sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Recordações (28/02/1936)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

Recordações (28/02/1936)

Plínio Salgado

Quando o nosso navio, que vinha do Norte, entrou nas águas mansas do porto, pelas dez horas da manhã, um grande sol fulgia, num grande céu azul, pondo cintilações nas vidraças do casaréu espalhado pelas encostas verdes dos morros.

Passávamos junto ao Penedo, enorme bloco de pedra plantado como fiel sentinela da cidade de Nossa Senhora da Vitória; ao longe, garça branca pousada na rocha emergente da vegetação, a igreja da Penha olhava o mar alto, como que escutando os murmúrios de Vila Velha e os segredos das ondas.

- Lá vêm eles! São eles! Exclamou o Thiers, apontando-me uma lancha que se movia, por entre botes, barcaças, cascos de navios mercantes e veleiros, cheia de camisas-verdes.

Debruçamo-nos sobre a amurada de prôa. Um vivo alvoroço nos sacudia. Íamos ter notícias do nosso Movimento. Íamos dar notícias do que viramos, do que fizéramos. Havia em nós um desejo ardente de contar as nossas aventuras numa viagem audaciosa, sem recursos, quase a mercê da sorte, pelos sertões do Nordeste e pelas capitais das Províncias que transitáramos.

A lancha aproximava-se. Trazia na prôa uma flâmula azul e branca, a nossa flâmula. Estava cheia de camisas verdes.

A primeira figura que vimos foi a de Arnaldo Magalhães, com seu sorriso bom, seus gestos pausados, seu idealismo brilhando através dos óculos. Junto dele, distinguimos logo Madeira de Freitas, que trazia um ar de triunfo.

Nesse tempo ainda não havia o “anauê”, palavra que foi lançada pouco depois, em Niterói, por iniciativa de Lacerda Nogueira, e que se alastrou por todo o país. Erguemos, porém, nossos braços(eu, Thiers, Aristophanes e Hermes) respondendo a saudação dos 19 camisas-verdes da lancha.

Em terra, encontrei Gustavo Barroso. Ele e Madeira tinham vindo por estrada de ferro a fim de me esperar em Vitória. Unidos profundamente pelo ideal sagrado, esses dois companheiros já haviam agitado a Capital espírito-santense, fazendo discursos e conferências.

A nossa última noite em Vitória, depois de três dias inesquecíveis, constituiu uma consagração popular da ideia nova. No meu discurso declarei que realizaria na capital capixaba o primeiro Congresso Nacional Integralista.

*

Estávamos no ano de 1933. A primeira marcha de camisas-verdes dera-se no dia 23 de abril desse ano, em S. Paulo, se bem que o Manifesto de Outubro houvesse sido lançado em 1932. Em maio fundáramos o Integralismo no Rio e em Niterói. A Bahia, o Ceará e Pernambuco já tinham seus pequenos Núcleos. Em Santa Catarina só havia os Núcleos de Itajaí e Canoinhas; no Rio Grande do Sul, apenas Erechim; em Minas Gerais somente Teófilo Ottoni. E nada mais.

Foi em Julho que segui para o Norte, com a notícia que de que em Natal já um grupo de integralistas se organizava. Lancei a semente em Alagoas, na Paraíba. Consolidei o Movimento em Bahia, Pernambuco, Ceará, fiz a ideia chegar em Sergipe. Nessa mesma ocasião, organizou-se o primeiro Núcleo em Mato Gross. O Maranhão foi conquistado a bordo do navio em que eu viajava. No Amazonas e Pará o companheiro Giudice lançara as primeiras pedras do alicerce que, mais tarde, Gustavo Barroso consolidaria.

Essa era a situação geral do Integralismo, quando prometi, em Vitória, a realização, no ano seguinte, do Primeiro Congresso Nacional da “Acção Integralista Brasileira”.

