quarta-feira, 24 de maio de 2023

EDMUNDO D’AMICIS (12/03/1936)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças a generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

EDMUNDO D’AMICIS (12/03/1936)

Plínio Salgado

Comemorou-se ontem Edmundo d'Amicis.

No momento atual, essa recordação comovida do autor de um dos mais belos livros patrióticos do mundo, tem uma altíssima significação, pelo que traz de incitamento e exemplo, principalmente pelo que desperta de ocultas energias no espírito nacional.

Infelizmente, ele não é um brasileiro. Não tivemos ainda um d'Amicis. Seu nacionalismo exaltado e sentimental tem um valor humano profundo. O gênio de d'Amicis é um gênio universal.

Todos nós, quando meninos, fomos seus leitores. E mesmo depois de grandes, é com particular alvoroço que abrimos as páginas imortais de "Il cuore".

Esse livro exprime o coração da Itália. Traz, porém, tal subsídio de forças essenciais humanas que exprime um eterno valor para todos os puros.

Nunca mais nos esquecemos da crônica diária do pequeno estudante. Do seu pequeno mundo escolar. Dos tipos psicológicos estampados tão ao vivo e refletindo as diferenciações regionais e individuais características.

Uma Nação que produz um livro como "Il cuore" deverá, mais cedo ou mais tarde, produzir um Mussolini. Um povo que possui páginas como a de "O pequeno estudante florentino", "O tamborzinho sardo", terá de produzir mais cedo ou mais tarde a luminosa falange dos "ballilas", assistir a marcha ovante dos "camisas-pretas".

Há no livro de Edmundo d'Amicis, não apenas o sentimento nacional, o amor da Pátria levado a mais luminosa altura, mas alguma coisa mais profunda, da qual depende à própria Pátria: o sentimento afetivo da família.

Sem família não há Pátria. O autor de "O coração" compreendeu isso de modo genial. Foi por isso, certamente, que ele pôs uma nota tão vibrante de emoção nas cartas que escreveu ao pequeno Henrique, sua mãe e seu pai. Foi por isso que ele criou a situação de tão rara intensidade dramática do pequeno escrevente que, alta madrugada, se levantava para ir dar conta da tarefa de seu pai. Quando este cai de joelhos diante do filho, o sentimento da família avulta com uma grandeza majestática.

Tudo nesse livro é delicadeza, fidalguia, cavalheirismo, bravura, ardor, elevação humana.

Nunca um povo teve, como a Itália, à felicidade de possuir um instrumento assim, maravilhoso de formação das gerações no culto mais puro de Deus, da Pátria e da Família.

Comemorando d'Amicis precisamos meditar um pouco sobre as crianças do Brasil. O abandono em que jazem à mingua de toda a educação moral é o maior crime que atualmente se perpetra contra a Nacionalidade.

O descaso com que nos temos notabilizado em relação, já não digo do estímulo que devemos a todas as iniciativas literárias e artísticas capazes de criar alguma coisa expressiva da alma nacional, revolta.

Nenhuma fiscalização exercemos sobre os livros que se publicam para as crianças do Brasil.

Posso dizer mesmo, pela experiência que tenho, pois há três anos estou em contato com as massas infantis do Brasil e atualmente tenho sob o comando da Secretaria Nacional respectiva cerca de cem mil meninos e meninas, posso dizer, sem receio de errar, que no Brasil não existe um único livro sequer na altura de formar o cérebro e o coração daqueles que deverão ser em dias futuros os responsáveis pelos destinos deste país.

Sem exceção, digo. Muitos perniciosos. Muitos antipedagógicos. Muitos difíceis. Muitos áridos. Muitos imorais. Muitos imbecis.

Esta última categoria é a que mais avulta. Nela têm colaborado personalidades até de projeção em nossa literatura para adultos.

Parece que temos o firme propósito de engendrar gerações de cretinos. Quanto à nota patriótica, nada mais artificial, nada mais forçado, árido, seco, convencional. No tocante à educação sentimental, nada. Nada de nada. A própria História do Brasil, a história do mundo, as lições de coisas, são plágios vergonhosos, orientações perniciosas, formas ridículas, estilo lamentável.

Não quero citar. Quero, apenas, aproveitar a oportunidade da comemoração de Edmundo d'Amicis e de "Il cuore", para me recordar de um projeto de lei que um deputado estadual, em São Paulo, no ano de 1928, ou 29, apresentou em plenário. Esse projeto foi aprovado por unanimidade, oposição e govêrno. Veio a revolução de 30. Derrubou tudo, inclusive essa iniciativa, que era a de mobilizar todos os escritores do Brasil, num concurso monstro, afim de que surgisse o livro que os meninos e meninas do Brasil necessitam e, mais do que eles, o futuro da nossa Pátria.

Dirijo, nestas linhas, um apelo aos escritores do Brasil. Para que deixem um pouco o cabotinismo ridículo a que se entregam, produzindo obras requentadas de um realismo sem originalidade, que passará como bolhas de sabão; para que deixem um pouco de fazer versos retorcidos e incompreensíveis. E vejam si é possível arrancar do cérebro alguma coisa tão humana e tão profunda como este livro genial de D'Amicis, para as novas gerações da nossa Pátria.

No dia em que o Brasil possuir qualquer coisa parecida com "Il cuore", podemos esperar para ele um radioso, formidável, majestático destino.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 12 de Março de 1936.

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