sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Mussolini e o Brasil Novo (1930), de Plínio Salgado

 

Esclarecimento: Graças ao percuciente trabalho de pesquisa do Prof. Jhonata Auriberto, que nos deu acesso a sua impressionante hemeroteca está sendo possível a publicação do Artigo abaixo. O Companheiro Prof. Auriberto é um estudioso incansável da Doutrina e História do Integralismo, razão pela qual foi nomeado Secretário Provincial de Doutrina e Estudos da FIB-CE.

Originalmente a reportagem foi publicada em O Paiz. Rio de Janeiro, 27 de Julho de 1930. Págs, 1 e 5.

MUSSOLINI E O BRASIL NOVO (1930)

Plínio Salgado

ROMA, 20 de Junho – Naquela tarde de 14 de Junho, um recado do Ministério do Exterior chamava-me à presença do on. Lando Ferretti, “Capo del’Ufficio Stampa Del Capo Del Governo”. Achei-me, no palácio Chigi, diante da figura extremamente simpática do curiosos escritor, e para minha grande alegria, diante de uma surpresa feliz: - Mussolini me receberia, às 18h. A mim e aos meus companheiros de excursão pela Itália.

 

Surpresa, sim. O nosso gentilíssimo embaixador, pagando-nos com as mais cativantes amabilidades e as mais encantadoras cortesias a sua recusa, aliás, justificadíssima, de nos obter uma audiência do chefe do governo, prevenira-nos, por ocasião do almoço com que nos honrou, da extrema dificuldade que se interpõe entre o desejo dos que, atualmente, desejam falar ao Duce, e os múltiplos afazeres do primeiro ministro, neste instante intensamente construtor da Nova Itália.

 

O Sr. barão de Teffé, incansável, não só nos serviços de seu cargo, em prol dos interesses do Brasil, mas ainda no prodigalizar obséquios e criar uma atmosfera carinhosa a todos os brasileiros que se aproximam da sua embaixada, instalada magnificamente no velho palácio Doria, chegou mesmo a referir-nos casos de importantes jornais que, ainda recentemente, não haviam conseguido uma audiência do chefe do fascismo. Os jornalistas, porém, são teimosos. E é exatamente a dificuldade que os seduz. Fomos a Lando Ferretti, chefe da imprensa italiana, e pedimos a sua intervenção. No dia seguinte, o chamado ao Ministério; a grata nova.

 

Tudo ocorreu para nós fácil e tão rápido, que fomos levados a concluir: Mussolini gosta dos intelectuais e gosta do Brasil.

* * *

Instantes de alvoroço. Nós éramos o Brasil-Novo que ia falar à Itália ressuscitada no esplendor de uma juventude de primavera. A doutrina corrente entre os moços da nossa Pátria coincidia, nas suas linhas gerais, com os largos lineamentos da ideia fascista. Nossa febre de amor pelo Brasil, o incêndio de nossos espíritos americanos, nossa paixão pela nossa terra e pela nossa raça, nossa cólera sagrada contra os elementos dissolventes do nosso patrimônio moral, tudo isso se ajustava, harmonizava-se com esse movimento de multidões levantando-se, pondo-se de pé na península mediterrânea, - chama do mesmo fogo, alma da mesma essência, energia da mesma força da humanidade nova, do século novo.

* * *

Eu tinha visto na Itália o riso franco da alegria de um povo que sabe crer; porém, jamais surpreendera aquele sorriso frívolo, de ironia enferma, que marca o ríctus da decadência dos refinados do ocidente. Eu escutara no país, de norte a sul, a música do entusiasmo e a canção terna; porém, não ouvira, um instante sequer, um “couplet” malandro caricaturando um episódio sério da vida nacional. Feriram meus ouvidos frases de fé, entraram, pelos meus olhos, olhares iluminados; no entanto, não escutei uma única frase irreverente, nem esses jogos de palavras com que distrai a sua indigência mental a filosofia de esquina dos países fracos e dos povos incapazes. E como tudo isso reproduzia a alma da nova geração brasileira, o sentido da sua marcha, a fé inabalável da gente moça da minha Pátria!

 

Todo esse espetáculo da Nova Itália era a criação milagrosa de um homem, que eletriza as multidões, porque é portador de uma ideia, que arrasta, atrás de si, o tropel que retumba, de uma nacionalidade que marcha, irrevogavelmente, porque leva nas suas suas mãos o facho aceso da inteligência. Esse homem com quem íamos palestrar.