Nosso regresso de Vitória foi por terra. Pernoitamos em Campos. Falámos no dia seguinte na escola Normal e, à noite, no salão da Associação Comercial. Uma multidão cantava o Hino Nacional, quando partimos da cidade goitacá, rumo ao Rio.

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Aqui, Everaldo Leite nos aguardava com uma surpresa: os primeiros cem homens uniformizados, de camisa-verde, sob seu comando. Everaldo, desde então, ficou sendo o “centurião” Everaldo. Realizou-se o primeiro desfile na Capital da República.

Tanto no Rio, como em Niterói, o Movimento crescera regularmente. Fui para S. Paulo; ali, duas centenas de camisas-verdes me receberam na estação e me levaram ao bairro proletário da Moóca, onde o acadêmico Pimenta fez um discurso.

Os preparativos para o Congresso continuaram o resto do ano. Em dezembro, fixamos a data: 28 de fevereiro de 1934.

Quando chegou fevereiro, já o Integralismo em Guanabara estava instalado na rua 7 de Setembro, com muito mais conforto do que na saleta da rua Rodrigo Silva. Devíamos esse melhoramento à iniciativa de Sérgio Silva.

O incansável Madeira falava, sem cessar, pelos bairros e fundava os primeiros Núcleos da Província. Era uma obra de paciência, de dedicação extrema, de sacrifício, de tenacidade, da qual o Integralismo jamais poderá esquecer.

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Regressava, por esse tempo, do Norte, Gustavo Barroso, que levara a sua “Bandeira” até Belém do Pará. Os serviços prestados ao Movimento por Gustavo Barroso foram enormes. Viajaram em sua companhia Miguel Reale, Loureiro Junior, Herberto Dutra e Mário Brasil. Desde então, Gustavo entregou-se de corpo e alma à propaganda do Sigma. Tornou-se uma espécie de Raposo Tavares dos grandes “raids” pela carta geográfica do Brasil. Começou, ao mesmo tempo, a produzir livros, dedicando-se especialmente ao estudos das explorações que contra nós tem exercido o capitalismo internacional. Esse trabalho intenso desenvolvido por Gustavo, através da palavra falada e escrita, está integrado definitivamente na história do Integralismo.

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O nosso movimento tem sido o milagre realizado pelas dedicações de seus adeptos. Entre estas, devemos assinalar o esforço de Victor Pujol. Só eu sei o que lhe custou, o que lhe tem custado, a publicação, desde o início do Movimento, do “Monitor”. A unidade absoluta de normas, a uniformidade que verificamos em todos os Núcleos do país, o registro de todos os nossos passos, de todas as resoluções e atos da Chefia Nacional, nós devemos ao “Monitor”. E foi através do nosso órgão oficial que foram transmitidas todas as ordens para a realização do Congresso de Vitória.

Miguel Reale, por esse tempo, já era um grande valor, uma alta expressão do nosso Movimento. Ele trazia o sentido da revolução social, o império da juventude nova, que escandalizava a juventude velha e caudatária dos partidos. Publicara o seu livro "O Estado Moderno", com vinte e três anos de idade, livro que fez notável sucesso, tanto no país, como no estrangeiro. Quanto a Jehovah Motta, ele encarnava a mensagem viva do Nordeste, interpretando, por uma fatalidade geográfica, a aspiração da grande massa brasileira. Exprimia, por outro lado, o estado de espírito das modernas gerações militares, o doloroso complexo do Exército Nacional. De Minas, vinha Olbiano de Mello, com o sentido sindicalista e a inspiração nacionalista que o ligara a min, desde 1931.

Na hora dos trabalhos preparatórios do Congresso, aqui, no Rio, tive duas revelações, como capacidade de trabalho: Everaldo Leite e Loureiro Junior.

