Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi
possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder
Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior
Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente,
é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o
trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/
CARTA A CASTRO ALVES (17/03/1937)
Plínio Salgado
Não sei onde estás, Castro Alves, se
naquela estrela que resplandece no crepúsculo, ou na luz do Cruzeiro, ou na
estrada de faiscante poeira da Via Láctea, onde caminhas, sentindo o infinito e
contemplando maravilhosas maravilhas... Talvez estejas hoje na onda verde do
mar da nossa terra, na esteira do "barco ligeiro" "que semelha
no mar doido cometa"... No murmúrio do vento, talvez?... No pampeiro que
varre a coxilha, no saveiro das praias que amaste, nos mosforós que cantam nas
chapadas esbraseadas?...
Eras bem o Brasil; deves estar, por
certo, nos cantos misteriosos que sobem das florestas; no rumor ignorado das
selvas, no desabrochar das flores; no ruído sutil dos insetos doirados e no
tatalar das azas das borboletas...
Este ar fino, que perpassa acariciando
as palmas dos coqueiros, nesta tarde abrasada de março, e que traz as perfumes
silvestres, parece que me diz que estás hoje, no dia do aniversário do teu
nascimento, em toda a carta geográfica da Grande Pátria.
Estás hoje, pois que te evocamos,
nesta delicada emoção que vibra no íntimo da nossa sensibilidade; estás nesta
nossa inquietação; estás nesta nossa amargura como estás em nossa mais decidida
esperança.
Ao dedilhar a máquina em que celebro o
teu aniversário, há vibrações misteriosas no meu ser. Tenho a impressão viva e
forte de que a tua alma espera de mim, não um artigo para o público, a teu res
peito, mas uma carta para o teu coração, a respeito do Brasil.
Há poucas horas, estive relendo as
tuas poesias, Poeta dos Escravos, poeta da selva americana, poeta do Brasil. Li
e reli, muitas vezes, estes versos tão oportunos, nestes dias de hoje:
Existe um povo que a bandeira empresta
p'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!
E deixa-a transformar-se nessa festa
em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta
que impudente na gávea tripudia?
Silêncio, Musa, chora e chora tanto
que o pavilhão se lave no teu pranto!
Auriverde pendão da minha terra,
que a brisa do Brasil beija e balança!
Estandarte que à luz do sol encerra
as promessas divinas da esperança...
Tu, que, da liberdade, após a guerra,
foste hasteado dos heróis na lança,
antes te houvessem roto na batalha,
que servires a um povo de mortalha...
Esses teus versos são proféticos, ó
Poeta iluminado! Não o sabias, quando os escrevestes. Horrorizava-te a só ideia
de que a Bandeira querida, a Bandeira da Pátria pudesse servir de mortalha a um
povo estrangeiro, ao povo africano.
Entretanto, nos dias de agora, o auriverde
pendão da nossa terra, em muitos lugares do Brasil, está servindo de mortalha
para si mesmo... Ha brasileiros que se servem dele para se escudarem, para
combaterem os legítimos defensores da Pátria. Há brasileiros secretamente
mancomunados com estrangeiros, para escravizar os seus compatriotas, apontando-os
como inimigos do pavilhão sagrado.
Há homens que juraram servir à
Bandeira do Brasil e que traem o juramento, usando das armas que a Nação lhes
confiou para matar seus irmãos e ferir traiçoeiramente a soberania da Pátria,
que eles pretendem subordinar aos bárbaros de Moscou.
Há filhos deste país que, ocupando
cargos públicos, servem-se da autoridade desses cargos para favorecer aos
invasores e para perseguir os defensores da dignidade nacional.
E tudo se faz em nome da Bandeira, pela
Bandeira, para a Bandeira, com a Bandeira, em razão da Bandeira, sob pretextos,
sob desculpas, sob sofismas arquitetados em torno da Bandeira.
A farda, que é uma continuação do pano
sagrado da Bandeira, a farda que deve ser enaltecida, cultivada, muitas vezes
cobre peitos em cujo recesso há corações que premeditam o assassínio de surpresa
de camaradas leais, fieis ao pavilhão sagrado do Brasil. Em novembro de 1935, a
nossa querida Bandeira presidiu ao drama doloroso em que vimos soldados do
Brasil se apresentarem como soldados de uma potência estrangeira, matando criminosamente
os bravos defensores da dignidade, da independência e da liberdade de um Povo.
Restou-nos o consolo de verificar que
o Exército Nacional soube defender a Bandeira da Pátria contra os que tramaram
nas sombras de suas próprias casernas.
No entanto, esse episódio trágico não
serviu nem de lição, nem de aviso. Os políticos continuam dividindo a Nação,
como se nada tivesse acontecido. E o Brasil continua ameaçado.
Se ressuscitasses, Poeta, o teu horror
seria mil vezes maior do que aquele que te inspirou o poema do "Navio Negreiro".
