sexta-feira, 15 de abril de 2022

Federação e Unidade Nacional (1965)



Esclarecimento: O Artigo abaixo foi publicado em jornal pelos “Diários Associados, mas, o recorte que dispomos não trazia a data da publicação. Felizmente, graças ao impressionante trabalho de pesquisa sobre o Integralismo em fontes primárias, o brilhante pesquisador Matheus Batista pode nos informar que a data da edição foi 07 de Dezembro de 1965.

Em breve, o Companheiro Matheus Batista publicará uma sensacional Obra sobre o Integralismo. Aguardem!

Federação e Unidade Nacional (1965)

Plínio Salgado

A Unidade Nacional Brasileira constitui um dos fenômenos políticos mais notáveis do mundo. Não se trata de uma unidade compulsória, como foi o caso do Império Romano, ou dos impositivos de guerras vitoriosas, como as de conquista empreendidas pelos Czares da Rússia, que sucessivamente foram abrangendo largos territórios. Em ambos os casos verificou-se uma unidade de aparência, mas não de essência. Os povos submetidos continuaram a falar em suas línguas próprias, multiplicadas em dialetos, mantendo o culto de suas religiões e as normas tradicionais de seus costumes.

 

No Brasil, entretanto, em extensão quase equivalente àqueles Impérios, conservaram-se a mesma língua, a mesma religião, os mesmos hábitos, com ligeiras variantes de características regionais. E, mais do que isso: um sentimento comum de Pátria, que identifica o amazonense e o gaúcho, os paulistas e mineiros aos nordestinos e às populações do Centro-Oeste. A que atribuir tão pasmosa unidade?

 

Historiadores e sociólogos procuram penetrar no mistério desse enigma; opiniões divergem, mas o problema continua desafiando a argúcia dos pesquisadores.

 

Tenho para mim que a causa principal da nossa unidade está no espírito ecumênico do colonizador português. Aquele povo, de pouco mais de um milhão de habitantes ao tempo das descobertas, herdou dos romanos o sentido universalista no trato com os povos. Em vez de impor, adaptou-se ao que encontrava como realidade social e soube conformar-se às circunstâncias geográficas, climáticas e regionais. Sem preconceitos de raça, cruzou-se com os autóctones e, depois com as correntes africanas e europeias que confluíram no Novo Mundo. Sem intolerância religiosa, pregou o Evangelho, mas não violentou nem os índios nem os negros, não exercendo sobre eles a crueldade dos arbítrios inquisitoriais. Sem exorbitância de uma política centralizadora, deixou germinar e crescer a futura Nação, consoante com o pensamento dos juristas e a clarividência dos Reis.

 

A evolução do povo brasileiro teria, porém, justamente em razão da política dos colonizadores, a partir de D. João III, de desenvolver-se entre as forças contrastantes de uma antinomia, que perdurou na Colônia, no Império e manifestou-se claramente na República. De um lado, a atração centrista da Autoridade Central, do outro a expansão centrífuga dos imperativos regionais, aos quais devemos acrescentar inicialmente o espírito do Homem Renascentista, sequioso de liberdade e de aventura e, posteriormente, o do racionalismo do século XVII e o libertarismo do século XVIII.

 

A necessidade inerente ao plano da colonização levou a Metrópole a dividir o vasto território em capitanias. Falou o bom senso, considerada a extensão da área a colonizar e a civilizar. Começam, aí as diferenciações de interesses das várias partes do País. Fracassado o plano, em grande parte das Capitanias, recorre-se a um Governo Geral. Viu-se, depois, que o Norte era diferente do Sul e que o Brasil precisava de dois governos.

 

No curso do século XVIII, acentua-se a antinomia entre o respeito à Metrópole e o libertarismo da Nação nascente. O sentimento de fidelidade à Portugal manifestara-se já nas guerras contra os holandeses, franceses e ingleses e, principalmente, quando os pernambucanos foram retomar Angola, para entregá-la à Pátria-Mãe. Exprime-se ainda no gesto de Amador Bueno, aclamado rei dos paulistas e rejeitando a coroa por ser fiel a Portugal. Por outro lado, falam os sentimentos regionalistas e individualistas, que revelam o Homem da América, de movimentos livres e soberana audácia. Tal estado de espírito irá manifestar-se na Inconfidência Mineira e na revolução americana de 1817.

