Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi
possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder
Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior
Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente,
é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o
trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/
SINAIS DE ESFACELAMENTO (16/02/1936)
Plínio Salgado
As
últimas notícias vindas de todos os pontos do país revelam, de um modo
flagrante, a inconsistência das velhas estruturas dos partidos políticos da
República.
Evidencia-se
uma fase precipitada de decadência. Prenuncia-se a desagregação. Na água régia
da vida contemporânea, os partidos não resistem à fatalidade da sua ruína.
E,
como os fenômenos sociais e políticos se repetem em ciclos através da vida de
um país, o, crítico dos acontecimentos atuais deve ter a sua vista voltada para
as situações similares, que assinalaram os prelúdios de fases renovadoras, em outros
tempos, porém, sob circunstancias semelhantes.
Para
os que analisam a fundo os fatos históricos e tiram deles as conclusões
norteadoras dos dias presentes, não há surpresas políticas. A política, desde
Aristóteles, foi considerada uma ciência. E é justamente porque os homens de
partido no Brasil a encaram exclusivamente como arte, que eles nunca podem
prever o dia de amanhã.
Não
se diga que a política não seja também uma arte. Ela o é, no que tem de
intuição, de improviso, de compreensão imediata, de atitude a assumir em dado
tempo e dadas condições. Dirigir massas humanas é segredo de estadistas, e os
estadistas, como dizia muito bem Napoleão, são, antes de tudo, artistas,
construtores de harmonias sociais.
Aos
políticos brasileiros, si lhes falta a intuição da política, segundo o conceito
de arte, que ela comporta, muito mais lhes falece o sentido científico da política,
a consideração dos fenômenos sociais, segundo suas leis constantes, a procura
da incógnita da equação presente, mediante o conhecimento de termos históricos,
indispensáveis à interpretação do instante e previsão segura do Porvir.
*
* *
Dois
fatos destes dias, aparentemente contraditórios, exprimem uma situação uniforme
da vida brasileira e a decadência inevitável de um sistema: O governo de
gabinete do Rio Grande do Sul e a cisão no Partido Constitucionalista em São
Paulo. Este segundo acontecimento é a chave da revelação do primeiro. 81 dias
antes disséssemos que a pacificação gaúcha exprimia não um sintoma de
agregação, porém, de desagregação, seria difícil de explicar. O caso paulista
poupa-nos esse trabalho. Revela um estado de espírito marcante da insubsistência
dos partidos na República. Evidencia o caráter de precariedade das organizações
políticas regionais, sem conteúdo doutrinário. Mostra que um esfacelamento
geral prenuncia o advento de alguma coisa nova.
É
condição fundamental do regime liberal-democrático, baseado no sufrágio
universal, a existência dos partidos. Quer seja no regime parlamentar, quer
seja no presidencialista, não se compreende a democracia com base no voto
popular, sem os órgãos captadores desse voto.
Se a
vida política do Rio Grande do Sul exigiu o apaziguamento das duas correntes em
torno do governo estadual, é porque essa vida política 1já sentiu os efeitos da
vida social, da vida econômica, dos interesses apolíticos. Os partidos se
tornaram "indesejáveis" à opinião pública.
Pelo
menos é o que se infere das declarações dos lideres de ambas as facções, pois
todos afirmam que, no cenário federal, cada corrente tomará a orientação que
quiser, só se entendendo necessária a aglutinação de todos os homens de boa
vontade, em torno do Poder, nos estritos limites do Rio Grande do Sul. Essa
afirmativa, em última análise, quer dizer o seguinte: "nós, gaúchos, estamos
convencidos de que as lutas políticas são nocivas aos interesses do Rio Grande,
portanto, reconhecemos que essas lutas nocivas só devem ser aplicadas ao
Brasil".
*
* *
Reconhecem,
pois, os políticos do Rio Grande que a existência de luta partidária é prejudicial
a determinada região. Eis aí um precioso argumento, para nós, integralistas,
que outra coisa não dizemos há três anos.