Everaldo apresentou-se aos meus olhos, como o mágico de toda a estruturação do grande Movimento. Inteligência viva, pronta no perceber meus pensamentos, ele os realizava com uma precisão extraordinária e com uma rapidez notável. Elucidava-me a respeito de pormenores, explicava-me com clareza certos aspectos da organização, Foi ele quem esquematizou todos os departamentos mais tarde transformados em secretarias, A Província de S. Paulo indicou-me, para meu auxiliar na Secretaria do Congresso, o seu Secretário Provincial Loureiro Junior, que conheci como orador, quando ofertou a bandeira Integralista que S. Paulo enviava à Guanabara. Eu não o conhecia ainda como "trabalhador" e foi nas noites em que vimos muitas vezes raiar a madrugada, debruçados sobre máquinas de escrever, que avaliei sua capacidade de produzir praticamente.

Aquelas noites que precederam o Congresso de. Victoria, e que passamos na rua Sele de Setembro, entre xícaras de cafés e fumaça de cigarros, dedilhar de máquinas diligentes, várias mesas onde varias comissões trabalhavam, e os meus passos, de um lado para outro, despertam-nos hoje uma vis saudade. Não me esqueço a última noite d'aqueles serões preparatórios. Estavam todos esfalfados, pela repetição do árduo trabalho noturno. O dia todo fora de uma atividade incrível, de modo que que ninguém pudera descansar minutos fossem. Quando chegou a madrugada, um por um foi capitulando, estendendo-se pelas cadeiras. Os últimos a se deixarem vencer incumbiram Reale de me falar trabalhava em nome dos exaustos. Enquanto eu trabalhava com Loureiro, na sala próxima, eles combinaram até a frase que deveria Reale dizer. Mas o orador estava tão morto de sono, que, em vez de repetir a fórmula ensaiada, que era "Chefe, os companheiros pedem que o sr. tenha pena de si mesmo", exclamou, com os olhos pesados: "Os companheiros pedem que o sr. tenha pena de nós". Foi uma risada geral da "comissão", que, afinal, viu raiar o dia. Estava tudo pronto, Embarcaríamos à noite.

*

Na estação da Leopoldina, o Brasil encontrou-se consigo mesmo, Minha emoção era profunda. Todas as Províncias mandavam seus representantes Alguns ainda viriam por mar, diretamente a Vitória. Mas ali estavam, para embarcar, S. Paulo, Minas, Ceará, Pernambuco, Guanabara, Santa Catarina, Mato Grosso, Goiáz, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro.

Jehovah Motta pergunta-me:

- Hoje é um grande dia para o sr., não é?

- Sonhei com este dia, longos anos, respondi-lhe.

E, no vagão alegre e cordial, eu tinha a impressão de que levava a minha Pátria.

Viajamos toda a noite e todo dia seguinte, Na estação de Domingos Martins, tivemos uma surpresa: um grupo de camisas-verdes veio saudar-nos. A noitinha, chegámos a Vitória. Não se descreve o entusiasmo dos camisas-verdes capixabas, quando, na sede local, exclamei: - "Aqui estou; venho cumprir a minha palavra: realizar o primeiro Congresso Nacional Integralista na vossa cidade".

 Espalharam-se pelos hotéis de Vitória os representantes de todas as Províncias. Algumas, como S. Paulo e Guanabara, enviaram grandes representações.

Realizamos sessões consecutivas, dia e noite, durante os dias 28, 29 de fevereiro e 1 de março. Os trabalhos em plenário eram dirigidos por Olbiano de Mello. Todo o peso dos serviços de secretaria ficou sobre os ombros de Everaldo Leite, que continuava a ser o realizador notável. As comissões revezavam-se, sob minha orientação. Nas caladas da noite, eu e Loureiro trabalhávamos e prolongávamos nossas atividades até ao romper da aurora, momento em que tomávamos uma lancha com Madeira de Freitas e íamos até ao mar alto. Regressávamos para o início das sessões ordinárias, Foi, assim, tudo estudado, discutido, resolvido: os Estatutos, os regulamentos, os protocolos.

Todos trabalhavam com vibrante emoção, Uma alegria íntima iluminava todos os semblantes. O povo de Vitória cercava os congressistas de gentilezas carinhosas: eram almoços, jantares, passeios, recepções. Aquilo tudo numa paisagem maravilhosa, porque Vitória é um presépio encanador.

