domingo, 18 de fevereiro de 2024

CARTA A CASTRO ALVES (17/03/1937)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

CARTA A CASTRO ALVES (17/03/1937)

Plínio Salgado

Não sei onde estás, Castro Alves, se naquela estrela que resplandece no crepúsculo, ou na luz do Cruzeiro, ou na estrada de faiscante poeira da Via Láctea, onde caminhas, sentindo o infinito e contemplando maravilhosas maravilhas... Talvez estejas hoje na onda verde do mar da nossa terra, na esteira do "barco ligeiro" "que semelha no mar doido cometa"... No murmúrio do vento, talvez?... No pampeiro que varre a coxilha, no saveiro das praias que amaste, nos mosforós que cantam nas chapadas esbraseadas?...

Eras bem o Brasil; deves estar, por certo, nos cantos misteriosos que sobem das florestas; no rumor ignorado das selvas, no desabrochar das flores; no ruído sutil dos insetos doirados e no tatalar das azas das borboletas...

Este ar fino, que perpassa acariciando as palmas dos coqueiros, nesta tarde abrasada de março, e que traz as perfumes silvestres, parece que me diz que estás hoje, no dia do aniversário do teu nascimento, em toda a carta geográfica da Grande Pátria.

Estás hoje, pois que te evocamos, nesta delicada emoção que vibra no íntimo da nossa sensibilidade; estás nesta nossa inquietação; estás nesta nossa amargura como estás em nossa mais decidida esperança.

Ao dedilhar a máquina em que celebro o teu aniversário, há vibrações misteriosas no meu ser. Tenho a impressão viva e forte de que a tua alma espera de mim, não um artigo para o público, a teu res peito, mas uma carta para o teu coração, a respeito do Brasil.

Há poucas horas, estive relendo as tuas poesias, Poeta dos Escravos, poeta da selva americana, poeta do Brasil. Li e reli, muitas vezes, estes versos tão oportunos, nestes dias de hoje:

Existe um povo que a bandeira empresta

p'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!

E deixa-a transformar-se nessa festa

em manto impuro de bacante fria!...

Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta

que impudente na gávea tripudia?

Silêncio, Musa, chora e chora tanto

que o pavilhão se lave no teu pranto!

 

Auriverde pendão da minha terra,

que a brisa do Brasil beija e balança!

Estandarte que à luz do sol encerra

as promessas divinas da esperança...

Tu, que, da liberdade, após a guerra,

foste hasteado dos heróis na lança,

antes te houvessem roto na batalha,

que servires a um povo de mortalha...

Esses teus versos são proféticos, ó Poeta iluminado! Não o sabias, quando os escrevestes. Horrorizava-te a só ideia de que a Bandeira querida, a Bandeira da Pátria pudesse servir de mortalha a um povo estrangeiro, ao povo africano.

Entretanto, nos dias de agora, o auriverde pendão da nossa terra, em muitos lugares do Brasil, está servindo de mortalha para si mesmo... Ha brasileiros que se servem dele para se escudarem, para combaterem os legítimos defensores da Pátria. Há brasileiros secretamente mancomunados com estrangeiros, para escravizar os seus compatriotas, apontando-os como inimigos do pavilhão sagrado.

Há homens que juraram servir à Bandeira do Brasil e que traem o juramento, usando das armas que a Nação lhes confiou para matar seus irmãos e ferir traiçoeiramente a soberania da Pátria, que eles pretendem subordinar aos bárbaros de Moscou.

Há filhos deste país que, ocupando cargos públicos, servem-se da autoridade desses cargos para favorecer aos invasores e para perseguir os defensores da dignidade nacional.

E tudo se faz em nome da Bandeira, pela Bandeira, para a Bandeira, com a Bandeira, em razão da Bandeira, sob pretextos, sob desculpas, sob sofismas arquitetados em torno da Bandeira.

A farda, que é uma continuação do pano sagrado da Bandeira, a farda que deve ser enaltecida, cultivada, muitas vezes cobre peitos em cujo recesso há corações que premeditam o assassínio de surpresa de camaradas leais, fieis ao pavilhão sagrado do Brasil. Em novembro de 1935, a nossa querida Bandeira presidiu ao drama doloroso em que vimos soldados do Brasil se apresentarem como soldados de uma potência estrangeira, matando criminosamente os bravos defensores da dignidade, da independência e da liberdade de um Povo.

Restou-nos o consolo de verificar que o Exército Nacional soube defender a Bandeira da Pátria contra os que tramaram nas sombras de suas próprias casernas.

No entanto, esse episódio trágico não serviu nem de lição, nem de aviso. Os políticos continuam dividindo a Nação, como se nada tivesse acontecido. E o Brasil continua ameaçado.

