância da manutenção da intangibilidade do Supremo Estatuto Nacional.

 

Como poderão esses homens, de graves responsabilidades públicas, assumir uma atitude de combate ao comunismo, só porque prega a substituição do regime por métodos violentos, quando eles próprios desfecharam um golpe de Estado na Constituição Brasileira?

 

Quando a Lei de Segurança Nacional condena os métodos violentos, não o faz pelo simples fato de serem “métodos violentos”, pois os métodos violentos, em si, objetivando outras finalidades não políticas, ou mesmo nenhuma finalidade objetivando, são já punidos normalmente pelo Código Penal. Os métodos violentos são punidos pela Lei de Segurança, em razão de sua finalidade, isto é, na sua relação de ato criminoso com o seu móvel, que é a substituição do regime. O que interessa, pois, a Lei de Segurança, não é o ato em si, mas o seu móvel.

 

De sorte que uma revolução branca, sem derramamento de sangue, sem assalto a quartéis, como essa que praticamente realizaram os partidos do Rio Grande do Sul, é um ato punível pela Lei de Segurança Nacional.

 

Não faltarão recursos de sofismas às inteligências dos políticos gaúchos, entre os quais os srs. João Neves, Lindolfo Collor, Baptista Luzardo e à desenvoltura cavalheiresca do sr. Flores da Cunha, para justificar, com o brilho de que são capazes, a atitude que assumiram de flagrante transgressão do texto constitucional.

 

Esses argumentos, porém, que esperamos com o mais vivo interesse, adquirem um valor excepcional para a “Acção Integralista Brasileira” que se sentirá tanto melhor no cenário político da República, quanto mais convincentes forem os raciocínios de defesa aduzidos pelos partidos do Rio Grande.

 

Si o que se fez no Rio Grande é permitido pelo Governo da República e pelo Poder Judiciário, intérprete máximo da Constituição, fica o governo sem forças para combater o comunismo. Em compensação, fica a “Acção Integralista Brasileira”, mais do que nunca, numa posição da mais brilhante constitucionalidade.

 

O que se fez no Rio Grande do Sul eleva de tal maneira o Integralismo como partido legítimo, legal, fiel ao Estatuto básico da República, que respiramos na mais doce das tranquilidades.

 

Bem dizíamos nós que éramos impecáveis no respeito às disposições da Constituição e das leis do país; razões de sobra tinham os generais Pantaleão Pessoa e Góes Monteiro quando nos deram idêntico parecer; seguro estava o capitão Felinto Muller quando nos deu passaporte político, em recente entrevista; de peso eram as considerações do Conde Affonso Celso a nosso respeito; verazes os laudos dos juristas eminentes que sobre nós se pronunciaram; acertadas e jurídicas várias decisões de vários tribunais do país, concedendo-nos re(xxxxx)s legais; e carradas de razões, de pesadíssimas razões, tinha o sr. Getúlio Vargas, quando declarava duas vezes a imprensa que a “Acção Integralista Brasileira” não atentava contra o regime.

 

Meu trabalho na chefia do movimento do Sigma, tem sido muito simples; para fazer o nosso partido nacional, único da República, subir, cada vez mais, aos olhos dos brasileiros honestos: ir evidenciando as contradições dos nossos adversários.

 

E é assim que se cresce em força moral perante uma Nação.

domingo, 10 de abril de 2022

As Armas contra os Rinocerontes! (1968)

 


Esclarecimento: O Artigo abaixo foi publicado em jornal pelos “Diários Associados, mas, o recorte que dispomos não trazia a data da publicação. Felizmente, graças ao impressionante trabalho de pesquisa sobre o Integralismo em fontes primárias, o brilhante pesquisador Matheus Batista pode nos informar que a data da edição foi 03 de Julho de 1968.

Em breve, o Companheiro Matheus Batista publicará uma sensacional Obra sobre o Integralismo. Aguardem!

AS ARMAS CONTRA OS RINOCERONTES!

PLÍNIO SALGADO

O escritor inglês Wells, há alguns anos atrás, fez-nos uma revelação original: a de que toda a humanidade está se tornando louca e só não o percebemos por estarmos nela integrados. Sendo uma loucura coletiva, todos nela se ambientam, tornando-se, portanto, impossível discernir a verdade da mentira, o bem do mal, o belo do feio. Dessa forma decompõem-se os sentimentos morais, estéticos e lógicos.