Parece que estou vendo os companheiros Thompson, Padilha, Jehovah, Mayrink, Jayme Ferreira, Vieira da Silva, Corbisier, Angelo, Guedes, Stella, Andrade Lima, Osolino, Santos Maia, Graziano, Iracy, Leães, Moacyr Pereira, Jaqueira, Marcelino, Mello, Queiros Ribeiro, Pujol, Alpinolo, Finkenauer, Matrangula e tantos outros, inclusive a volumosa e bela representação capixaba, na sala de nossos trabalhos, nas mesas dos restaurantes, nas ruas de Vitória, vibrantes de alegria e de entusiasmo.

Em Vitória, julguei terminada a minha missão de fundador e de organizador, e entreguei, de surpresa, aos congressistas, a Chefia do Movimento, a fim de que eles decidissem sobre quem deveria continuar a comandar os camisas-verdes.

Arnaldo Magalhães assumiu a presidência da sessão  e durante alguns momentos foi chefe da A.I.B. O caso já havia sido resolvido, de antemão, pois todos previam que eu iria assumir aquela altitude. Arnaldo deu a palavra a Olbiano de Mello o qual leu uma Proclamação assinada pelos representantes de todas as Províncias, na qual me impunham a Chefia do Movimento. Tive de me curvar, por disciplina, até que um dia eu pudesse fazer nova consulta. quando a Integralismo fosse uma grande força nacional. Essa consulta fiz o ano passado no Teatro João Caetano e novamente me foi imposto este lugar, lugar que eu não quero dizer se é de sofrimentos ou de alegria, pois só Deus pode ler na minha consciência.

Talvez que uma e outra coisa se conjuguem. Mas só Deus entende estas coisas tão delicadas e tão profundas...

O dia 28 de fevereiro, dia da instalação do Congresso de Vitória foi por mim declarado naquele ano "o dia da vigília da Nação". Em todos os Núcleos integralistas do país, os camisas-verdes repetiram as mesmas palavras, na mesma hora.

Hoje, comemoramos mais um aniversário do grande acontecimento. O Integralismo já é uma força no Brasil. Já realizou muito. Já se impôs à benemerência pública. Já sofreu. Já perdeu vidas preciosas no combate ao comunismo. Já se alteou como um movimento de cultura e se aprofundou como uma revolução das almas.

Tendo diante de meus olhos, no dia de hoje, o pergaminho que o companheiro Thompson carinhosamente desenhou, nele escrevendo o texto da proclamação de Vitória, que me fez Chefe do Sigma.

Esse documento é o símbolo e a síntese do meu destino....

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 28 de Fevereiro de 1936.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

A HORA TRÁGICA (18/02/1936)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

A HORA TRÁGICA (18/02/1936)

Plínio Salgado

Espanha e França estão vivendo as suas horas trágicas.

É preciso que os brasileiros pensem, enquanto é tempo, sobre as circunstâncias que provocaram àquela hora trágica.

Na "Casa del Pueblo", em Madrid, foi hasteada a bandeira vermelha. Uma grande massa canta a Internacional pelas ruas da capital espanhola. Em Barcelona, há demonstrações e distúrbios da "esquerda". O governo castelhano, governo liberal democrata, governo centrista, governo inspirado por um socialismo "agua de flores de laranjeira", decretou o "estado de alarme", medida que não chega a ser o "estado de sítio”, medida contemporizadora, ineficaz.

Em França, agitam-se os extremistas. A pressão que o Governo faz sobre as "direitas" facilita a expansão dos bolchevistas encapotados, que se mascaram de socialistas, de liberais-democráticos, de defensores de liberdades públicas, e preparam os golpes violentos.

