quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

UM HOMEM SINCERO (16/01/1964)

 

Esclarecimento: O Artigo abaixo foi publicado em jornal pelos “Diários Associados”, mas, o recorte que dispomos não trazia a data da publicação. Felizmente, graças ao impressionante trabalho de investigação sobre o Integralismo em fontes primárias, o brilhante pesquisador Matheus Batista pode nos informar que a data da edição foi 16 de Janeiro de 1964.

Em breve, o Companheiro Matheus Batista publicará uma sensacional Obra sobre o Integralismo. Aguardem!

UM HOMEM SINCERO (16/01/1964)

Plínio Salgado

Vi e ouvi pela televisão, no programa denominado "pinga fogo", o sr. Luís Carlos Prestes. Minha impressão foi a melhor possível. Colocado dentro da ideologia que adotou e que julgo superada e inadequada, pela sua unilateralidade na consideração dos fenômenos sociais, econômicos e políticos, peculiar ao século XIX não se pode negar que o chefe comunista foi sincero nas respostas dadas aos jornalistas que o entrevistaram.

Antes de se fazer marxista, Prestes foi alvo de admiração dos Jovens que, a partir das revoluções de 1922 e 1924, inquietavam-se pelos destinos do Brasil. Na capital paulista um grupo de intelectuais se reunia na Pensão Avenida, na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, quase todas as noites, debatendo os problemas universais, humanos e nacionais brasileiros. Eram Jaime Adour da Câmara, Américo Facó, Mário Pedrosa, Alberto Araújo, Raul Bopp e outros. Devendo Araújo ir a Gaiba, onde se encontrava exilado o comandante da Coluna que percorrera grande parte do território do nosso país, o grupo resolveu mandar-lhe livros: obras de Alberto Torres, Oliveira Viana, Tavares Bastos, Euclides da Cunha, Elísio de Carvalho, entre os mais expressivos da geração anterior, e a produção literária mais significativa da nossa geração. Não sei se o portador entregava esses livros, substituindo-os por obras marxistas, ou se insinuava entre eles o de sua ideologia. Um dia, regressando Araújo de uma de suas viagens a Bolívia, informou-nos que Prestes já era comunista. Para os que adotavam uma linha ao mesmo tempo nacionalista e espiritualista, conjugando o pensamento filosófico de Farias Brito, os princípios de ordem de Jackson de Figueiredo, a crítica das instituições de Alberto Torres, o realismo de Euclides, da Cunha, a visão sociológica de Oliveira Viana, aquela notícia não podia deixar de entristecer, pois perdíamos um grande elemento no instante em que procurávamos aliciar os valores da nossa geração para uma Campanha de renascimento nacional.

O período de 1930 a 1932 foi assinalado pela diáspora da nossa Juventude. Na redação do "Correio Paulistano", que era o órgão oficial do governo paulista formamos o grupo "verdamarelista", do qual fiz parte, com Menotti del Picchia, Mota Filho e Cassiano Ricardo. Propugnávamos, não somente (como fora na Semana de Arte Moderna de 1922) por uma renovação dos critérios estéticos, mas ainda, e principalmente, por uma transformação da vida política do país mediante reformas de base. Foi desse movimento que surgiu em 1931 a "Sociedade de Estudos Políticos", fundada numa das salas do jornal "A Razão". Integravam-na alguns elementos "verdamarelistas" aos quais se juntaram estudiosos de filosofia, sociologia e economia. Das pesquisas e debates que a Sociedade realizava no salão de armas do Clube Português, de São Paulo, nasceu a ideia do Integralismo, cujo nome proveio de uma conferência do engenheiro e escritor Artur da Mota, mostrando que o nosso pensamento político não era outro senão o representado pelo cálculo integral, cujo símbolo era o Sigma. O novo movimento foi praticamente lançado numa conferência que realizei na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, sob o título "Quarta Humanidade", depois enfeixada em livro. A sua dinâmica inicia-se com os meus dois livros posteriores "Psicologia da Revolução" e "Palavra Nova dos Tempos Novos". A sua popularização com o livro "Manifesto de Outubro" de 1932.

Desde então, perdendo de vista o chefe da Coluna Prestes, tornei-me o polo oposto da sua ideologia materialista, pois enquanto esta se baseia na concepção unilateral do "homem econômico", a nossa se funda no "homem integral", em que se somam todos os fatores constitutivos da personalidade.

Não conheço pessoalmente o Sr. Luís Carlo: Prestes e a primeira vez que o vi e ouvi foi através da televisão, na entrevista coletiva à imprensa paulistana. É um homem que, apesar do erro que professa e no qual insiste, merece acatamento por tudo quanto já sofreu para sustentar sua atitude sempre coerente com os seus objetivos. Determinei, pois, ouvi-lo nessa longa entrevista que durou até duas horas da madrugada.

Tudo o que nós, os anticomunistas, temos afirmado, Prestes confirmou com simplicidade e verdade. Perguntado sobre os progressos do comunismo no Brasil, declara que é muito grande, pois a ideologia marxista penetrou hoje nas áreas governamentais e exerce poderosa influência na política brasileira. Pedida sua opinião sobre o governo do sr. João Goulart não regateia elogios ao atual presidente, louvando sua linha socialista e estatizante e a sua política exterior, principalmente no caso de Cuba. E confirma também a excelente posição de elementos do partido ou de seus simpatizantes em postos de administração.

