quarta-feira, 17 de abril de 2024

NEGÓCIOS DA CHINA (29/10/1936)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

NEGÓCIOS DA CHINA (29/10/1936)

Plínio Salgado

Por uma tarde azul, num velho castelo silencioso da região evocativa dos Mings, passeavam a sombra de amendoeiras floridas três antigos discípulos de La-Tzar, último remanescente das doutrinas de Confúcio.

Tão absorvidos se achavam em sua palestra, que nem davam tento do maravilhoso crepúsculo que incendiava de raios de ouro a silhueta da gigantesca muralha que fechava o horizonte, desde os tempos das mais remotas dinastias.

A República Celeste atravessava uma de suas crises periódicas e cada vez mais agravadas desde quando, arrancado do trono o último dos filhos do Céu, o Império se vira a braços com as revoluções frequentes e as tendências desagregantes do separatismo.

Nunca mais o país maravilhoso das torres de porcelana logrou sossego, nem nos rumorosos empórios de Cantão ou de Shangai, nem na sagrada e heráldica Pequim, nem nos campos, agora tão a miúdo escalavrados pelas rajadas de metralhadoras. Tudo era sobressalto. Nas estradas que iam em todas as direções, campeavam bandidos salteadores, até mesmo naquela, tão sagrada e tão veneranda, que conduzia, desde a foz do Rio Amarelo, ou do Rio Azul, às montanhas centrais, as longas peregrinações devotas em busca dos mosteiros onde os monges graves, de barbas graves, meditavam os segredos das letras misteriosas dos textos três vezes santos.

Tudo era sobressalto na República Celeste. E aproveitando a inquietação geral, as discórdias contínuas, homens estrangeiros, mais terríveis do que os ingleses, pregavam novas e mais cruentas lutas, levantando as massas de trabalhadores, que agora riam de Brahma e de Buddha e adoravam Lenine.

Os três comensais discutiam a questão da sucessão presidencial. A escolha do novo presidente poderia trazer lutas sangrentas e facilitar ao estrangeiro o domínio da Nação.

Cada Província tinha o seu governador. Destas, as três mais fortes deveriam decidir do problema da escolha do novo presidente. Esse assunto, de tal maneira absorvia os três filósofos, que eles nem viam a tarde cair, nem sentiam o aroma dos pobres caminhando meio curvados, com seus longos rabichos pendentes.

Uma das personagens chamava-se Wi-Keng-Tan. Seus companheiros eram Tu-Tzo-Kos e Tzo-Bling-Ho.

- Será de toda a conveniência, dizia Wi-keng- Tau, que o sucessor de Ge-Lang-Ge não tenha opositores. Julguei, a princípio, que Mo-He-Tzon, o mandarim da Terra do Arroz. pudesse galgar o alto posto. As coisas se encaminhavam para isso, mas Fu-Mang-Fu, o belicoso mandarim da Terra do Chá, precipitou tudo, desconcertando o trabalho que Buddha inspirava. E como Ge-Ling-Ge é o mais inteligente de quantos sábios Brahma tem enviado ao mundo, logo viu as manobras.

Parece-me, entretanto, disse Tzo-Bling-Ho, que meu amigo e senhor Mo-He-Tzon não desiste da sua candidatura. Ele preparou tudo, inclusive grande quantidade de "yeus", "libras". "dollares" e outros argumentos decisivos para mover o gênero humano e os escribas: possui um belo exército e, no que me parece, anima-o até mesmo o sorriso benévolo dos ingleses de Shangni e de Cantão. Se ele subir aos paramos das responsabilidades que Brahma lhe confiar, eu humildemente me candidato a substituí-lo no governo da Terra do Arroz, embora eu saiba que Mo-He-Tzon não me olha com os olhares benignos que dispensa a Bar-In-Mang, senhor de segredos filosóficos profundos.

Sim, disse Tu-Tro-Kos, bem sei a razão que impele Mo-He-Tzon a desejar o lugar de Ge-Lang- Ge. É natural. Pois o Departamento Nacional do Arroz não está em mãos dos experimentados mandarins da Terra do Arroz, entretanto, assim tem sido necessário, pois não parecia aos lavradores que as velhas doutrinas de La-Tzar fossem as mais adequadas à orientação daquele Departamento.

- E teremos, então, a luta? perguntava Wi- Keng-Tan Na verdade, bem infeliz é o regímen em que vivemos. Por isso, perante a Assembleia dos Mandarins, já declarei que este regímen está morto, e que possivelmente Buddha saiba para onde vamos. Em todo o caso, como homem de confiança que sou de Ge-Ling-Ge, vou propor que todos os chineses se unam, confiando a cinco sábios a solução deste grave problema.

- Mas isso não parece democrático, respondeu Tu-Tzu-kos; e nós, que defendemos a Democracia contra os bárbaros, tanto do Leão Siberiano, como dos adeptos do Komitang; nós, que nos declaramos os abencerragens do liberalismo, como iremos confiar a cinco pessoas o que, democraticamente, deveria caber a quatrocentos milhões de chineses?

- Já lhes disse, replicou Wi-Keng-Tau, que o regímen está podre. Não há outro remédio. Temos de confiar a poucos e esclarecidos, e à massa impor o que for mais conveniente.

Dias depois, em Pequim, eram escolhidos os cinco super-mandarínicos sábios. Eram cinco autênticos bonzos do Tibet. Cada qual mais sabido em magias brancas e negras, em mistérios do Himalaia e segredos dos Vedas.

Antes mesmo de se reunirem os astrólogos e monges no mais belo dos Pagodes da Celestial República, um deles, o mais célebre em conhecimentos quirológicos e nigromânticos, habilíssimo em cartomancia e mais sabedorias da kabala e das ciências ocultas, sabedor incomparável das doutrinas de Yogi e das ciências dos faquires, reuniu os três torturados mandarins e lhes segredou qualquer coisa aos ouvidos.

Os três exultaram. Logo se comunicaram, por meio de telepatia, com Mo-He-Tzon. Em seguida, partiram para a Terra do Arroz Tu-Tzo-Kos e Wi- Keng-Táu.

O povo chinês ficou esperando a reunião dos cinco bonzos, cujos nomes ainda ignorava. E os torturados mandarins foram combinar com Mo-He-Tzon o cambalacho patriótico, de alto alcance para a-Celestial República.

Que solução tinha sido achada?

O bonzo indiscreto andou dando com a língua nos dentes. E, em cochichos, a notícia correu Pequim, alcançou Cantão e Shangai, atingiu todas as cidades, até o Tibet e as Muralhas.

Os jornais da China nada deram. Mas Todo o mundo ficou sabendo que Ta-Tzo-Kos seria o candidato com apoio de Mo-Ho-Tzon. Que Tro-Bling-Ho seria nomeado para tomar conta do Departamento Nacional do Arroz. Que tudo correria tão frescamente e em tom tão azul como a tarde doce em que meditavam os três discípulos de La-Tzar.

Reinaria paz, em toda a República Celestial.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 29 de Outubro de 1936.

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