A hora presente é trágica para A Europa. A guerra da Abissínia, criando uma atmosfera de desconfiança entre a Itália e a Inglaterra, enfraquece as forças de resistência de uma velha civilização. O nacional-socialismo da Alemanha, si dermos crédito ao que noticiam as agências telegráficas, abre luta com as correntes católicas, e isso vem trazer também uma situação mórbida para o estado de espírito do povo alemão.

Não se pode negar que a hora é de angústia, de superexcitação, de dúvidas terríveis.

E tudo isso deve servir de lição aos povos jovens como os da América do Sul,

Povos jovens, que vivem artificialmente uma vida de velhice. Povos que estão também minados pelas mesmas enfermidades que depauperam os povos velhos.

A última revolução comunista no Brasil; a máquina revolucionária bolchevista que, se descobriu instalada no Uruguai; a recentíssima sedição soviética no Chile; a marcha franca e aberta do México, para o socialismo avançado; o estado de espírito na Argentina, no Paraguai, nos outros países sul-americanos, tudo isso está mostrando aos que ainda têm um pouco dessa coisa raríssima, tão pouco comum, que é o senso comum, os perigos iminentes que nos ameaçam.

É a velhice precoce.

Velhice à qual devemos opor, como único remédio as desgraças da Pátria, a força da mocidade, os ímpetos da juventude, a energia criadora e realizadora de novas gerações capazes de apreender o sentido dos fenômenos sociais contemporâneos, o processo segundo o qual se criam situações como essas que desesperam hoje a França e a Espanha.

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Também naqueles países, os políticos só cuidam de política. Mas de política rasteira, vergonhosa, restrita, de partidarismos mesquinhos. Os homens que fazem a política, em regra geral, ignoram os abismos sobre que pisam.

Lembro-me quando estive em Madrid, em 1930. Fui visitar o Palácio Real. O rei Affonso XIII estava veraneando, tranquilamente, em S. Sebastian. Conduziu-me, pelos amplos e imponentes salões, o Duque de Miranda. Ao chegarmos à sala dos Tronos, diante da grandeza majestática dos dois solenes e aurifulgentes dosséis dos reis de Espanha, não pude conter que não perguntasse: "Estes tronos estarão bem seguros?" A minha pergunta talvez não fosse bem compreendida. Mas eu tinha estado na rua e conversara com os carregadores, os engraxates, os jornaleiros, os empregados de comércio, os chauffeurs, lera, sobretudo, os jornais. Meses depois, os acontecimentos respondiam à minha pergunta, e aqueles tronos ruíam, sem ao menos a poesia de um episódio grandioso. A monarquia, em Espanha, acabou da maneira mais ridícula possível: com uma eleição.

Os políticos nunca sabem o que está acontecendo em redor. Estão sempre certos de que a sua posição é firme. Recordo-me bem dos últimos dias nos Campos Elísios, em S. Paulo. Tendo chegado da Europa, em outubro de 1930, com um manifesto integralista na mala, com um rumo novo a seguir, a minha dignidade pessoal me obrigou a ficar ao lado de um amigo, assistindo à agonia de uma situação. Essa agonia, porém, assumia um aspecto de optimismo. Ninguém acreditava que o Poder pudesse ser abalado. Altas horas da madrugada, eu e Menotti Del Picchia, sozinhos (os políticos só iam à tarde saber as últimas notícias), atravessávamos as alamedas, por entre as sentinelas alarmadas, dizendo: "Parece incrível que esta gente esteja tão fora da realidade!”.

Hoje, observo que incrível será que os homens que fazem a política estejam a par da realidade!

Sim! É condição mesmo dos que se agitam nos partidos do governo ou das oposições, não dar pelo que se passa em redor deles, na sombra.

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O que se passa hoje em Espanha e França mostra bem a cegueira dos políticos. Na Rússia, deu-se a mesma coisa, quando Kerensky estava no Poder. É prevalecendo-se dessas situações, que os comunistas agem e preparam o golpe técnico.