Um jornalista indaga se nos meios católicos se verifica penetração comunista. Responde o entrevistado que os católicos de esquerda muito auxiliam os partidários de Moscou, citando o caso da UNE, onde tem sido garantida a preponderância dos comunistas pela sua aliança com os católicos. Inquirido sobre o clero, diz que numerosos sacerdotes em todo o país encontram um terreno comum em que se aliam aos comunistas, quanto à mais alta hierarquia eclesiástica, revela que alguns bispos já se incluem nas linhas auxiliares do comunismo, e, referindo-se aos três cardeais brasileiros, reprova as atitudes reacionárias dos da Bahia e do Rio de Janeiro tecendo encômios ao de São Paulo, que diz ser "progressista".

Solicitado a dar sua palavra sobre Julião e as Ligas Camponesas, diz que o líder do Nordeste, depois de sua viagem a Cuba, em companhia do sr. Jânio Quadros, voltou com ideias próprias, em desacordo com a tática comunista. Sendo um líder sincero, o que o perde é o fato de ser um místico, pretendendo agir com métodos diretos, de ataques frontais à burguesia capitalista, em cujo seio existem poderosos auxiliares do comunismo. Não compreendeu Julião a nova estratégia do partido e pretende movimentos armados inoportunos e insuficientes.

Sobre o CGT, fala com entusiasmo, dizendo ser essa organização grande instrumento de luta de que o partido comunista se serve e que ela constitui hoje o bicho-papão que assombra os reacionários. Perguntam-lhe o que pensa do Congresso. A sua opinião é a mesma do sr. João Goulart, a quem qualifica de aliado, apesar de algumas atitudes de transigência com os partidos de direita, isto é, o Congresso protela e impede as reformas de base propugnadas pelo presidente e diz que se as Câmaras fossem fechadas o "povo" se regozijaria. Então um dos repórteres pergunta se existem deputados ou senadores comunistas em nosso país. Resposta: não podendo o partido por estar na ilegalidade, apresentar chapas próprias, valemo-nos da ambição de votos dos partidos burgueses, inserindo em suas listas elementos de nossa confiança. E revela: temos parlamentares nossos em quase todos os partidos, inclusive na UDN.

A essa altura alguém lhe pede parecer sobre o PTB. Sem hesitações, Prestes declara: é o nosso grande aliado. Sobre Miguel Arrais, informa que não pertence ao Partido Comunista mas é deste aliado de muito valor, tanto que no seu governo, em Pernambuco, predominam destacados líderes do comunismo. Sobre a infiltração vermelha nos meios militares, mostra-se discreto, mas não a nega. Com referência a vários políticos de reconhecida orientação moscovita e cubana, diz não pertencerem às fileiras do partido, cuja disciplina é rígida, esclarecendo que ele próprio, apesar de marxista-leninista havia mais de seis anos, só foi admitido no partido em 1934; entretanto tais políticos prestam relevante serviço ao desenvolvimento do comunismo no Brasil.

Inquirido sobre se acha haver o sr. Jânio Quadros perdido prestígio na massa, emite sua opinião dizendo não se poder negar que o ex-presidente da República continua a ser um legítimo líder proletário. A respeito da sucessão presidencial entende ser muito possível que o candidato mais provável seja o próprio sr. João Goulart ou por uma reforma constitucional, ou por "outro meio qualquer". E sorri... Mas se isso não se der, a sua opinião e de que o vencedor será o sr. Ademar de Barros.

Interrogam os jornalistas: se o Partido Comunista está tão forte, isso significa a proximidade de uma revolução? Por que não a deflagra? Resposta: não queremos revolução e não precisamos dela. Nossa influência é crescente nos meios operários, estudantis, culturais, militares e no governo. O Comunismo virá naturalmente e tudo caminha para isso.

Julga haver possibilidade de uma guerra civil? Indagaram-lhe. Responde: nós, os comunistas, não desejamos uma guerra civil, mas não a tememos.

Todas as palavras de Prestes revelam seu profundo conhecimento das táticas de Lenine, desde Zimerwald, quando se propôs a implantar o comunismo na Rússia, utilizando-se das componentes políticas (partidos de esquerda) e proletários e camponeses (os Sovietes que eram o CGT de lá). Essas táticas foram agora aperfeiçoadas por Kruchev, que se propõe implantar o comunismo no mundo, sem guerras nem violências e, enquanto Mao-Tse-Tung faz o papel de bandido, para assombrar o Ocidente, o Czar Vermelho faz o de "bom moço" da convivência com mundo capitalista, o que a ambos facilita o trabalho. No interior dos países, os comunistas agem do mesmo modo. Uma pequena minoria operante conduz o barco, o grosso das hostes vermelhas rotula-se de "nacionalistas" ou "reformistas". E os povos, apesar das lições da História, e os governos, malgrado trágicos precedentes em outros países, e os católicos, aos quais não valeram as lições da Polônia, da Hungria, de Cuba caem no mesmo engano, suicidam-se com os mesmos venenos tantas vezes usados quanto repetidos.

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