* * *

Caía o crepúsculo pelos corredores graves do Palácio Venezia. Conduziram-nos a uma sala de veludo mate, com quadros de Maynardi, Faccheris, Salamegia, Van Dyck. E um armário com antiguidades de terr4a cota do século XIII.

 

Um silêncio vasto, pelas salas vastas, quase desertas, com as figuras espúrias dos contínuos agaloadas. Sobem as escadas quatro nipões, conduzindo um pesado volume; e, logo atrás, dois japoneses de fraque e gentilezas, gente amarela do Império do Sol Nascente, que trás uma oferta ao chefe do governo italiano.

 

Mario Graciotti, o mais curioso, vai indagar: são objetos de arte japonesa. E, enquanto o nosso amigo, num inglês correto, discorre, com as personagens orientais sobre assuntos da arte asiática, eu evoco a figura de Mussolini, múltipla e vária, como no-la apresentam os jornalistas de todo o mundo, os seus inimigos, os seus admiradores, os seus fanáticos, os políticos que o viram, os artistas que o interpretaram, os próprios retratos que andam espalhados por todos os países.

 

Evoco a sua voz, que já ouvi, num filme sonoro, no Cine Odeon, de São Paulo; seus gestos de orador enérgico, falando às massas; sua atitude garbosa de cavaleiro, como uma estátua equestre diante da milícia dos camisas pretas. E a sua imagem me aparece confusa, cambiando-se com a fisionomia de cada instante histórico, com o relevo ou a tonalidade de cada hora, que ele encarna, da vida nacional. Através da superposição de todas as chapas fotográficas, dos positivos e dos negativos, das efígies e perfis que sugerem as suas próprias frases, nos artigos luminosos, nos discursos poemáticos, nos reptos e nas apóstrofes, nas objurgatórias e nas exortações, nas expansões líricas e na rude exaltação combativa, - vislumbro, no fundo, como uma síntese do homem, da doutrina e da ação social, uma expressão de violência intempestiva e desabrida. Esse foi, para mim, na antessala do Duce, o homem que eu esperava encontrar, minutos após, com a catadura fechada do ditador. Para ser verdadeiro, devo dizer que eu tinha quase a certeza de que teria, na minha frente, dois braços cruzados, numa estatura de atleta, dois olhos verrumantes e fusilantes, uma desenvoltura impertinente, pouca atenção, e até, na impaciência com que esperaria a minha frase, uma sombra de neurastenia trancando os supercílios...

 

O brasileiro é desconfiado e arisco. Armei o meu espírito para o duro embate. Era a repulsa selvagem que os temperamentos sensíveis experimentam na antecâmara dos poderosos...

 

No meio dessas cogitações, sou despertado pela voz de um secretário. Atravessamos uma sala azul, crepuscular; uma outra, mais escura, com móveis severos. Abre-se uma porta, para um vasto salão de amplas janelas rasgadas por onde entra, de chofre, a última claridade da tarde estival, ao fundo, paletó cinza e calças amarelas, tenho, diante de mim – Mussolini.

* * *

Ao avistar-nos, caminha ao nosso encontro. Nós avançamos para ele, de olhos fixos. E, nesse instante, como a claridade de uma luz, com uma expressão de bondade infinita, acolhedora e carinhosa, ouvimos uma voz límpida, que desarma todas as minhas frases protocolares, que nos põe à vontade, felizes e tranquilos:

 

-Sede bem vindos, amigos brasileiros!

 

Era a voz de Mussolini. Boa e simples. É a figura do Duce, modesta e afetuosa. È o maior vulto da Europa contemporânea, e que forma, com Lenine e Gandhi, o grande tríptico da Humanidade de hoje, é ele que se faz pequeno na intimidade, ou talvez maior, porque toda a grandeza é simples...

 

Esse era o Duce, que não me parecera nas cogitações da antessala. E que irradiação de toda a sua pessoa, que luz no seu olhar, sobretudo, quanta humanidade, quanto sofrimento velho, quanto sonho e ideal, naquele semblante, naquele busto, que sabe arfar emocionado, e sabe vibrar com o mesmo coração que vibra no último homem dessas multidões frenéticas que o ovacionam nas praças públicas em delírio! Esse era o verdadeiro Mussolini, que transitara por todos os caminhos da dor; ferreiro e professor primário, soldado raso na guerra; jornalista e agitador; emigrado, fugitivo que vende o seu último canivete para comer um pedaço de pão; homem de partido e chefe de uma revolução triunfante; homem de Estado, revelação genial.

