quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

SINAIS DE ESFACELAMENTO (16/02/1936)

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

SINAIS DE ESFACELAMENTO (16/02/1936)

Plínio Salgado

As últimas notícias vindas de todos os pontos do país revelam, de um modo flagrante, a inconsistência das velhas estruturas dos partidos políticos da República.

Evidencia-se uma fase precipitada de decadência. Prenuncia-se a desagregação. Na água régia da vida contemporânea, os partidos não resistem à fatalidade da sua ruína.

E, como os fenômenos sociais e políticos se repetem em ciclos através da vida de um país, o, crítico dos acontecimentos atuais deve ter a sua vista voltada para as situações similares, que assinalaram os prelúdios de fases renovadoras, em outros tempos, porém, sob circunstancias semelhantes.

Para os que analisam a fundo os fatos históricos e tiram deles as conclusões norteadoras dos dias presentes, não há surpresas políticas. A política, desde Aristóteles, foi considerada uma ciência. E é justamente porque os homens de partido no Brasil a encaram exclusivamente como arte, que eles nunca podem prever o dia de amanhã.

Não se diga que a política não seja também uma arte. Ela o é, no que tem de intuição, de improviso, de compreensão imediata, de atitude a assumir em dado tempo e dadas condições. Dirigir massas humanas é segredo de estadistas, e os estadistas, como dizia muito bem Napoleão, são, antes de tudo, artistas, construtores de harmonias sociais.

Aos políticos brasileiros, si lhes falta a intuição da política, segundo o conceito de arte, que ela comporta, muito mais lhes falece o sentido científico da política, a consideração dos fenômenos sociais, segundo suas leis constantes, a procura da incógnita da equação presente, mediante o conhecimento de termos históricos, indispensáveis à interpretação do instante e previsão segura do Porvir.

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Dois fatos destes dias, aparentemente contraditórios, exprimem uma situação uniforme da vida brasileira e a decadência inevitável de um sistema: O governo de gabinete do Rio Grande do Sul e a cisão no Partido Constitucionalista em São Paulo. Este segundo acontecimento é a chave da revelação do primeiro. 81 dias antes disséssemos que a pacificação gaúcha exprimia não um sintoma de agregação, porém, de desagregação, seria difícil de explicar. O caso paulista poupa-nos esse trabalho. Revela um estado de espírito marcante da insubsistência dos partidos na República. Evidencia o caráter de precariedade das organizações políticas regionais, sem conteúdo doutrinário. Mostra que um esfacelamento geral prenuncia o advento de alguma coisa nova.

É condição fundamental do regime liberal-democrático, baseado no sufrágio universal, a existência dos partidos. Quer seja no regime parlamentar, quer seja no presidencialista, não se compreende a democracia com base no voto popular, sem os órgãos captadores desse voto.

Se a vida política do Rio Grande do Sul exigiu o apaziguamento das duas correntes em torno do governo estadual, é porque essa vida política 1já sentiu os efeitos da vida social, da vida econômica, dos interesses apolíticos. Os partidos se tornaram "indesejáveis" à opinião pública.

Pelo menos é o que se infere das declarações dos lideres de ambas as facções, pois todos afirmam que, no cenário federal, cada corrente tomará a orientação que quiser, só se entendendo necessária a aglutinação de todos os homens de boa vontade, em torno do Poder, nos estritos limites do Rio Grande do Sul. Essa afirmativa, em última análise, quer dizer o seguinte: "nós, gaúchos, estamos convencidos de que as lutas políticas são nocivas aos interesses do Rio Grande, portanto, reconhecemos que essas lutas nocivas só devem ser aplicadas ao Brasil".

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Reconhecem, pois, os políticos do Rio Grande que a existência de luta partidária é prejudicial a determinada região. Eis aí um precioso argumento, para nós, integralistas, que outra coisa não dizemos há três anos.