Se ressuscitasses, Poeta, o teu horror seria mil vezes maior do que aquele que te inspirou o poema do "Navio Negreiro". Se soubesses, que brasileiros separatistas ridicularizam a Bandeira Nacional, cultuando as bandeiras das suas regiões! Se soubesses que uma tarde, em Campos, a Bandeira Nacional foi atirada na sarjeta, sendo dali levantada pelos camisas-verdes, que a trouxeram ao Rio, fazendo-a desfilar, pelas mãos de um nobre operário, à frente de uma passeata realizada como reparação! Se soubesses que na tua terra, na Bahia, a Bandeira Nacional foi enxovalhada, sendo também levantada da sarjeta onde jazia, pelas mãos desses mesmos camisas-verdes, que Ievaram, triunfalmente, por entre as aclamações de uma multidão revoltada! Se soubesses que, algum tempo depois, esses camisas-verdes eram compelidos por lei, a fechar as organizações militarizadas que tinham com o fito exclusivo de defender a Bandeira da Pátria na esfera da vida civil, em cooperação com as Forças Armadas do país! Se soubesses que inimigos do Brasil, míseros patrícios nossos rendidos ao Soviete, participantes da traição de novembro, com a máscara de liberais-democratas, defensores da Bandeira Nacional, conspiram contra essa mesma Bandeira, maquinando a destruição dos camisas-verdes que a sustentam e por ela se sacrificam! Se soubesses que na tua Bahia, esses camisas-verdes - os únicos defensores civis da dignidade, da prioridade, da unicidade, da imortalidade, da glória da Bandeira verde-amarela, foram presos, perseguidos, oprimidos, proibidos de cantar o Hino da Pátria, de erguer o braço nessa saudação condoreira, tão ao gosto do teu estro e tão ao gosto da tua Bahia, quando passa a Bandeira traída, a Bandeira ofendida, a Bandeira iludida, a Bandeira humilhada!

Sabes, Castro Alves, que no Brasil há uma corrente de brasileiros que se subordina a banqueiros ingleses, outra a banqueiros americanos, outra ao Soviete russo, outra à maçonaria internacional, e que todas essas correntes já não possuem nenhum sentimento de verdadeiro amor ao Brasil?

Sabes que o território brasileiro está sendo, dia a dia, distribuído entre estrangeiros: que em Mato Grosso impera uma companhia argentina numa vastíssima área: que no Amazonas dominam os americanos do norte numa amplíssima concessão, e os japoneses numa dilatada sesmaria? Que no Paraná uma grande porção do território pertence a ingleses? Que em Minas, preparam-se concessões enormes a serem dadas estrangeiros, para que explorem o nosso ferro? Que as quedas d'água do Brasil estão todas em mãos adventícias? Sabes, Castro Alves, que a maravilhosa Cachoeira de Paulo Afonso, que cantaste, aquele gigante cujo "mugido soturno rompe as trevas", não pertence mais ao Brasil?

Sabes que estamos endividados e escravizados; que estamos divididos por mesquinhas lutas políticas; que estamos nos enterrando no lodo de um torpe materialismo? Sabes que o caboclo do Brasil se encontra desamparado, doente, roído de maleita, de verminose, sem nenhum conforto e sem nenhum amparo, enquanto o colono estrangeiro é protegido, estimulado, favorecido?

Que significa a cena do "Navio Negreiro" diante desse espetáculo da autodestruição de um Povo?

Se vivesses hoje!

Verias as últimas reservas das energias nacionais se levantarem e escutarias a perversidade cínica dos que tripudiam sobre as angustias de um Povo, apontá-las como inimigas da ordem. Verias milhares de sertanejos da tua Bahia se erguerem, para salvar o patrimônio das tradições nacionais e verias esses sertanejos, em nome da própria Bandeira Nacional, serem sufocados e reduzidos ao silêncio, a fim de que os políticos pudessem agir livremente e rolar pelo declive da desgraça arrastando o Brasil...

Que poema escreverias! Que formidável poema!

Quando presenciasses o sofrimento dos verdadeiros brasileiros, dos verdadeiros defensores da Bandeira Verde-Amarela, dos verdadeiros campeões da Unidade da Pátria; quando visses a Justiça, de braços cruzados, sob a égide do Pavilhão Sagrado; quando visses os chamados homens de responsabilidade, completamente indiferentes à sorte dos mártires, sob o patrocínio do Pendão auriverde; quando visses os comunistas rirem das prisões e dos vexames padecidos pelos camisas-verdes que foram condenados por Dimitroff, em Moscou; quando visses os patriotas ridicularizados, injuriados, caluniados, esquecidos, vilipendiados, encarcerados, muitos espancados, com os lares varejados, com os direitos de cidadania suspensos arbitrariamente e tudo isso em nome da Bandeira, pela Bandeira, a pretexto da Bandeira, levado à cena da História pelos traidores da Bandeira, pelos impostores da Bandeira, pelos assassinos da Bandeira, então, Castro Alves, repetirias com mais ardor, com mais emoção, os teus versos sagrados e proféticos:

Auriverde pendão da minha terra

que a brisa do Brasil beija e balança.

Estandarte que à luz do sol encerra

as promessas divinas da esperança!

Tu, que da liberdade após a guerra

foste hasteado dos heróis na lança,

antes te houvessem roto na batalha

que servires a um povo de mortalha

Mas, Castro Alves, nesta conversa que estou tendo contigo, te direi: nem roto na batalha, nem mortalha de um Povo será o auriverde pendão, que tanto amaste. Aqui estamos, camisas-verdes do Brasil. Chegamos a tempo. Nada nos destruirá. Força alguma nos deterá. Estamos alerta. Um dia faremos desse auriverde pendão da nossa terra a expressão da maior força, da maior civilização da América.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 17 de Março de 1937.

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