 

Toda a sua afetuosidade vem da sabedoria profunda dos grandes intérpretes humanos, que passaram pela vida sem títulos de nobreza, de abastança ou de ciência oficial, conhecendo, pela fatalidade da sua condição, a angústia de todas as classes e a proposição de todos os problemas. E,  por isso, Mussolini – eu o sentia naquela tarde – não é um chefe de escravos, mas, um chefe de Homens.

* * *

Mussolini é um emotivo. Observei-o a certos trechos da nossa palestra. Sinal do gênio. Porque as ideias marcham somente tangidas pelo sentimento. Não é possível acreditar-se na existência de grandes chefes impassíveis. Se a revolução é um corpo de ideias que encontrou as baionetas, a emoção é o magnetismo que aproxima do ferro das batalhas o meteoro do pensamento. E a emoção do Duce, que brilha nas cintilas do seu olhar, ou se ilumina, na expressão muito sua de volver as pupilas para cima, nos instantes em que a palestra nos conduz a regiões mais altas, é um índice racial, a tradução da sinfonia nacional, da pluralidade homogênea da singularidade de um só indivíduo polarizador. E como eu compreendia, agora, o segredo da sua fascinação, o mistério da sua força... Essas dedicações ardentes, esses círculos de ferro dos entusiasmos que o cercam, desde os cérebros que iluminam o país, até os braços rudes, que cavam a terra e batem a lamina de aço das naves!

 

Ele próprio nos disse, referindo-se à apoteose com que o vitoriou o povo de Milão, naquele momento descrita com calor por Mario Graciotti e Manoel Mendes:

 

- Que espetáculo grandioso! E vejam: não é possível imaginar-se que uma multidão de trezentas mil pessoas, que vibra daquela maneira, numa praça, pudesse ser trazida ali, pela força!

 

Ao que eu lhe respondi:

- Houve uma força, excelência: a do pensamento novo, que penetrou no coração da nacionalidade, pelo milagre da pena e da palavra, pelo jornal e pelo livro, e despertou todas as energias adormecidas. O fato objetivo dos episódios históricos ratifica, apenas, as revoluções já feitas, que coordenaram num longo período apostolar todas as realidades novas da vida social. É essa força coordenadora que o fascismo representa na Itália.

 

Mussolini me ouve com simpatia e atenção. Lamenta que, no exterior, ele ainda apareça com o aspecto da violência e até da tirania. Eu dissera a verdade: o povo italiano compreendeu o seu instante histórico.

 

Realmente, quando falei da força do pensamento novo, que empolgara a Nação, eu constatara uma realidade. O prestígio do fascismo vem, em grande parte, do primado que ele deu a Inteligência, na sua expressão mais ampla. A Inteligência, considerada por Mussolini, em um artigo de Il Popolo d‘Italia, em janeiro de 1920, como força econômica, como fonte de riqueza. Essa Inteligência não é a erudição estéril, o apego, aos textos, o culto das utopias; é a Inteligência viva e ágil, que penetra as raízes da nação, que apreende o sentido dos tempos modernos, sem a rigidez anquilosada dos organismos inadaptáveis ao cambio sutil das evoluções constantes, segundo os imperativos das circunstancias. É aquela Inteligência que não traça regras predeterminadas e irrevogáveis, mas que, entretanto, obedece a um sentido geral, que consulta a própria liberdade do pensamento, quando este verifica a fatalidade dos caminhos imprevistos.

 

Expliquei a Mussolini como se está formando, a este respeito, uma consciência no Brasil. Desde o começo deste século, em contraposição a preconceitos literários e jurídicos, a gradual formação de uma consciência realista, que deriva de Alberto Torres e Euclydes da Cunha, e vem até a geração atual. Nosso programa ´w o do imperativo das circunstâncias.

 

Mussolini vira-se vivamente para mim, e estendendo o indicador, num gesto firme, exclama:

- Sim; esse é o programa.

 

Conto-lhe, então, a nossa campanha, desde 1922. Embora muito diferente do fascismo, por motivos geográficos, históricos, étnicos, sociais e políticos, ela tem pontos de contato com os ideais da Nova Itália. Criamos uma literatura nacionalista e uma política de realidades. Cito nomes, fatos. O Duce espírito curioso e amável interessa-se. Ele é também, e principalmente, um homem de imprensa, o príncipe dos jornalistas italianos, como me dizia o presidente do Circolo Della Stampa. E, por isso, a mim me parece que estamos sendo mutuamente entrevistados. Falo-lhe do Brasil Novo, dos governos esclarecidos (como os de Washington Luis e Julio Prestes), que, reagindo contra a deletéria influência das revoluções dissolventes, possibilizam as salutares e sagradas revoluções do pensamento. Dentro dessa ordem de coisas, os intelectuais do Brasil não organizaram um partido, que seria prematuro, mas, organizam e acionam um movimento. Ao que Mussolini me diz:

- Muito bem. Isso antes de tudo. Não é possível a formação de um partido, sem um movimento preliminar de ideias, que forme uma consciência e defina um espírito.

