domingo, 10 de abril de 2022

As Armas contra os Rinocerontes! (1968)

 


Esclarecimento: O Artigo abaixo foi publicado em jornal pelos “Diários Associados, mas, o recorte que dispomos não trazia a data da publicação. Felizmente, graças ao impressionante trabalho de pesquisa sobre o Integralismo em fontes primárias, o brilhante pesquisador Matheus Batista pode nos informar que a data da edição foi 03 de Julho de 1968.

Em breve, o Companheiro Matheus Batista publicará uma sensacional Obra sobre o Integralismo. Aguardem!

AS ARMAS CONTRA OS RINOCERONTES!

PLÍNIO SALGADO

O escritor inglês Wells, há alguns anos atrás, fez-nos uma revelação original: a de que toda a humanidade está se tornando louca e só não o percebemos por estarmos nela integrados. Sendo uma loucura coletiva, todos nela se ambientam, tornando-se, portanto, impossível discernir a verdade da mentira, o bem do mal, o belo do feio. Dessa forma decompõem-se os sentimentos morais, estéticos e lógicos.

 

Por outro lado, o teatrólogo Ionesco, não faz muito tempo, escreveu uma peça, que tem sido amplamente representada no teatro e no cinema, apresentando uma cidade onde os habitantes resolveram virar rinocerontes. O caso começa com alguns, estende-se a outros mais, domina a população. Um funcionário de certa firma dispõe-se a reagir, mas dentro em breve, o próprio diretor da organização industrial também se transforma em rinoceronte. Da sua janela, vê o rebelde a passagem da manada dos paquidermes, com grande estrupido, e isto mais o revolta, principalmente porque sua noiva já manifestara o desejo de acompanhar a moda de aderir ao consenso geral, convidando-o para fazer o mesmo. A esta altura, o advogado da firma em que trabalhava o homem de bom senso, vem procurá-lo para convencê-lo de que virar rinoceronte era um legítimo direito de todos os homens e mulheres que gozam da liberdade garantida pela democracia. Enquanto falava, nota aquele homem de equilíbrio mental que o advogado ia comendo as folhagens do seu vaso. Era sinal evidente que se ia transformando em rinoceronte. Realmente, não terminara a conversa quando o bacharel, com um urro sai correndo, desce o elevador, atinge a rua e se transmuda em paquiderme, como toda a multidão. Entra, em seguida, sua noiva, que critica os padrões da autoridade familiar e social, declarando “superados” os critérios antigos. É preciso que as novas gerações assumam atitudes de independência, de autodeterminação, de liberdade plena. Tudo o mais é passadismo ultrapassado da geração anterior que (diremos por nossa conta) não está “conscientizada” e insiste em pretender manter a tolice das tradições. Assim dizendo, solta um berro e corre desabaladamente para a rua, onde se integra na massa popular que se transformou em massa paquidérmica. Nesse momento, o herói do drama, que representava o bom senso, a lógica, o equilíbrio mental e a consciência da sua racionalidade, grita com todas as forças dos pulmões: “Eu não serei rinoceronte, porque eu sou e serei sempre um homem!”.

 

O que assistimos hoje em nosso país, como em todos os outros dessa chamada “civilização ocidental” não é mais do que, ampliada, a peça teatral de Ionesco. O raciocínio dos alienados é o seguinte: “todos usam, todos fazem, todos assim procedem, porque motivo também eu não usarei, não farei, não procederei?”. A onda dos rinocerontes empolga o magistério público e privado; envolve a alta sociedade e a classe média; predomina sobre a juventude; influi na demagogia política; traça normas artísticas; cria um tipo de literatura adequada ao rinocerontismo; e aí temos o nudismo consagrado e que já não causa a mínima impressão no seio das famílias; os rapazes de cabelos compridos e as moças e até as velhas de minissaias; o teatro sustentando que a pornografia é arte; o desregramento sexual declarando basear-se em princípios científicos da psicanálise e das constituições endocrínicas; a rebelião contra a autoridades dos pais (“ultrapassados” e “quadrados”); a insurreição contra os governos, sem que se saiba ao certo o que pretendem os insurretos; o desrespeito aos mestres honrados e honestos e a tábua rasa que se faz das pessoas mais idosas que, na opinião de alguns professores que se fizeram agentes da corrupção, devem ser “conscientizados” pelos garotos e garotas que os Código Penal e Civil declaram irresponsáveis. Acrescente-se a isso a extrema liberdade concedida por pais (que não merecem o pátrio poder) às suas filhas menores e muito mais aos filhos que se fazem “play-boys”; a vida noturna de ambos os sexos estimulada pelo álcool, pela maconha, pelos barbitúricos e garantida por drogas anticoncepcionais; a desordem dos costumes segundo uma concepção existencialista que faz do ser humano um animal sem finalidade, e teremos o quadro geral das nações do ocidente, minadas pelo comunismo, ou seja pelos que pretendem escravizar, domar, esmagar uma sociedade que perdeu a consciência de si mesma e se transformou numa desordenada manada de rinocerontes.