 

Assim, chegamos à Independência. Agora, que o Poder Central se deslocava de Lisboa para o Rio de Janeiro, explodem os ímpetos de autonomia regional. O Brasil está ameaçado pelo separatismo. Por que? Pelo excesso de centralização do Poder. É o mesmo que se deu na Argentina, conforme assinala Sarmiento no seu livro sobre Facundo Quiroga.

 

Apagadas as chamas da segunda revolução pernambucana de 1824, acende-se dez anos depois o incêndio da Guerra dos Farrapos. É a República de Piratini contra os arbítrios do Poder Central. Depois de pacificado o Rio Grande do Sul, pelo esforço ingente de Diogo Antônio Feijó, foi este mesmo que, unido ao brigadeiro Tobias em São Paulo e a Teófilo Otoni em Minas, deflagrou uma nova revolução, em 1842, alegando a excessiva absorção do Governo Central contra as Províncias do Império. O Federalismo nascia, portanto, destas datas memoráveis: 1824 – Pernambuco; 1835 – Rio Grande do Sul; 1842 – São Paulo e Minas.

 

Só então começou-se a compreender que a Unidade Nacional Brasileira, lastreada pela mesma língua, pela mesma religião, pelos mesmos sentimentos, encontrava agora um opositor: os legítimos interesses regionais, não apenas econômicos, mas sobretudo de liberdade política e livre manifestação da opinião dos brasileiros.

 

No transcurso histórico de 1842 a 1870, a ideia federalista ganhou corpo, como condição fundamental da Unidade da Pátria. Nem se podia compreender o problema de outro modo. Ainda que unidos pelos laços afetivos mais profundos, os brasileiros das Províncias não sofriam ser oprimidos, espezinhados pelo Poder Central. Queriam ter voz nos auditórios da Nação, queriam ser atendidas nas suas peculiaridades, queriam a União mas com dignidade e como resultado de uma autonomia em que se baseia a sua livre adesão ao Todo Nacional.

 

A ideia federalista empolgou de tal maneira os espíritos que, desde a Convenção de Itu, realizada em 1873, foi-se tornando a ideia-força da propaganda republicana. No Partido Liberal, principalmente, o federalismo aliciava, dia a dia, novos adeptos, ao ponto de um homem como Rui Barbosa, pertencente àquela agremiação, declarar ser imperativa a fórmula federalista, “com ou sem a Monarquia”. Era o desenvolvimento do Brasil, que transitara das Capitanias, isoladas uma das outras, à formação gradativa das futuras Províncias e, finalmente estas, tomando consciência das diferenciações que as distinguiam umas das outras e delineando, por um processo natural, os seus limites geográficos.

 

Todo o segredo da Unidade Brasileira está em conciliar os rumos políticos gerais da Nação com os impositivos das reações regionais. Compreenderam-no os Reis Portugueses, os Governadores Gerais, os Vice-Reis e os estadistas do Império. Compreendiam-no de modo claro, pensadores como Tavares Bastos. Percebiam-no tanto os que pretendiam preservar o Trono, como os que desejavam derrubá-lo.

 

Ao proclamar-se a República, viram os responsáveis pelo novo regime que as instituições recém-inauguradas necessitavam de uma firme estrutura política para as embasar. Os Partidos da Monarquia (o Conservador, o Liberal e o Progressista) tinham sido automaticamente extintos, não por decretos artificiais, mas em consequência das realidades políticas.

 

As democracias não vivem sem partidos; são eles os captadores das correntes de opinião, os aparelhos de sensibilidade, acusando tendências das parcelas componentes do povo; refletindo a influência das ideologias e doutrinas expostas pelos pensadores do País; assinalando os diferentes estados de espírito do povo; acusando mudanças inerentes à própria vitalidade nacional. A Nação é um corpo vivo. Ao contrário do que pretenderam Bluntchili e a escola histórica alemã, não é o Estado que vive e sim a Nação, porque o Estado é apenas um instrumento dela.

 

Os fundadores da República, vendo a Nação sem partidos, não porque o desejassem, mas porque as agremiações baluartes do Império desapareciam com ele, buscaram nas realidades nacionais o meio de articular a opinião pública. A articulação dependia de motivações e estas, uma vez que só predominava a ideologia republicana, só podiam existir segundo os interesses das Províncias, agora transformadas em Estados autônomos.

