segunda-feira, 15 de abril de 2024

Ariel e Caliban (26/04/1936)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

Ariel e Caliban (26/04/1936)

Plínio Salgado

Espírito alado de Ariel, alma leve da luz, que é o perfume sutil dos altos sentimentos e energia vital das vontades ardentes, quem poderá compreender sua origem misteriosa e o segredo de sua força imortal?

Pesado fardo de instintos, de desesperos, de dores, de revoltas, de aflições, corpo gigantesco de Caliban, quem, senão Ariel poderá envolvê-lo, dominá-lo com o magnetismo das supremas energias e guiá-lo, como os que guiavam, na pista romana, as quadrigas frementes de brutalidades cegas?

Tudo o que é luta cruel, no bojo das massas humanas, ou no recesso mesmo do Ser; conflagração de desejos e violências, de gritos da matéria em atrito consigo própria, de clamor de emoções e estrupido de paixões arrebatadas; tudo o que ateia as batalhas tremendas dos grupos sociais entre si, dos partidos em guerra, dos homens em mútua desconfiança, das consciências em tormenta que os contrastes dos conceitos e dos sentimentos incendeia; e tudo o que se exprime, na brutalidade e na incompreensão, na inconsciência e na demência, a crueldade esmagadora, - tudo isso, o espírito imponderável, diáfano, sem peso, sem medida, sem substancia, irrevelável às interpretações grosseiras do Universo, toma, como quem toma um volume de argila, para plasmar eternos ritmos e supremas harmonias!

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Esta nossa luta, camisas-verdes da Pátria, é a revelação diária, hora a hora, minuto a minuto, do mistério de Ariel.

Ariel está vivo, está presente, está atuando, está agindo, está conduzindo, está, cada vez mais, dominando.

Caliban se agita, se contorce; seus músculos formidáveis se retesam, sua face estampa os rictus das revoltas surdas; suas narinas ofegam; seus nervos vibram; suas veias entumecem; uma força tremenda se desencadeia dele. Mas a voz de Ariel é límpida como as estrelas. A vontade de Ariel é decisiva como um raio. O sentimento de Ariel é harmonioso como a música das esferas. E Ariel comanda. E Caliban obedece. E Ariel deseja. E Caliban executa. O fascínio de Ariel é o misterioso segredo da rota dos astros.

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Quando Caliban pensa que dominou, que venceu, que esmagou Ariel, é exatamente quando Ariel está senhor absoluto dos músculos de Caliban, que espírito alado - Pensamento intangível, Sentimento superador -aproveita no plano material para a execução de seus desejos.

Dentro do nosso movimento e dentro da Nacionalidade, como no interior de cada um de vós, o Espírito Imortal exerce o seu magnetismo arrebatador.

Caliban é a grande massa popular inconsciente; é a massa bruta dos partidos políticos; é o rancor dos chefes das facções, empenhados em esmagar-vos; é a cólera abafada dos medíocres, armando-vos ciladas; é a inveja dos pretenciosos, dos consagrados numa época morta, dos vaidosos de títulos que possuem e de cargos que ocupam; é a desconfiança de grupos civis, militares, culturais, religiosos, econômicos, em face da vossa intrépida marcha serena e luminosa; é o braço do perseguidor; é a mão do que escreve ou assina medidas contra vós; é a mentira com que vos ferem, a má fé com que vos acusam; é o rosnar da calúnia e o uivar da injúria; é, principalmente, o peso das indiferenças marmóreas, dos desdéns, das incompreensões, do letargo plúmbeo de todos os que tombaram no torpor cataléptico das imobilidades da inteligência, da vontade e do coração.

Ariel é esta força desconhecida, imponderável que nos conduz e nos consola, que nos anima e vivifica, que nos inspira a esperança e a certeza nas horas trágicas da Nacionalidade.

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Ariel! Assim chamaremos à luz do nosso espírito e a esta coisa misteriosa que nós mesmos não podemos decifrar, cujas origens não podemos precisar, este "não sei que", esta secreta vibração, este "quase nada", que em nós é TUDO, fonte de resistência aos sacrifícios, alegria da luta, auréola de combatentes.

Ariel! Ariel! Como esta palavra, à falta de outra que exprima o fenômeno da psicologia integralista, a mística da Humanidade e da Pátria, a intuição das Coisas Eternas, exprime a majestade dos ritmos perenes sobre todas as efemeridades precárias!

Quando lutamos não apenas contra o meio, contra as hordas dos maus, contra uma civilização, mas, face a face, conosco mesmos, como sentimos Ariel dominando Caliban!

