Esclarecimento: A
publicação do Artigo abaixo só foi possível graças a generosa colaboração do
Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da
História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o
acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito
Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando
indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/
EDMUNDO
D’AMICIS (12/03/1936)
Plínio
Salgado
Comemorou-se
ontem Edmundo d'Amicis.
No
momento atual, essa recordação comovida do autor de um dos mais belos livros patrióticos
do mundo, tem uma altíssima significação, pelo que traz de incitamento e exemplo,
principalmente pelo que desperta de ocultas energias no espírito nacional.
Infelizmente,
ele não é um brasileiro. Não tivemos ainda um d'Amicis. Seu nacionalismo exaltado
e sentimental tem um valor humano profundo. O gênio de d'Amicis é um gênio
universal.
Todos
nós, quando meninos, fomos seus leitores. E mesmo depois de grandes, é com
particular alvoroço que abrimos as páginas imortais de "Il cuore".
Esse
livro exprime o coração da Itália. Traz, porém, tal subsídio de forças essenciais
humanas que exprime um eterno valor para todos os puros.
Nunca
mais nos esquecemos da crônica diária do pequeno estudante. Do seu pequeno
mundo escolar. Dos tipos psicológicos estampados tão ao vivo e refletindo as diferenciações
regionais e individuais características.
Uma
Nação que produz um livro como "Il cuore" deverá, mais cedo ou mais
tarde, produzir um Mussolini. Um povo que possui páginas como a de "O
pequeno estudante florentino", "O tamborzinho sardo", terá de
produzir mais cedo ou mais tarde a luminosa falange dos "ballilas",
assistir a marcha ovante dos "camisas-pretas".
Há
no livro de Edmundo d'Amicis, não apenas o sentimento nacional, o amor da Pátria
levado a mais luminosa altura, mas alguma coisa mais profunda, da qual depende
à própria Pátria: o sentimento afetivo da família.
Sem
família não há Pátria. O autor de "O coração" compreendeu isso de
modo genial. Foi por isso, certamente, que ele pôs uma nota tão vibrante de
emoção nas cartas que escreveu ao pequeno Henrique, sua mãe e seu pai. Foi por
isso que ele criou a situação de tão rara intensidade dramática do pequeno
escrevente que, alta madrugada, se levantava para ir dar conta da tarefa de seu
pai. Quando este cai de joelhos diante do filho, o sentimento da família avulta
com uma grandeza majestática.
Tudo
nesse livro é delicadeza, fidalguia, cavalheirismo, bravura, ardor, elevação
humana.
Nunca
um povo teve, como a Itália, à felicidade de possuir um instrumento assim, maravilhoso
de formação das gerações no culto mais puro de Deus, da Pátria e da Família.
Comemorando
d'Amicis precisamos meditar um pouco sobre as crianças do Brasil. O abandono em
que jazem à mingua de toda a educação moral é o maior crime que atualmente se
perpetra contra a Nacionalidade.
O descaso com que nos temos notabilizado em relação, já não digo do
estímulo que devemos a todas as iniciativas literárias e artísticas capazes de criar
alguma coisa expressiva da alma nacional, revolta.
Nenhuma fiscalização exercemos sobre os livros que se publicam para as crianças
do Brasil.
Posso dizer mesmo, pela experiência que tenho, pois há três anos estou
em contato com as massas infantis do Brasil e atualmente tenho sob o comando da
Secretaria Nacional respectiva cerca de cem mil meninos e meninas, posso dizer,
sem receio de errar, que no Brasil não existe um único livro sequer na altura
de formar o cérebro e o coração daqueles que deverão ser em dias futuros os responsáveis
pelos destinos deste país.
Sem exceção, digo. Muitos perniciosos. Muitos antipedagógicos. Muitos difíceis.
Muitos áridos. Muitos imorais. Muitos imbecis.
Esta última categoria é a que mais avulta. Nela têm colaborado
personalidades até de projeção em nossa literatura para adultos.
Parece que temos o firme propósito de engendrar gerações de cretinos.
Quanto à nota patriótica, nada mais artificial, nada mais forçado, árido, seco,
convencional. No tocante à educação sentimental, nada. Nada de nada. A própria História
do Brasil, a história do mundo, as lições de coisas, são plágios vergonhosos,
orientações perniciosas, formas ridículas, estilo lamentável.
Não quero citar. Quero, apenas, aproveitar a oportunidade da comemoração
de Edmundo d'Amicis e de "Il cuore", para me recordar de um projeto
de lei que um deputado estadual, em São Paulo, no ano de 1928, ou 29,
apresentou em plenário. Esse projeto foi aprovado por unanimidade, oposição e
govêrno. Veio a revolução de 30. Derrubou tudo, inclusive essa iniciativa, que
era a de mobilizar todos os escritores do Brasil, num concurso monstro, afim de
que surgisse o livro que os meninos e meninas do Brasil necessitam e, mais do
que eles, o futuro da nossa Pátria.
Dirijo, nestas linhas, um apelo aos escritores do Brasil. Para que
deixem um pouco o cabotinismo ridículo a que se entregam, produzindo obras
requentadas de um realismo sem originalidade, que passará como bolhas de sabão;
para que deixem um pouco de fazer versos retorcidos e incompreensíveis. E vejam
si é possível arrancar do cérebro alguma coisa tão humana e tão profunda como
este livro genial de D'Amicis, para as novas gerações da nossa Pátria.
No dia em que o Brasil possuir qualquer coisa parecida com "Il
cuore", podemos esperar para ele um radioso, formidável, majestático
destino.
Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 12 de Março de 1936.
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