 

Corporificou-se, então, o Partido Republicano, que por ocasião da proclamação da República, praticamente só existia em São Paulo e Minas, com 35 fraquíssimos clubes de propaganda. O adesismo ao Poder, que é uma constante na vida brasileira, segundo o primeiro fator da antinomia a que nos referimos, ou seja a submissão à Metrópole, aos Governadores Gerais e aos Vice-Reis, no tempo da Colônia e aos Gabinetes Ministeriais no Império, facilitou a formação do Partido Republicano no País, um partido único, que precedeu de muito o comunismo, o nazismo e o fascismo. Mas havia a atender a motivações que polarizariam as opiniões regionais e, nesse caso, multiplicaram-se os Partidos Republicanos, com siglas de cada Estado: PRP em São Paulo; PRM em Minas; PRR , no Rio Grande do Sul; PRB na Bahia. E assim por diante.

 

Os primeiros anos da República estiveram sob a responsabilidade dos militares e foram períodos de agitação, descompasso, perturbações, porque a Força Armada raciocina em razão de regimentos e batalhões disponíveis pelas facções em que se dividem e nunca pela ordem natural das coisas. Isso levou Deodoro da Fonseca a dissolver o Congresso, vindo, logo em seguida, o golpe de Floriano Peixoto e Custódio de Melo (Exército e Marinha). E não tardou que o consulado de Floriano fosse abalado pelo mesmo Custódio de Melo, em consonância com as forças rebeladas de Gumercindo Saraiva, que vinham do Sul.

 

Jugulada a revolta e já muito doente Floriano, veio afinal o Governo Civil de Prudente de Morais, contra o qual se articulou a conspiração de Diocleciano Martyr e Marcelino Bispo, cujo epílogo foi o assassinato do marechal Bittencourt, que recebeu a bala destinada a Prudente.

 

O Federalismo, entretanto, articulou-se para a eleição de Campos Sales e este deu vivência à realidade federalista instaurando a “política dos governadores” mediante a qual governou sem estado de sítio, norma de seus antecessores e sucessores.

 

Essa política funcionou até 1930. Era inevitável que os Estados mais populosos dominassem a vida nacional. A composição paulista-mineira e gaúcha equilibrou o sistema.

 

Inquietações e ideias novas começaram a se revelar nas revoluções de 1922 (Copacabana); 1924 (São Paulo); 1926 na Marinha, até que em 1930, por interesses puramente regionais, quebrou-se a aliança Minas-SãoPaulo-Rio Grande.

 

Enganavam-se os que pleiteavam a hegemonia de seus Estados. Correntes ideológicas surgiam, num sentido nacional e não mais estadualista. Era o socialismo, o comunismo, o nacionalismo, o integralismo. A própria revolução de São Paulo (1932) escapava aos limites do Estado, para assumir o caráter ideológico de constitucionalismo, vitorioso afinal na Carta de 1934. Mas esta teve pouca durabilidade, sobrevindo a Ditadura que teve vigência até 1945. Os partidos organizados em 1946 foram de caráter nacional e procuravam alguns artificialmente, apoiar-se em ideias gerais. No curso do período de 1946-1964, começaram a reagir os fatores regionalistas, que desvirtuaram, pouco a pouco, o sentido nacional das novas agremiações. E, após o movimento armado mais recente, o Governo, pelo Ato Institucional nº 2 extinguiu todos os partidos.

 

Encontra-se agora o governo do marechal Castelo Branco sob o peso das mais graves responsabilidades ante a próxima reestruturação política do País: conciliar o Federalismo (condição da Unidade Nacional) com a linha política da União. A fórmula integralista “centralização política e descentralização administrativa” deve ser a chave para a solução do problema. Essa orientação não abrange apenas o que concerne às prerrogativas de autonomia política, mas também as estruturas econômicas. A inflação, com o poder emissor nas mãos do Governo Central, e os sistemas tributários enriquecedores da União e depauperadores dos Estados e Municípios, torna a autonomia dos Estados apenas uma expressão de direito e não de fato. Desequilibram-se os dois fatores históricos da Unidade Nacional.

 

Julgamos oportuno estas ponderações levadas aos responsáveis atuais pelo Governo da Nação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário