terça-feira, 24 de outubro de 2023

A PRIMEIRA ESTROFE DE UM POEMA (12/02/1936)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

A PRIMEIRA ESTROFE DE UM POEMA (12/02/1936)

PLINIO SALGADO

Fui a São João d’El-Rey para realizar um Congresso Universitário.

Minas Gerais veio ao meu encontro e realizou uma apoteose política.

Fui a tradicional cidade de Bárbara Heliodora, para aplacar um pouco a chama viva que arde no meu espírito e iluminar-me da luz suave e tranquila da meditação e do estudo com os moços do Brasil.

Porém, Minas Gerais rebentou num vulcão de patriotismo e incendiou-me ainda mais, e eu me deixei queimar nas labaredas de um entusiasmo arrebatador.

Fui procurar nas montanhas a monotonia propicia à meditação. Mas a alma mineira estava inquieta e se levantou como um ciclone; e eu me transfigurei na febre da grande poesia da Pátria e meu coração bateu apressado como o coração de Minas Gerais.

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Eu pretendia fazer o meu maior discurso, o mais sentido, o mais doloroso, o mais comovido, entregando aos universitários do Brasil a herança de todo o meu sacrifício, a construção de três anos, as bases de um Pensamento Novo, de um conceito novo de Estado, de uma concepção nova de política, de um sentimento profundo de unidade nacional, de um método de pesquisa, ao mesmo tempo de análise e supervisão, o sentido superior de um plano vasto de realizações continentais; entretanto, Minas - a magica - interceptou a minha oração, cortou a minha voz, e, em vez de fazer um discurso, assumi uma atitude.

Não selei com minha palavra o encerramento de um Congresso; abri, com uma resolução, o caminho de uma gloriosa marcha.

Fui para fazer um testamento, mas pratiquei um ato de posse. Em vez de outorgar uma herança, Minas Gerais transmitiu-me um novo espólio: o espólio das suas tradições, o patrimônio da sua alma generosa, imensos latifúndios morais.

Desejei descompromissar-me com o Futuro, e assumi dobradas responsabilidades para com ele.

Levei uma atitude de renúncia, voltei com uma atitude de conquista.

Minha alma sentia já o tédio infinito da direção em que a massa despótica pretende plasmar ao seu arbítrio tirânico a fisionomia do dirigente; ela regressou com a força da criação, a energia dominadora, a disposição do comando e da imposição da minha vontade.

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Minas Gerais, desde o pequeno povoado de Mathias Barbosa, onde uma cavalaria de crianças rompeu a marcha da multidão; e, através de Juiz de Fora, magnífica na sua mística da Nacionalidade; a humilde Paula Lima, com seus camisas-verdes camponeses; a entusiástica Santos Dumont, com sua empolgante sessão no teatro; a antiga Barbacena, insistente por me ouvir; e, finalmente, São João d’El-Rey, a imprevista e imponente, com sua gigantesca manifestação; e, ainda, os ecos vibrantes que me vieram da Zona da Mata, do Sul de Minas, do Triangulo, do Centro, - Minas Gerais falou tão alto aos meus ouvidos, exprimiu-se de modo tão eloquente, tão decisivo, que eu senti no recesso do meu espírito as vozes imperativas das minhas próprias forças no seu máximo esplendor.

O Congresso Universitário, que teria de ser uma finalidade em si mesmo, tornou-se uma etapa, um meio de ação, um estímulo de luta e uma certeza de vitória.

Pensei que ele fosse um fim de capítulo, mas ele foi o começo de um poema.

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Acreditei ir ver ali a linha divisória do Futuro. Julguei que, era a culminância de uma escalada, eu veria o divisor das aguas; porém, ao contrario, percebi que o meu Futuro ainda está nas minhas mãos, porque esse foi o milagre e a revelação maravilhosa de Minas Gerais.

Não escalei, à maneira de Moisés, o Monte Nebo, para contemplar a Terra Prometida, e fechar os olhos sem lhe sentir de perto, a cor, o perfume, o esplendor: mas, ao inverso, galguei os desfiladeiros de uma época, para atingir o outro lado, a realização, integrando o Pensamento na Realidade.