 

Passamos a falar da Itália. Ou melhor, contando nós o que tínhamos visto, nas grandes cidades e nas pequenas aldeias, o espírito de ordem, de disciplina, de alegria no trabalho, de fé inabalável nos destinos da Pátria, começa Benito Mussolini a referir-se ao seu país e ao seu povo, com uma ternura, um calor, que não se escondem nos seus lábios comovidos.

 

Dizemos, também, nossas palavras de entusiasmo pela saúde moral, física e intelectual do seu país. Há uma luz de felicidade, de dever cumprido, no semblante do grande condutor de multidões, que é também um grande amigo do Brasil. Ouve-nos em silêncio. E, de repente, vivamente, estende o braço nervoso e diz:

- Como me agrada ouvir estas palavras! Estas palavras ditas pelos senhores, que são do Brasil, país de um grande, de um belo futuro, um país que é grato ao coração da Itália. Elas entram no meu coração. Quero pedir aos senhores, que são estudiosos intelectuais, e que viram, de fato, a Itália, que não se esqueçam de contar a verdade do que presenciaram. Somos caluniados no exterior. Precisamos que os espíritos imparciais falem com justiça. Os senhores viram. Dediquem, quando chegarem ao seu país, alguns momentos, desfazendo as falsidades que correm sobre o regime fascista. Ainda que custe algum sacrifício – e estou certo de que vai custar -, façam-no, por amor da verdade.

 

E volvendo-se para mim:

- E ao senhor, como animador de ideias novas, faço votos pelo sucesso do movimento intelectual da juventude do seu país, desejando todas as felicidades para a sua grande Pátria.

 

Mussolini não pede elogios. Reclama justiça, e tem todo o direito de o fazer. De mim, para mim, porém, penso que essa justiça não poderá ser feita por uma mentalidade bolorenta, viciada no ópio do falso liberalismo, aferrada a antiquados preconceitos de uma democracia moribunda. Essa justiça não poderá ser feita pelos partidários dos regimes demagógicos, que se votam ao suicídio, num instante em que se votam ao suicídio, num instante em que se desloca o eixo político do universo, com a deslocação do próprio centro de gravidade social, que passa da ideologia teórica de 89, para o sentido econômico de 1919, e que se transfere da metafísica jurídica para as instituições agudas das realidades imperativas.

 

Por assim pensar, digo ao Duce:

- Faremos justiça à Itália, porque a compreendemos; sem compreender não se pode julgar.

 

Mussolini dirige-me uma frase comovedora para mim. Lembro-me dos meus amigos distantes, dessa multidão de estudiosos, que sabem as coisas do Brasil; e que trabalham em silêncio, na convivência constante com a nacionalidade; e erguem a voz na imprensa e no livro, indicando novos rumos. Agora, diante do livro aberto da Itália, sinto crescer o meu nacionalismo e a minha fé nos destinos da minha terra. Precisamos continuar nossa batalha, fortalecendo a unidade da Pátria, pela unidade de uma consciência política fortemente acentuada. Os povos que sorrirem ceticamente destas coisas, não subsistirão na luta tremenda do dia de hoje.

 

Acusam a Itália e Mussolini de dramáticos. Eu prefiro o gesto dramático que visiona realidades, à displicência calma dos que servem às utopias. Essa a grande lição da Itália.

 

Sinto bem tudo isso, ao despedir-me de Mussolini, que, ainda uma vez, exclama:

- Felicidades para o Brasil!

 

Não me esquecerei do seu pedido e do seu vaticínio. Este momento, eu lhe disse, é, para mim, histórico. Farei justiça à Itália. Batalharei pela felicidade da minha Pátria.

 

Nota de Sérgio de Vasconcellos: A reportagem acima, se por um lado desmonta as versões mentirosas difundidas por falsos acadêmicos, por outro, confirma integralmente o que eu escrevi sobre o Histórico Encontro no Capítulo VII, “Roma – 1930: O Histórico Encontro entre Plínio Salgado e Benito Mussolini”, do meu Livro Integralismo; um novo paradigma – Vol. III (AgBooks: Rio de Janeiro, 2022).

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