Os políticos não querem convencer-se de que uma situação nova surgiu no mundo. A democracia só poderá subsistir, si adoptar novos métodos de captação da vontade popular. O sufrágio universal está desmoralizado. É um instrumento de agitação, de enfermidade nacional, de anarquia dos espíritos, de lutas estéreis. Quando esse sufrágio universal se pratica num país como a Espanha, onde há os interesses regionais de províncias, como no caso da Catalunha, quase separatista, ele agrava de um modo profundo a doença politica do país.

Não existindo partidos nacionais, porém, apenas estaduais, essa circunstancia concorre para cegar de um modo absoluto os políticos. Olhando só para o interesse da política estadual, eles se esquecem, completamente, dos perigos que ameaçam a vida comum do país e não reparam que estão pisando sobre um vulcão.

O único meio de combater o extremismo, a marcha inexorável do bolchevismo, é criar a União Nacional. Mas essa União Nacional não pode, de maneira nenhuma, constituir-se de remendos, isto é, da fusão de partidos já existentes, pois não teria consistência nem estrutura para se manter.

Cegos e surdos, os políticos pensam, no auge da sua mania partidária, que a União Nacional pode se fazer fora do campo político. Organizam, então, entidades apolíticas, meramente educacionais, patrióticas, pensando que assim poderão continuar a fazer sua politiquice, enquanto os patriotas agem num campo neutro.

É o maior, o mais doloroso engano. O caso mundial, como o caso nacional, é um caso eminentemente, político e que só se resolve com política. A enfermidade é politica. Fora da política, pois, não haverá salvação.

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Que política será essa então, capaz de conjurar as tremendas ameaças desta hora trágica?

Por certo que não será a política com "p" minúsculo, a politicazinha dos partidos situacionistas ou oposicionistas que proliferam pelo país, e sim uma larga, superior Politica, com "P" maiúsculo, de visão panorâmica e ao mesmo tempo de raízes profundíssimas na alma nacional.

Na marcha em que vamos, cumpre que nos miremos nos espelhos da França e da Espanha. E os homens de bem, os homens de boa vontade, os homens que ainda colocam o Brasil acima dos interesses de facção, da possibilidade de cargos e posições brilhantes, que tenham um gesto de renúncia enquanto é tempo. Esse gesto de renúncia equivale a um gesto de conquista e de salvação até mesmo da carreira pessoal.

Eu sei que muitos não acreditarão no que digo; sei que muitos dirão com seus botões: "deixe-me ultimar este compromisso que tenho com Fulano de tal, ou com o partido "x", e depois conversaremos". Sei que muitos terminarão a leitura deste "aviso" e conversarão, em seguida, sobre outro assunto. Sim: eu sei de tudo isso. Mas, sabendo, cumpro o dever de erguer a voz, que é também a de todos os "camisas- verdes", a fim de que, no futuro, ninguém possa alegar que não foi advertido, que a sua atenção não foi despertada.

Enquanto isso, aguardemos os acontecimentos da França e da Espanha, onde os partidos liberais agonizam. Onde os governos pensam que a questão social é caso de polícia. Onde os homens do "centro" revelam mais rancor pelo patriotismo exaltado das correntes da direita do que pelos próprios comunistas.

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Marchamos hoje, no Brasil, para uma situação idêntica.

É com inquietação, que nos perguntamos: quanto tempo durará a atual situação daqueles dois países?

GII Robbles e Primo de Rivera hastearão sua bandeira de salvação nacional no Palácio do Governo de Madrid?

O coronel de la Rocque desfraldará seu pavilhão de legítima glória francesa sobre as margens do Sena?

Ou toda a cultura, toda a tradição, toda a história, toda a dignidade da França e da Espanha afundarão no aviltamento de um cativeiro ignominioso, em que esses povos bravos serão pisados pelo tacão da bota dos ladrões internacionais que atualmente governam a Rússia e pretendem governar o mundo?

Brasileiros: O resto entendereis de tudo quanto vos quero dizer. Não é preciso dizer mais para a vossa dignidade e amor ao Brasil.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 18 de Fevereiro de 1936.