Agora,
si volvermos os olhos ao Passado, encontramos igual estado de espírito, nas vésperas
da decadência do sistema parlamentar e da Monarquia. Foi desde o governo de
concentração do Marquês do Paraná. Desde então começa-se a observar o desprestígio,
cada vez maior, da monarquia parlamentar. Esse desprestígio acentua-se quando
Osório e Caxias, durante a Guerra do Paraguai, não se cansam de dizer que suas
espadas não têm partido. Embora praticamente dissentidos e apoiados por facções
contrárias, a teoria de ambos era a mesma. Era idêntica, aliás, à do homem
extraordinário, de visão realista, que foi o Visconde de Mauá. O fato é que, de
1850 a 1889, os partidos agonizaram, fundiram-se várias vezes em gabinetes de
concentração, e, dentro de suas próprias vidas internas, cindiram-se
frequentemente.
É
aqui que o rompimento de uma ala do Partido Constitucionalista de São Paulo
acentua a identidade da situação de decadência dos partidos atuais, com os
partidos do Império, Processavam- se, então, duas ordens de fenômenos políticos
de absoluta similitude com os fenômenos atuais. Enquanto se movimentavam as
correntes para produzir governos de gabinete isentos de colorido nitidamente
definidor de qualquer dos dois grandes partidos monárquicos (fato que agora se
repete na experiência do Rio Grande do Sul e na tentativa de aplicação do mesmo
processo à política federal), por outro lado os partidos internamente se desagregavam.
O
partido conservador tinha várias alas, assim como o partido liberal. Dominava, às
vezes, num ministério, certa ala dos liberais com determinada ala de
conservadores. E tudo isso significava que já não havia uma doutrina, uma
diferenciação programática profunda. Tudo se diluía na própria decadência do sistema
e em face de novas realidades nacionais.
Enquanto
concentraram-se de um lado e internamente se esfacelavam por outro lado,
avançava um Pensamento Novo.
Era
a República.
Ninguém
deteve a República.
*
* *
Talvez,
nas marchas e contramarchas dos políticos, em meio às preocupações de campanário,
assoberbados pelas intrigas, absorvidos pelo combate aos adversários, aflitos
sobre o terreno movediço dos imprevistos de todos os momentos (tal qual como
agora), os homens eminentes dos partidos imperiais não repararam que, bem
próximo deles, Benjamin Constant preparava uma mocidade e que trinta e poucos
clubes republicanos em todo o país (exatamente como agora os dois mil e vinte e
três núcleos integralistas), infiltravam na massa popular ideias novas, mais
consentâneas com as necessidades imediatas do Brasil.
Os
políticos não sentiram que estavam se dissolvendo. Que em cada avanço, recuo,
marcha de flanco, manobras hábeis ou desastradas, atitudes impulsivas ou
sinuosas, o terreno lhes faltava aos pés. Não acreditaram na possibilidade da
queda do trono. E o trono caiu.
Caiu
sem rumor. Caiu sem nenhuma grandeza, sem ao menos aquela grandeza do verso imortal
de Dante, que retumba na Divina Comédia. Foi quase uma queda de teatrinho de
bairro, em que está preparado para o personagem o tapete macio ou a cadeira de
espaldar para a hora do desmaio.
A
dissolução dos partidos processara-se normalmente, como se processa agora. Alas
que rompem; correntes que se unem; contramarchas para acordos; ideias de
recomposição...
Enquanto
isso, os novos Benjamins, Glicérios, Ruys, Demétrios, Silva Jardins, Prudentes,
Campos Salles, Aristides Lobo, prontos para entrar em cena.
*
* *
Os
partidos vivem de doutrina de intransigência. Os partidos morrem de acordos e
de com posições. O regime republicano, presidencial baseado no voto popular,
vive da vida dos partidos. Quando os partidos se fundem é porque anteriormente
se sentiram suficientemente desagregados para operar a fusão. Sem decomposição
não há composição política. A composição, pois, significa morte dos partidos. A
morte dos partidos significa a morte de uma situação geral.
Basta
olhar para o Passado e compreenderemos o Presente.
Os
Integralistas sabem disso. E prosseguem confiantes e serenos, na sua intransigência
doutrinária Incompatibilidade fundamental com qualquer arranjo ou pacificação.
Que
morram os outros, pacificamente.
Nós,
na luta de todos os dias, palpitamos de vida intensa e nos destinamos a dizer a
última palavra.
Publicado
originalmente n’A OFFENSIVA, em 16
de Fevereiro de 1936.
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