Caliban, então, é a nossa tristeza, são as nossas amarguras, são as nossas incertezas, são as nossas cóleras fulmíneas, é a melancolia que rói, o tédio que tenta desencantar-nos... É, também, o peso dos íntimos sofrimentos, a trituração da alma nas horas aziagas, os desgostos de cada instante, os aborrecimentos de cada dia... É ainda a incapacidade para resistir agruras comuns da existência, dores morais deprimentes, os sentimentalismos doentios que tentam paralisar nossa marcha... Caliban são as insuficiências morais de cada um, revelando-se em impulsos arrebatados, em atitudes de egoísmo, em incapacidades de suportar, em açodamento, em precipitação, em imediatismo... Caliban vive no corpo da sociedade e vive dentro do sangue daqueles mesmos que pretendem dominá-lo.

Caliban é o espírito materialista do Século. Caliban é a negação de Deus. Caliban é a violência de Sorel e a opressão dos plutocratas, a lei do ódio dos comunistas, a grosseria de uma sociedade governada pelo sexo e pelo estomago. Caliban é o imperialismo financeiro. Caliban são os golpes de Estado dos ambiciosos do Poder. Caliban é a bandeira dos instintos desfraldada contra a bandeira da alma.

Caliban é como os filhos de Tubalcain, que constroem hoje arranha-céus e expulsam Deus das cidades. Caliban é o sofisma científico, opondo- se à verdadeira ciência e às reais finalidades do homem. Caliban é o peso das consciências atormentadas pela escravidão dos instintos. Caliban é todo um sentido de civilização que resplandece nas coisas materiais e entenebrece o coração dos habitantes das metrópoles.

Caliban manda apagar as estrelas para acender reclames luminosos. Porque ele é também a concorrência comercial desenfreada e sem controle de nenhum Poder com base no Espírito e no equilíbrio humano. Caliban é a materialidade de um século, esmagando o Homem.

Devemos lutar, esmagar Caliban? Não: devemos dominá-lo. É a lição de Ariel. E Ariel é a força imortal que nos conduz.

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Essa força é cada vez mais viva, quando se tira partido do sofrimento para que ela resplandeça. É preciso sofrimentos. É preciso muita dor. Sobre a treva das angustias íntimas, das torturas que sobem do coração e morrem nos lábios, das agonias em que nos debatemos com a superior elegância de um sorriso, nestes dias de fim de Civilização, que, em tudo e por tudo, ferem e magoam os que são contemporâneos, não dos que os cercam, porém, do Futuro, onde novas gerações os esperam; sobre as tremendas batalhas íntimas que só os loucos desconhecem nesta fase da História, - alvorece a estrela da manhã. É Ariel. Espírito alado, alma leve da luz. É Ariel, inspiração divina nos homens de boa vontade. Supremo dominador das contingências. Perpetuidade sobre as efemeridades. Sentido novo do mundo, sopro imortal do Verbo.

Caliban é de chumbo. Tem a cor das tempestades no céu e no mar. Tem a peso dos corpos gigantescos. Tem a incoordenação dos movimentos. Não conhece lógica. Não entende os superiores ritmos da harmonia. É forte e poderoso, mas é estúpido e cego. Não conhece a palavra "construção", porque só aprendeu a palavra "destruição". Ignora a palavra "paz", porque só lhe ensinaram a palavra "ódio" Jamais ouviu falar em "perseverança", porque só age pela "inconstância". Ao raciocínio responde com o impulso. À ideia, responde com o insulto. Ao sentimento, responde com a brutalidade. A delicadeza opõe a grosseria; à virtude, contradiz com o vício, a explosão dos instintos e a cegueira dos prazeres fúteis.

Ariel é de luz. Mais imponderável do que a luz. Mais luminoso do que a luz. Mais vivo. Mais ágil. Mais dominador.

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Caliban é a vida em função da morte.

Ariel é a vida em função da própria vida, eternizada no Espírito.

Dentro de cada criatura humana, como dentro de cada Nação, o destino de Caliban será o de ser dominado pela força de Ariel. Essa força não é material, mas governa as forcas materiais. Essa força é aquela mesma que proveio, certamente, da força das forças, da energia das energias, e esteve antes das nebulosas, no infinito dos tempos, engendrando os espaços, antes, muito antes que a matéria clamasse na sua treva,

Espírito de Ariel! De Ariel, ou o que quer que sejas! Sentido de harmonia dos mistérios imortais! Ilumina a minha Pátria e a consciência dos nossos contemporâneos, para que compreendam o drama dos camisas-verdes! Ilumina, principalmente, os camisas-verdes para que aprendam cada vez mais, a sofrer, para que neles cintile por sobre as triturações de todas as dores, a tua luz e a tua força. Caliban é uma força sem destino, um pesado fardo sem endereço. É a inconsequência e a cegueira, é a surdez e a insensibilidade de alma. Toma essa força, Ariel, dá-lhe o supremo objetivo na glorificação do espírito!

Ariel, enigma, luz que sentimos e energia suscitada dentro de nós pelo destino de uma Pátria. Toma a ti, Ariel, a missão de nos inspirar. Eis o livro da nossa História de Poro.

Escreve a História do Brasil com a tua luz.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 26 de Abril de 1936.

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