Supus que este 1936 fosse a crista de uma cordilheira; ao contrario, é, para mim, um desenrolar de planalto ao sol da vida.

E, pensando na possibilidade do Zenith do grande astro, observei a sua ascensão.

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Notei que estou nas horas primeiras, nas horas iniciais, no alvor de um dia cuja extensão excede aos dias comuns.

Tive a certeza das jornadas felizes e embalou-me o encanto das lutas tonificadoras.

Chamei o Futuro, para que eu pudesse ver minha Esperança. O Futuro era a mocidade universitária da Pátria. Esse Futuro, porém, fez de mim sua própria Esperança, e eu tive de acreditar nela, porque todos acreditavam.

Fui para obter promessas e tive de fazer promessas.

.Fui para receber juramentos tive de fazer um juramento.

Reuni os universitários da Pátria para com eles fazer um espelho e procurar nele a minha própria imagem nos dias vindouros e nos séculos remotos. Eles, porém, olharam para mim e fizeram de mim o seu espelho.

Fundimo-nos, então, num único sonho e compreendi a fatalidade das energias perenes, das forças constantemente renovadas, a plenitude, o esplendor solar.

É que Minas Gerais estava de pé e na manifestação de seu entusiasmo, realizava a magia suprema de Josué: o sol parava, para a juventude da Pátria, e misteriosas harmonias cantavam no coração de todos os inquietos.

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Nunca me esquecerei desse episódio histórico, desse épico- memorável, que foi o da noite de 10 de fevereiro, na cidade natal de Tiradentes. A alma de Minas Gerais, erguendo-se nas multidões, com o antigo e sempre novo sentido de libertação que fulgiu na Inconfidência, cantou em nossos espíritos. O Passado e o Presente se fundiram na visão do Futuro.

Todo o sentido cultural do Congresso transmudou-se no sentido político. As disposições para a meditação foram sacudidas pela realidade mais forte da brutalidade e do desrespeito.

Fomos com a alma de eremitas para o árido deserto dos estudos ásperos; recuperámos a alma dos guerreiros nas cristas das montanhas que, no desenrolar dos panoramas, das cordilheiras, reclamam liberdade.

Subimos como os que procuram um Tibet contemplativo: voltamos como quem achou os Alpes que despertaram as almas de Cezar, de Aníbal e de Bonaparte.

Pensando que iríamos ter uma cena final de ceia evangélica, tivemos as cenas primeiras de um acampamento em vésperas de batalhas.

Levando a meditação, encontramos a luta.

Subindo como Sócrates, voltamos com a paixão de Demóstenes e o ímpeto de Felipe da Macedônia. Subindo como Lavoisier, descemos como Danton. Procurando o Cenáculo, encontramos a sala do “jogo de pela”.

Pretendendo encerrar, abrimos.

Eu e os universitários nos integrámos, nos fundimos, nos identificámos, num só juramento.

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As montanhas de Minas Gerais têm isso de misterioso. Do jurista Claudio Manoel da Costa faz um agitador. Do poeta Dirceu faz um revolucionário. Da alma ingênua de Marilia, faz um poema de firmeza. Das virtudes domesticas de Barbara Heliodora, faz as virtudes cívicas que se expandem exaltadas. Do alferes Xavier faz um mártir.

Minas Gerais operou o milagre supremo do Integralismo. O povo, levantando-se, transfigurou-nos. O povo castigado por nos amar, espicaçou-nos de estímulo. Suas aclamações confirmaram nosso batismo de brasilidade e nosso ímpeto renovador. Deixou de haver ali um condutor e uma massa de moços estudantes, para haver a comunhão única de todas as forças e a gloria de uma nova energia.

O Integralismo tem agora, mais do que nunca, uma decisão irrevogável de comando. Não! Não era possível escrever-se um fim de capítulo; urgia a primeira - notem bem - a primeira estrofe de um poema, que agora começa na plenitude de sua estranha beleza e de seu misterioso esplendor.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 12 de FEVEREIRO de. 1936.

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