“Esquerdas” e “Direitas” (1936)
Plínio Salgado
Já
temos repetido muitas vezes, nunca julgamos pouco repetir: para a nossa visão
totalitária da sociedade, do mundo e das nações não existe nem “esquerda” e nem
“direita”, por conseguinte não consideramos também um “centro”, nem “meias
direitas” ou “meias esquerdas”.
A
política para nós, não é o jogo de futebol a que ficou reduzida a atividade social
das nacionalidades, do transcurso do século XIX. A substituição das corporações
medievais pelos partidos criou as equipes
esportivas para os “matches”
eleitorais e parlamentares. A organização sindical, a luta de classe, firmaram
as regras fixando as posições dos “players”.
As massas populares transformaram-se em multidões de aficionados entregues à
super excitação das “torcidas” frenéticas. Os parlamentos eram os grandes “stadiuns” onde os jogadores se colocavam:
a III internacional na extrema esquerda, a II internacional na meia-esquerda, os
liberais democratas no centro, os conservadores na meia-direita, os reacionários
na extrema direita.
Σ
Esse
jogo correspondia a uma mentalidade, a uma civilização, a um século. Hoje não
pode significar cousa alguma para nós. Falamos uma linguagem diferente, porque
somos homens diferentes. Os que ficaram convivendo com Gladstone ou Gambeta, os
que adormeceram ouvindo os discursos e manifestos que encheram o século passado,
esses não poderão compreender-nos, porque, para eles a vida nacional está
enquadrada nos lineamentos dos partidos, o jogo parlamentar é um esporte onde
as composições e recomposições ministeriais quebram a monotonia bocejante dos “half-times” exaustivos, e, nos regimes presidenciais,
e intermitência dos grandes plebiscitos marca os “rounds” eliminatórios das
oligarquias que se revezam na arena batida do sufrágio universal.
Toda
a finalidade dos povos, para os aficionados da política do século XIX, reduz-se
a esse jogo, a essa permanente competição que para nós, homens do século XX, já
se tornou de uma puerilidade enfadonha.
Σ
Puerilidade
e anacronismo. Os filósofos, pensadores e políticos que vieram da tomada da Bastilha
à ocupação de Ruhr, não foram capazes de abranger panoramas totais. Cada qual
viu um aspecto do problema humano. Cada qual cingiu se a um método restrito. Cada
qual subordinou a questão geral a um princípio de ordem particular.
Esse
século que produziu, separadamente, o fonógrafo, a luz elétrica, a fotografia animada,
a telegrafia, não poderá compreender o século que sintoniza e sincroniza, realizando
num só milagre de som e de luz, de transmissão e de cor, as prodigiosas sínteses
universais.
Esse
século XIX que conheceu os teares incipientes, os aeróstatos, os barcos de rodas
de Fulton, as locomotivas rudimentares, e dessas conquistas deduziu toda a
teoria política que veio até à lâmpada de Edison, ao aeroplano de Santos Dumont
e aos aparelhos de televisão já não pode ditar leis a esta nova época da humanidade,
em que a máquina atingiu perfeições assombrosas.
Nos
últimos cem anos, o problema era o aproveitamento da máquina, o lançamento da
máquina, a máxima eficiência da máquina, agora, que temos chegado a esses
objetivos, preocupa-nos a reconquista do poder do homem sobre a máquina, o
império moral da criatura humana, a sua expressão nacional e a sua tradução
governamental.
Σ
Quando
vemos os socialistas como observa Durkheim pretendem reduzir tudo à “questão operária”;
quando vemos os marxistas da extrema-esquerda, presos ainda ao manifesto de
1849, e animados pelas lições de Sorel pretenderem tudo olhar sob o prisma da
luta de classe; quando vemos os pragmáticos reduzirem tudo a uma questão de
técnica administrativa; quando vemos os positivistas só falarem no problema da
ordem, sem cogitar dos fundamentos espirituais de disciplina social; quando apreciamos
os economistas subordinarem tudo à economia, os idealistas abstraírem das
realidades econômicas, os místicos encararem apenas a face religiosa da
sociedade, enquanto os simplistas do materialismo excluem a expressão
espiritual dos indivíduos e dos povos; quando vemos todas essas orientações
parciais, fragmentárias, unilaterais, é que nos apercebemos da existência de
uma nova mentalidade, que é nossa, integralista, totalizadora das forças
materiais e das forças espirituais, assim como da dinâmica social em que atuam
completando-se, a dialética dos fatos e o arbítrio da ideia criadora.
Somos
uma mentalidade nova. Somos uma palavra nova. S um combate novo. Que traz um
novo sentido que só entendem os cérebros libertados dos preconceitos do século XIX.
Σ
Não
nos colocamos no ponto de vista nem da burguesia, nem do proletariado. Não
estamos nem com os nacionalistas cegos, sentimentais e ditirâmbicos, nem com os
internacionalistas utópicos que pretendem unir os indivíduos por cima das Pátrias,
proclamando a união dos trabalhadores de todo o mundo, como fizeram os profetas
falidos da II e da III internacional. Não rompemos ofensiva contra a burguesia,
mas contra o espírito do século do qual ela é um produto concreto; não contrariamos
as justas aspirações do proletariado, mas queremos arrancar o proletariado da
concepção unilateral da vida em que o lançaram, para explorá-lo, sem resolver a
sua situação, que é apenas uma consequência da própria mentalidade do século XIX.
Negamos
a lição de Marx, quando diz que a revolução do operário deve ser feita por ele
próprio. Para Marx havia a revolução do operário, como havia reação da
burguesia. Para nós, que viemos depois de Einstein, que viemos depois de
declarada a falência evolucionista em que se estribou a política da burguesia,
que viemos depois da hecatombe de 1914, depois do fracasso do plano quinquenal
e com o final depois da queda da libra e da crise do dólar, para nós só existe
uma revolução: a revolução do século XX contra os preconceitos do século XIX.
Σ
Essa
revolução abrange todo o complexo panorama universal. Cria um novo sentido de
nacionalismo e de internacionalismo. Engendra uma nova economia em um novo conceito
de Estado. Contêm todas as energias das lutas sociais.
Essa
revolução não pode mesmo ser compreendida pelos anacrônicos socialistas pelos
mofados marxistas pelos antediluvianos da extrema direita. É um estado de
espírito de civilização que nasce.
Eis
porque acometemos toda a estrutura das velhas sociedades. Eis porque rompemos
as nossas baterias, não contra os partidos, não contra a burguesia ou o
demagogismo esquerdista, não contra os grupos regionais ou econômicos, mas
contra tudo o que os produziu. A nossa avançada é contra uma civilização. Em
nome de uma palavra nova dos tempos novos.
____
SALGADO, Plínio. Palavra Nova dos Tempos Novos. 3ª
edição. São Paulo: Panorama, 1937; transcrito das páginas 81, 82, 83, 84, 85,
86 e 87.
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