Se soubesses, que brasileiros separatistas ridicularizam a Bandeira Nacional,
cultuando as bandeiras das suas regiões! Se soubesses que uma tarde, em Campos,
a Bandeira Nacional foi atirada na sarjeta, sendo dali levantada pelos
camisas-verdes, que a trouxeram ao Rio, fazendo-a desfilar, pelas mãos de um
nobre operário, à frente de uma passeata realizada como reparação! Se soubesses
que na tua terra, na Bahia, a Bandeira Nacional foi enxovalhada, sendo também
levantada da sarjeta onde jazia, pelas mãos desses mesmos camisas-verdes, que
Ievaram, triunfalmente, por entre as aclamações de uma multidão revoltada! Se
soubesses que, algum tempo depois, esses camisas-verdes eram compelidos por
lei, a fechar as organizações militarizadas que tinham com o fito exclusivo de
defender a Bandeira da Pátria na esfera da vida civil, em cooperação com as Forças
Armadas do país! Se soubesses que inimigos do Brasil, míseros patrícios nossos
rendidos ao Soviete, participantes da traição de novembro, com a máscara de
liberais-democratas, defensores da Bandeira Nacional, conspiram contra essa
mesma Bandeira, maquinando a destruição dos camisas-verdes que a sustentam e por
ela se sacrificam! Se soubesses que na tua Bahia, esses camisas-verdes - os
únicos defensores civis da dignidade, da prioridade, da unicidade, da
imortalidade, da glória da Bandeira verde-amarela, foram presos, perseguidos,
oprimidos, proibidos de cantar o Hino da Pátria, de erguer o braço nessa
saudação condoreira, tão ao gosto do teu estro e tão ao gosto da tua Bahia,
quando passa a Bandeira traída, a Bandeira ofendida, a Bandeira iludida, a Bandeira
humilhada!
Sabes, Castro Alves, que no Brasil há
uma corrente de brasileiros que se subordina a banqueiros ingleses, outra a
banqueiros americanos, outra ao Soviete russo, outra à maçonaria internacional,
e que todas essas correntes já não possuem nenhum sentimento de verdadeiro amor
ao Brasil?
Sabes que o território brasileiro está
sendo, dia a dia, distribuído entre estrangeiros: que em Mato Grosso impera uma
companhia argentina numa vastíssima área: que no Amazonas dominam os americanos
do norte numa amplíssima concessão, e os japoneses numa dilatada sesmaria? Que
no Paraná uma grande porção do território pertence a ingleses? Que em Minas,
preparam-se concessões enormes a serem dadas estrangeiros, para que explorem o
nosso ferro? Que as quedas d'água do Brasil estão todas em mãos adventícias?
Sabes, Castro Alves, que a maravilhosa Cachoeira de Paulo Afonso, que cantaste,
aquele gigante cujo "mugido soturno rompe as trevas", não pertence
mais ao Brasil?
Sabes que estamos endividados e
escravizados; que estamos divididos por mesquinhas lutas políticas; que estamos
nos enterrando no lodo de um torpe materialismo? Sabes que o caboclo do Brasil
se encontra desamparado, doente, roído de maleita, de verminose, sem nenhum
conforto e sem nenhum amparo, enquanto o colono estrangeiro é protegido, estimulado,
favorecido?
Que significa a cena do "Navio
Negreiro" diante desse espetáculo da autodestruição de um Povo?
Se vivesses hoje!
Verias as últimas reservas das
energias nacionais se levantarem e escutarias a perversidade cínica dos que
tripudiam sobre as angustias de um Povo, apontá-las como inimigas da ordem.
Verias milhares de sertanejos da tua Bahia se erguerem, para salvar o patrimônio
das tradições nacionais e verias esses sertanejos, em nome da própria Bandeira
Nacional, serem sufocados e reduzidos ao silêncio, a fim de que os políticos
pudessem agir livremente e rolar pelo declive da desgraça arrastando o
Brasil...
Que poema escreverias! Que formidável
poema!
Quando presenciasses o sofrimento dos
verdadeiros brasileiros, dos verdadeiros defensores da Bandeira Verde-Amarela,
dos verdadeiros campeões da Unidade da Pátria; quando visses a Justiça, de
braços cruzados, sob a égide do Pavilhão Sagrado; quando visses os chamados
homens de responsabilidade, completamente indiferentes à sorte dos mártires,
sob o patrocínio do Pendão auriverde; quando visses os comunistas rirem das
prisões e dos vexames padecidos pelos camisas-verdes que foram condenados por
Dimitroff, em Moscou; quando visses os patriotas ridicularizados, injuriados,
caluniados, esquecidos, vilipendiados, encarcerados, muitos espancados, com os
lares varejados, com os direitos de cidadania suspensos arbitrariamente e tudo
isso em nome da Bandeira, pela Bandeira, a pretexto da Bandeira, levado à cena
da História pelos traidores da Bandeira, pelos impostores da Bandeira, pelos
assassinos da Bandeira, então, Castro Alves, repetirias com mais ardor, com
mais emoção, os teus versos sagrados e proféticos:
Auriverde pendão da minha terra
que a brisa do Brasil beija e balança.
Estandarte que à luz do sol encerra
as promessas divinas da esperança!
Tu, que da liberdade após a guerra
foste hasteado dos heróis na lança,
antes te houvessem roto na batalha
que servires a um povo de mortalha
Mas, Castro Alves, nesta conversa que
estou tendo contigo, te direi: nem roto na batalha, nem mortalha de um Povo
será o auriverde pendão, que tanto amaste. Aqui estamos, camisas-verdes do
Brasil. Chegamos a tempo. Nada nos destruirá. Força alguma nos deterá. Estamos
alerta. Um dia faremos desse auriverde pendão da nossa terra a expressão da maior
força, da maior civilização da América.
Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 17 de Março de 1937.
Nenhum comentário:
Postar um comentário