 

Todas estas ponderações tenho feito numa série de artigos insertos nestas colunas, nos quais tenho procurado demonstrar que sob dois aspectos deveremos considerar o mundo codental: o do agnosticismo e pragmatismo das classes chamadas dirigentes (políticos, industriais, comerciantes, financistas) e o do existencialismo da juventude e do povo, de modo geral. Em um dos meus últimos escritos, falei de um novo politeísmo, cujos deuses abstrusos são as máquinas e de uma religião que hoje se chama “tecnologia”.

 

Vem agora o Papa Paulo VI e em impressionante discurso atribui a atual crise em todos os países “às turbulentas ideias dominantes no mundo contemporâneo” acrescentando que a “a falta de fé se deve parcialmente ao crescimento da mentalidade tecnológica” E diz: “A tecnologia levou a uma organização opressora e à consequente angústia que decorre dos próprios limites do círculo materialista e precisamente, nestes dias, explode em rebeliões violentas e irracionais”.

 

Também em confirmação do que tenho dito, o grande escrito português Augusto de Castro, diretor do “Diário de Notícias” de Lisboa, diplomata dos mais brilhantes, membro da Academia de Ciências, mas sobretudo um dos espíritos mais argutos dentre os que tenho conhecido, escreve um artigo para os Associados, sob o título “Reflexo da crise de autoridade”, comentando as recentes desordens na França, no qual, entre outras considerações, diz: “A crise que se revela e ameaça o mundo não é apenas aquela que, nos domínios político e social, dominou os acontecimentos em Paris. Não é somente a dos problemas da educação e sociais. Não é apenas econômica nem de mera ação de rua. É uma crise de Autoridade em todos os domínios: da autoridade familiar, da autoridade política, da autoridade internacional, da autoridade educativa, da própria autoridade religiosa”.

 

Comentando uma frase do “Izvestia”, de Moscou, que dizia “os franceses vão depressa demais”, Augusto de Castro declara: “Não iam apenas depressa; na realidade, não iam para parte alguma, a não ser para a balbúrdia, para a anarquia, uns com os pensamentos de Mao, que se caracterizam precisamente pela ausência do pensamento, outros com slogans desprovidos de sentido ideológico ou real. Era também, na própria subversão, a ausência de qualquer autoridade”.

 

Analisando as causas da derrocada da autoridade, a notável perspicácia do escritor ilustre expõe a sua opinião que é de rara clarividência, dizendo: “O que determinou no mundo esta crise de autoridade, que é o mal do nosso tempo, é difícil definir. Duma maneira geral, foi a doença do “diverso”, que após a guerra, se apoderou dos espíritos. O mundo proclamou o advento do “diverso” em arte, do “diverso” em literatura”, do “diverso” em política, até do “diverso” na religião. Do “diverso” sem se saber bem de quê. O próprio comunismo foi atacado pelo vírus do “diverso” e fez-se o comunismo chinês”.

 

Esta interpretação de quanto ocorre no mundo atual é prefeita, mas para completá-la temos de ir às causas que determinaram esse estado de espírito e estas devem ser buscadas na confusão das ideias disseminadas por filósofos e pensadores dos séculos XVII (Racionalismo), XVIII (Naturalismo), XIX (Experimentalismo Científico) e XX (Tecnologia). Dessas linhas gerais procederam o utilitarismo inglês, o pragmatismo americano, o positivismo francês, o criticismo kantiano, a dialética hegeliana, o panteísmo de Hartman, o monismo de Haeckel, o evolucionismo de Spencer, o anarquismo de Prudhon e Kropotkine, o socialismo de Marx, o sexualismo de Feud, o existencialismo de Kierkegard e depois de Sartre, o anticristianismo de Niestzche, todos com seus derivados, que se multiplicam, não se falando na contribuição vastíssima da literatura, em seus variados gêneros e as artes plásticas e musicais em suas variadas expressões. Foi tudo isso que criou o espírito do “diverso” tão argutamente descoberto por Augusto de Castro. E o “diverso” não é mais do que a manifestação da angústia do Homem deslocado do seu centro de equilíbrio, como já observara profeticamente Pascal, sem poder recuperar sua posição verdadeira ainda que aflitivamente venha tateando nas trevas impenetráveis.

 

Tivemos, no Brasil, um grande filósofo, que arrasou, mediante análises escalpelantes as filosofias materialistas do seu tempo. Foi Farias Brito. Os seus livros “Finalidade do Mundo”, “O Mundo interior” e seus opúsculos “A verdade como regra das ações” e “Base física do espírito” constituíram o início de um movimento espiritualista que deve ser continuado, com a atualização dos conhecimentos adquiridos mais recentemente, nestes últimos cinquenta anos de unilateralidade científica e de fanatismo tecnológico.

 

Esse tem sido o meu esforço, objetivando criar uma nova geração, isenta do cativeiro dos ditadores das falsas filosofias, produtos das elucubrações dos que não se sentem, eles próprios, seguros de suas concepções e outra coisa não fazem senão lançar maior confusão sobre a que tínhamos herdado das gerações precedentes. Precisamos de uma revolução, mas uma revolução autêntica da mocidade, contra a rotina, as frases feitas, as ideias e costumes aceitos passivamente pelas mediocridades internacionais e pela burguesia capitalista inconsciente. O lema deve ser, para tomarmos a interpretação da nossa contemporaneidade tão admiravelmente revelada por Ionesco: combate aos rinocerontes.

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