 

Por outro lado, o teatrólogo Ionesco, não faz muito tempo, escreveu uma peça, que tem sido amplamente representada no teatro e no cinema, apresentando uma cidade onde os habitantes resolveram virar rinocerontes. O caso começa com alguns, estende-se a outros mais, domina a população. Um funcionário de certa firma dispõe-se a reagir, mas dentro em breve, o próprio diretor da organização industrial também se transforma em rinoceronte. Da sua janela, vê o rebelde a passagem da manada dos paquidermes, com grande estrupido, e isto mais o revolta, principalmente porque sua noiva já manifestara o desejo de acompanhar a moda de aderir ao consenso geral, convidando-o para fazer o mesmo. A esta altura, o advogado da firma em que trabalhava o homem de bom senso, vem procurá-lo para convencê-lo de que virar rinoceronte era um legítimo direito de todos os homens e mulheres que gozam da liberdade garantida pela democracia. Enquanto falava, nota aquele homem de equilíbrio mental que o advogado ia comendo as folhagens do seu vaso. Era sinal evidente que se ia transformando em rinoceronte. Realmente, não terminara a conversa quando o bacharel, com um urro sai correndo, desce o elevador, atinge a rua e se transmuda em paquiderme, como toda a multidão. Entra, em seguida, sua noiva, que critica os padrões da autoridade familiar e social, declarando “superados” os critérios antigos. É preciso que as novas gerações assumam atitudes de independência, de autodeterminação, de liberdade plena. Tudo o mais é passadismo ultrapassado da geração anterior que (diremos por nossa conta) não está “conscientizada” e insiste em pretender manter a tolice das tradições. Assim dizendo, solta um berro e corre desabaladamente para a rua, onde se integra na massa popular que se transformou em massa paquidérmica. Nesse momento, o herói do drama, que representava o bom senso, a lógica, o equilíbrio mental e a consciência da sua racionalidade, grita com todas as forças dos pulmões: “Eu não serei rinoceronte, porque eu sou e serei sempre um homem!”.

 

O que assistimos hoje em nosso país, como em todos os outros dessa chamada “civilização ocidental” não é mais do que, ampliada, a peça teatral de Ionesco. O raciocínio dos alienados é o seguinte: “todos usam, todos fazem, todos assim procedem, porque motivo também eu não usarei, não farei, não procederei?”. A onda dos rinocerontes empolga o magistério público e privado; envolve a alta sociedade e a classe média; predomina sobre a juventude; influi na demagogia política; traça normas artísticas; cria um tipo de literatura adequada ao rinocerontismo; e aí temos o nudismo consagrado e que já não causa a mínima impressão no seio das famílias; os rapazes de cabelos compridos e as moças e até as velhas de minissaias; o teatro sustentando que a pornografia é arte; o desregramento sexual declarando basear-se em princípios científicos da psicanálise e das constituições endocrínicas; a rebelião contra a autoridades dos pais (“ultrapassados” e “quadrados”); a insurreição contra os governos, sem que se saiba ao certo o que pretendem os insurretos; o desrespeito aos mestres honrados e honestos e a tábua rasa que se faz das pessoas mais idosas que, na opinião de alguns professores que se fizeram agentes da corrupção, devem ser “conscientizados” pelos garotos e garotas que os Código Penal e Civil declaram irresponsáveis. Acrescente-se a isso a extrema liberdade concedida por pais (que não merecem o pátrio poder) às suas filhas menores e muito mais aos filhos que se fazem “play-boys”; a vida noturna de ambos os sexos estimulada pelo álcool, pela maconha, pelos barbitúricos e garantida por drogas anticoncepcionais; a desordem dos costumes segundo uma concepção existencialista que faz do ser humano um animal sem finalidade, e teremos o quadro geral das nações do ocidente, minadas pelo comunismo, ou seja pelos que pretendem escravizar, domar, esmagar uma sociedade que perdeu a consciência de si mesma e se transformou numa desordenada manada de rinocerontes.

 

Todas estas ponderações tenho feito numa série de artigos insertos nestas colunas, nos quais tenho procurado demonstrar que sob dois aspectos deveremos considerar o mundo codental: o do agnosticismo e pragmatismo das classes chamadas dirigentes (políticos, industriais, comerciantes, financistas) e o do existencialismo da juventude e do povo, de modo geral. Em um dos meus últimos escritos, falei de um novo politeísmo, cujos deuses abstrusos são as máquinas e de uma religião que hoje se chama “tecnologia”.

 

Vem agora o Papa Paulo VI e em impressionante discurso atribui a atual crise em todos os países “às turbulentas ideias dominantes no mundo contemporâneo” acrescentando que a “a falta de fé se deve parcialmente ao crescimento da mentalidade tecnológica” E diz: “A tecnologia levou a uma organização opressora e à consequente angústia que decorre dos próprios limites do círculo materialista e precisamente, nestes dias, explode em rebeliões violentas e irracionais”.

 

Também em confirmação do que tenho dito, o grande escrito português Augusto de Castro, diretor do “Diário de Notícias” de Lisboa, diplomata dos mais brilhantes, membro da Academia de Ciências, mas sobretudo um dos espíritos mais argutos dentre os que tenho conhecido, escreve um artigo para os Associados, sob o título “Reflexo da crise de autoridade”, comentando as recentes desordens na França, no qual, entre outras considerações, diz: “A crise que se revela e ameaça o mundo não é apenas aquela que, nos domínios político e social, dominou os acontecimentos em Paris. Não é somente a dos problemas da educação e sociais. Não é apenas econômica nem de mera ação de rua. É uma crise de Autoridade em todos os domínios: da autoridade familiar, da autoridade política, da autoridade internacional, da autoridade educativa, da própria autoridade religiosa”.

 

Comentando uma frase do “Izvestia”, de Moscou, que dizia “os franceses vão depressa demais”, Augusto de Castro declara: “Não iam apenas depressa; na realidade, não iam para parte alguma, a não ser para a balbúrdia, para a anarquia, uns com os pensamentos de Mao, que se caracterizam precisamente pela ausência do pensamento, outros com slogans desprovidos de sentido ideológico ou real. Era também, na própria subversão, a ausência de qualquer autoridade”.

 

Analisando as causas da derrocada da autoridade, a notável perspicácia do escritor ilustre expõe a sua opinião que é de rara clarividência, dizendo: “O que determinou no mundo esta crise de autoridade, que é o mal do nosso tempo, é difícil definir. Duma maneira geral, foi a doença do “diverso”, que após a guerra, se apoderou dos espíritos. O mundo proclamou o advento do “diverso” em arte, do “diverso” em literatura”, do “diverso” em política, até do “diverso” na religião. Do “diverso” sem se saber bem de quê. O próprio comunismo foi atacado pelo vírus do “diverso” e fez-se o comunismo chinês”.

 

Esta interpretação de quanto ocorre no mundo atual é prefeita, mas para completá-la temos de ir às causas que determinaram esse estado de espírito e estas devem ser buscadas na confusão das ideias disseminadas por filósofos e pensadores dos séculos XVII (Racionalismo), XVIII (Naturalismo), XIX (Experimentalismo Científico) e XX (Tecnologia). Dessas linhas gerais procederam o utilitarismo inglês, o pragmatismo americano, o positivismo francês, o criticismo kantiano, a dialética hegeliana, o panteísmo de Hartman, o monismo de Haeckel, o evolucionismo de Spencer, o anarquismo de Prudhon e Kropotkine, o socialismo de Marx, o sexualismo de Feud, o existencialismo de Kierkegard e depois de Sartre, o anticristianismo de Niestzche, todos com seus derivados, que se multiplicam, não se falando na contribuição vastíssima da literatura, em seus variados gêneros e as artes plásticas e musicais em suas variadas expressões. Foi tudo isso que criou o espírito do “diverso” tão argutamente descoberto por Augusto de Castro. E o “diverso” não é mais do que a manifestação da angústia do Homem deslocado do seu centro de equilíbrio, como já observara profeticamente Pascal, sem poder recuperar sua posição verdadeira ainda que aflitivamente venha tateando nas trevas impenetráveis.

 

Tivemos, no Brasil, um grande filósofo, que arrasou, mediante análises escalpelantes as filosofias materialistas do seu tempo. Foi Farias Brito. Os seus livros “Finalidade do Mundo”, “O Mundo interior” e seus opúsculos “A verdade como regra das ações” e “Base física do espírito” constituíram o início de um movimento espiritualista que deve ser continuado, com a atualização dos conhecimentos adquiridos mais recentemente, nestes últimos cinquenta anos de unilateralidade científica e de fanatismo tecnológico.

 

Esse tem sido o meu esforço, objetivando criar uma nova geração, isenta do cativeiro dos ditadores das falsas filosofias, produtos das elucubrações dos que não se sentem, eles próprios, seguros de suas concepções e outra coisa não fazem senão lançar maior confusão sobre a que tínhamos herdado das gerações precedentes. Precisamos de uma revolução, mas uma revolução autêntica da mocidade, contra a rotina, as frases feitas, as ideias e costumes aceitos passivamente pelas mediocridades internacionais e pela burguesia capitalista inconsciente. O lema deve ser, para tomarmos a interpretação da nossa contemporaneidade tão admiravelmente revelada por Ionesco: combate aos rinocerontes.