quarta-feira, 8 de maio de 2024

As duas faces de Satanás (1937)

 

As duas faces de Satanás (1937)

Plínio Salgado

O comunismo não é uma causa: é um sintoma. O mal não é o comunismo em si, porém as causas que geram o comunismo.

O comunismo, por consequência, não se acaba com violências, com opressões e fuzilamentos: acaba-se com a extinção das fontes de que ele provém.

É preciso encararmos o comunismo sob os dois aspectos pelos quais ele se apresenta: o intelectual e o moral.

Sob o aspecto intelectual, o comunismo só pode ser combatido, eficientemente, pela crítica, pelas ideias, no livro, na tribuna, na imprensa. Sob o ponto de vista moral, o comunismo só pode ser combatido pelas medidas que melhorem o sofrimento da massa e pelos exemplos de virtude.

Tanto o estado de espírito do intelectual como o estado de espírito do inculto, porém, sentimental, só podem ser substituídos por uma nova concepção da vida.

Será, porém, inútil, tanto a ação do pensamento como a ação do sentimento, se ela não for prestigiada pelo exemplo.

Estancar as fontes do comunismo, - eis o nosso trabalho.

* * *

Onde estão as fontes do comunismo?

No materialismo burguês.

Com que autoridade moral um materialista pode declarar-se inimigo do comunismo?

Sua atitude reacionária só consegue irritar ainda mais os humildes, os infelizes. Seu ódio anima o ódio dos contaminados pelo bolchevismo. Seus instintos sanguinários não fazem mais do que acender mais ao vivo as cóleras da multidão.

É muito comum hoje em dia escutar-se o burguês dizer: “Qual nada! O que o Governo devia fazer era fuzilar logo esses comunistas!”

A gente olha para o burguês. Está bem vestido, com o charuto na boca, acaba de descer o elevador do Jockey Clube, onde levou duas horas almoçando numa roda de elegante. Daqui a pouco, vai ter um encontro com uma mulher que não é a sua, no “hall” do Palace. Esta manhã esteve na praia, seminu, fazendo conquistas frinéias familiares. Tem uma renda farta. Vive à tripa forra. Sabe de numerosos casos de adultérios galantes e de cavações reles. E tem muita raiva dos comunistas. “Oh! O governo devia fuzilar essa caterva!”

O nosso homem vota um desprezo profundo pelos humildes. Essa gente, para ele, cheira a cebola e a suor. Grita com os criados, maltrata os garçons. Faz o maior pouco caso do estudante pobre, dos caixeiros, do soldado heroico, daqueles que guardam a sua casa, como cães de fila. Caçoa do brasileiro do sertão, que trabalha para sustentar o luxo das capitais. E, quando esse nédio burguês ouve falar em comunismo, logo diz: “Basta a polícia! “É meter-lhes as patas do cavalo, é varrê-los a metralhadora”.

* * *

Não. O comunismo não se combate assim. O burguês está enganado. Já se enganou desse modo na Espanha; está se enganando na França, como está se enganando no Brasil.

O comunismo é apenas um sintoma do materialismo grosseiro de que o burguês é a fonte originária.

O operário não quer mais acreditar em Deus? Mas quem foi que ensinou o operário a negar a Deus? Foi o burguês. O burguês que acha muito boa a religião para os velhos, os proletários, as crianças e as mulheres.

O nédio burguês é ateu, e não respeita a família, e não liga a Pátria. Leva uma vida de macaco, só pensando em prazeres, com o nariz a cheirar rabos de saia, os fundilhos alisados pelas poltronas e pelos almofadões dos carros de raça. Sua preocupação constante é o pano verde, a “garçonnière”, as paixões criminosas, a esperteza nos negócios.

Convém, para ele, que o operário seja religioso, porque assim não incomoda com rebeliões e desesperos. Convém que a esposa também o seja, porque assim se conforma com as suas ridículas atitudes de galo velho. Convém que as crianças também o sejam, para não darem trabalho com desobediências.

É assim o burguês. Para ele, a Pátria é coisa muito boa, porque a Pátria para ele não são os milhões de brasileiros que sofrem, porém, os soldados de polícia e os agentes de segurança, os investigadores e as metralhadoras. Isso é que é a Pátria, a Nação, para ele. Mas nem isso ele defende, porque é comodista. Deixa essa tarefa, a nós, camisas verdes, ao Exército Nacional, à Polícia, ao Governo. Ele materialista e gozador, não dá um passo. Exige, apenas, que não poupemos o comunista.

O Exército, diz o burguês, deve ser disciplinado, não se metendo em política. No íntimo o burguês materialista está convencido de o Exército existe para que ele, em plena segurança, possa conquistar e deflorar a filha do operário; para que ele possa refestelar-se no seu pijama de seda; possa atropelar com o seu automóvel o mísero velhinho ou a inocente criança que tiveram a petulância de se pôr à frente da sua máquina possante. Lá no fundo de seu coração empedernido, ele pensa que o Governo, o Chefe de Polícia, os militares, os camisas verdes, devem ser seus capangas, seus criados dóceis.

Estão muito enganados, os burgueses. O que, nós, integralistas, combatemos, em primeiro lugar, é o materialismo, o sensualismo, a grosseria dos sentimentos, o domínio dos instintos. Sem combater isso, como combateremos o comunismo?