Agora, si volvermos os olhos ao Passado, encontramos igual estado de espírito, nas vésperas da decadência do sistema parlamentar e da Monarquia. Foi desde o governo de concentração do Marquês do Paraná. Desde então começa-se a observar o desprestígio, cada vez maior, da monarquia parlamentar. Esse desprestígio acentua-se quando Osório e Caxias, durante a Guerra do Paraguai, não se cansam de dizer que suas espadas não têm partido. Embora praticamente dissentidos e apoiados por facções contrárias, a teoria de ambos era a mesma. Era idêntica, aliás, à do homem extraordinário, de visão realista, que foi o Visconde de Mauá. O fato é que, de 1850 a 1889, os partidos agonizaram, fundiram-se várias vezes em gabinetes de concentração, e, dentro de suas próprias vidas internas, cindiram-se frequentemente.

É aqui que o rompimento de uma ala do Partido Constitucionalista de São Paulo acentua a identidade da situação de decadência dos partidos atuais, com os partidos do Império, Processavam- se, então, duas ordens de fenômenos políticos de absoluta similitude com os fenômenos atuais. Enquanto se movimentavam as correntes para produzir governos de gabinete isentos de colorido nitidamente definidor de qualquer dos dois grandes partidos monárquicos (fato que agora se repete na experiência do Rio Grande do Sul e na tentativa de aplicação do mesmo processo à política federal), por outro lado os partidos internamente se desagregavam.

O partido conservador tinha várias alas, assim como o partido liberal. Dominava, às vezes, num ministério, certa ala dos liberais com determinada ala de conservadores. E tudo isso significava que já não havia uma doutrina, uma diferenciação programática profunda. Tudo se diluía na própria decadência do sistema e em face de novas realidades nacionais.

Enquanto concentraram-se de um lado e internamente se esfacelavam por outro lado, avançava um Pensamento Novo.

Era a República.

Ninguém deteve a República.

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Talvez, nas marchas e contramarchas dos políticos, em meio às preocupações de campanário, assoberbados pelas intrigas, absorvidos pelo combate aos adversários, aflitos sobre o terreno movediço dos imprevistos de todos os momentos (tal qual como agora), os homens eminentes dos partidos imperiais não repararam que, bem próximo deles, Benjamin Constant preparava uma mocidade e que trinta e poucos clubes republicanos em todo o país (exatamente como agora os dois mil e vinte e três núcleos integralistas), infiltravam na massa popular ideias novas, mais consentâneas com as necessidades imediatas do Brasil.

Os políticos não sentiram que estavam se dissolvendo. Que em cada avanço, recuo, marcha de flanco, manobras hábeis ou desastradas, atitudes impulsivas ou sinuosas, o terreno lhes faltava aos pés. Não acreditaram na possibilidade da queda do trono. E o trono caiu.

Caiu sem rumor. Caiu sem nenhuma grandeza, sem ao menos aquela grandeza do verso imortal de Dante, que retumba na Divina Comédia. Foi quase uma queda de teatrinho de bairro, em que está preparado para o personagem o tapete macio ou a cadeira de espaldar para a hora do desmaio.

A dissolução dos partidos processara-se normalmente, como se processa agora. Alas que rompem; correntes que se unem; contramarchas para acordos; ideias de recomposição...

Enquanto isso, os novos Benjamins, Glicérios, Ruys, Demétrios, Silva Jardins, Prudentes, Campos Salles, Aristides Lobo, prontos para entrar em cena.

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Os partidos vivem de doutrina de intransigência. Os partidos morrem de acordos e de com posições. O regime republicano, presidencial baseado no voto popular, vive da vida dos partidos. Quando os partidos se fundem é porque anteriormente se sentiram suficientemente desagregados para operar a fusão. Sem decomposição não há composição política. A composição, pois, significa morte dos partidos. A morte dos partidos significa a morte de uma situação geral.

Basta olhar para o Passado e compreenderemos o Presente.

Os Integralistas sabem disso. E prosseguem confiantes e serenos, na sua intransigência doutrinária Incompatibilidade fundamental com qualquer arranjo ou pacificação.

Que morram os outros, pacificamente.

Nós, na luta de todos os dias, palpitamos de vida intensa e nos destinamos a dizer a última palavra.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 16 de Fevereiro de 1936.

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