* * *

Pois se o operário olha para o burguês e vê que ele, em todas as suas atitudes, proclama que a vida do homem acaba neste mundo; e se o burguês é o homem que sabe, que leu, que estudou; e se é com ele que o operário aprende, é lógico que o operário ficará sendo materialista, deseja ser também um bruto, um gozador e como não tem recursos, adere a uma doutrina que lhe diz: “O céu e o inferno são aqui mesmo: tratemos pois de gozar a vida tomando tudo dos burgueses!”

A filha do operário que se prostitui, levada na baratinha do burguezote, foi seduzida, primeiro, pelo luxo da burguesinha e pela opulência da burguesona. Os homens brutais, empolgados pelo instinto, que premeditam o assalto às famílias dos burgueses, para saciar a sua lascívia animalesca, não fazem mais do que imitar, de modo violento e cruel, o burguês que assaltou habilidosamente a casa do proletário, desonrando-lhe a filha.

É que o operário é uma obra do burguês. O burguês fez o operário à imagem e semelhança. A criatura agora se revolta contra o criador. Nada mais lógico, porque o burguês também se revoltou contra Deus, quando adotou um método de vida tão contrário aos mandamentos do Senhor.

O burguês é violento? O operário também o é. O burguês é lascivo? O operário também o é. O burguês é comodista, indiferente à Pátria? O operário também afirma que a Pátria é o estômago.

O burguês é cosmopolita? O operário é internacionalista. No fundo, são a mesma coisa.

Se o comunista prega o amor livre? Mas, o burguês, de há muito, já vive em poligamia.

O comunismo prega a destruição das religiões? Mas, o burguês, de há muito, está caçoando de todas as religiões.

O comunismo quer matar, trucidar? Mas o burguês também exige fuzilamentos.

Os comunistas não têm pena das famílias dos burgueses? E os burgueses terão pena das famílias infelizes, paupérrimas, deste país?

* * *

Burgueses! Eu e os camisas verdes viemos para vos salvar e salvar vossas famílias!

Burgueses! Eu vos chamo, em nome de Deus e da Pátria!

Vinde enquanto é tempo! Nós, integralistas, não vos odiamos quando dizemos estas verdades, que precisais ouvir, porque o Senhor, na sua infinita bondade, permitiu que alguém vos dissesse o que nunca ouvistes de ninguém, porque todos os que vos rodeavam eram hipócritas e não vos amavam.

Nós, camisas verdes, amamos profundamente o operário, como vos amamos também, burgueses, porque vós que oprimis com crueldade e eles, que rugem de cólera contra vós, todos sois brasileiros e sois humanos, e este Movimento Integralista é da Pátria e se anima de sentimentos de humanidade.

Nunca alguém disse ao operário e ao burguês esta palavra dura, que irrita, que queima, porém que desvenda os segredos profundos das desgraças atuais em todo o Universo.

Abrandai vosso coração de pedra; aplacai vossos instintos; elevai vosso espírito e vinde dar combate à fonte do comunismo, para que o comunismo se acabe.

* * *

Satanás veste sempre duas máscaras: a máscara da dor e a máscara do prazer. Quando o homem sofre, Satanás é a revolta, o desespero; quando o homem goza, Satanás é a voluptuosidade, a luxúria.

Satanás veste os andrajos da miséria para sacudir os punhos fechados, na saudação bolchevista. Satanás veste seda e enfeita-se de joias, para sorrir com indiferença e desprezo sobre o sofrimento dos humildes.

Satanás é o comunista que assassina à traição. Satanás é o homem rico e feliz, que assiste a esse crime, e sorri.

Satanás é a revolta das hetairas nos cubículos do Mangue. Satanás é a alegria triunfante dos “flirts” adulterinos das rodas elegantes.

Satanás é a indiferença, o comodismo, o ceticismo, a negação, a ruína de uma Pátria.

Ele se apoderou de vós burgueses, como se apoderou de muitos proletários. Ele entrou nos quartéis, é bem verdade. Mas, antes de entrar nas casernas, ele já havia entrado nos vossos salões, entre frases elegantes e costumes fáceis.

Urge que caminheis para nós.

Urge que vos salveis, burgueses.

Porque, de agora para sempre, já não podereis alegar ao Supremo Juiz que não ouvistes a verdade, que não apareceu alguém que afrontasse uma sociedade inteira para lhe lançar ao rosto seus crimes, enquanto é tempo de se evitar o castigo.

* * *

Na Família, pela Pátria, para Deus.

Mas que estas palavras não sejam apenas palavras. Que estas palavras sejam sacrifício e realidade profunda dos corações e das almas. Eis a grande, a única batalha contra o comunismo.

Eu acendi esta luz verde para mostrar na treva da hora presente o caminho por onde devereis passar, para não cairdes no precipício.

Há também as lâmpadas vermelhas, pelas quais vos estais guiando.

Não podereis dizer um dia que não tive o cuidado de iluminar todo o Brasil com as verdes lanternas humanas que evitam a queda nos profundos abismos.

SALGADO, Plínio. Páginas de Combate. Rio de Janeiro: Livraria H. Antunes, 1937; transcrito integralmente da pág. 07 até a pág. 16.

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