Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à
generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida,
profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana
existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é
Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o
trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/
RESSURREIÇÃO
(28/03/1937)
Plínio Salgado
A ressurreição de Cristo encerra, na
sua realidade e na sua simbologia, um ensinamento para os indivíduos e para os
povos. O maravilhoso episódio evangélico demonstra que não será jamais possível
a vida gloriosa, a vida imortal, a vida integral em espírito e corpo, a vida
invulnerável, a vida intangível, a vida suprema em harmonia perfeita, sem que,
primeiro, haja o triunfo escuro da morte sobre a vida precária, a vida falível,
a vida incerta, a vida em angústia, em fraqueza, em temor.
Entre todos os mistérios que se
oferecem à limitada compreensão humana, nenhum me seduz tanto, nenhum me abre
um panorama mais completo dos planos universais da criação, como esse, que nos
mostra, num relâmpago, a sinfonia de todos os valores e expressões do Eterno
Pensamento conjugando-se com a Eterna Vontade no esplendor do Eterno
Sentimento.
Na Ressurreição culmina e realiza-se a
Redenção Perfeita, a Redenção, que seria incompleta, se não envolvesse a
nobilitação, a santificação, a glória da Forma Material, que é, também, criação
de Deus.
Quando o Arcanjo, na hora matinal,
entre as brumas alvas da aurora, diz às mulheres piedosas: "Ressuscitou;
não está aqui", ele anuncia o milagre cósmico, a integração absoluta do
Corpo e do Espírito. A Humanidade, desde então, está realmente engrandecida
sobre todas as suas misérias, e a promessa divina se cumpre, revelando ao nosso
pobre corpo, a esse corpo que São Paulo dizia estar cheio de morte, a esse
corpo atraído para as desarmonias das prevaricações e dos crimes, para as dores
das paixões e para as misérias deprimentes, a possibilidade das afirmações
gloriosas, na força plena da imortalidade e da perfeição.
A Redenção do Homem apenas em Espírito
não seria completa. O Homem realiza no plano universal o milagre da integração
de dois mundos: o mundo da matéria e o mundo da consciência. Entre os seres
brutos e os seres espirituais, o Homem é o meridiano do Infinito, é o ser
integral.
*
Esta compreensão do Homem nós só começamos
a tê-la, desde Cristo e desde a Ressurreição. Já não é o domínio absoluto do
Corpo, o exclusivo prestígio das formas eurrítmicas na alegria pagã: e já não
é, também, o abandono, o desprezo, o vilipêndio desse cântaro vivo, dessa ânfora
que estremece em movimentos emocionais, levando o perfume sagrado, a essência
pura do espírito imortal. É a conjunção, é o ritmo misterioso, é a harmonia
suprema entre o falível que se infalibiliza, entre o perecível, que se
imperecibiliza, entre o mortal que se imortaliza e o Espírito Perene.
Confirma-se a intuição pagã dos semideuses,
expressão esta que supriu a deficiência do entendimento ao desamparo da
Revelação. E nós aprendemos que é preciso combater a morte do Corpo para torná-lo
digno do seu destino superior.
Como combater a morte do Corpo? Será
preciso tomar esta frase na sua significação mais terra-a-terra, para não se
compreender a esplêndida beleza do combate que nos cumpre travar. Pois quando
tomamos esta pergunta no seu sentido mais profundo, então percebemos que não se
trata da morte material, mas da outra, a que estabelece o divórcio entre o
Corpo e o Espírito, a que dissocia o ritmo entre dois mundos, à que destrói as
harmonias e proclama a luta entre as forças materiais as forças espirituais.
*
Penetrando a fundo nestas palavras,
entender-se-á um pouco a angústia, a aflição, a agonia do mundo moderno. A dor é
parenta próxima da morte. Nós o sabemos, por experiência lancinante, quando se
trata do fim da vida orgânica, do bruxuleio da existência corpórea. Nós o
sabemos, também, pelos sofrimentos morais consequentes de nossos erros, E o
mundo contemporâneo está cheio de dor. É a dor do ódio, é a dor das ambições, é
a dor do orgulho ferido, é a dor das vinganças, é a dor das desconfianças recíprocas,
é a dor da inveja, a dor do medo, é a dor da lascívia, é a dor das superexcitações
da nevrose do jogo e das aventuras comerciais, financeiras e políticas, é a dor
dos despojados de fé, que tiritam no frio das dúvidas, é a dor das covardias, a
dor dos tédios e dos esgotamentos... Há morte no corpo do Mundo Moderno. Há
morte porque há desarmonia entre a vida material e a vida espiritual.
Como combater a morte que entrou no
mundo? Certamente essa morte não poderá ser com- batida sem que primeiro a
combatamos dentro de nós mesmos. E que deveremos fazer? Devemos realizar em nós
próprios a síntese dos ritmos dissociados Como realizá-la?
De certo não será pela fuga do mundo,
pela fuga de nós em nós mesmos, pela vida contemplativa, pela negação do
destino do corpo, que livraremos o mundo contemporâneo do desespero e das
torturas prenunciantes da morte.
*
A questão
social que se põe aos olhos dos estadistas e dos pensadores não pode ser
resolvida, nem pela interpretação do destino do homem segundo uma única
finalidade transcendente, nem segundo uma única finalidade material. O corpo
tem seus deveres para com o Espírito, e o Espírito tem seus deveres para com o
Corpo.
Esse corpo,
que ressurgiu arrebatado pelo próprio Deus, esse Corpo de Cristo redimiu-nos em
corpo e alma. E, como se não bastasse, para nos fazer compreender o equilíbrio
exato, a harmonia perfeita, a destinação segundo a Terra e segundo o Céu, Cristo,
antes do episódio maravilhoso, que culminou à Redenção, reuniu-nos, em confiança
e amor, e prometeu-nos a sua presença, não apenas em alma, porém, em corpo e
sangue, na vitoriosa expressão divina.
E tudo isso é
a lição da Vida. A vida, tão fácil de ser vivida pelos irracionais, torna-se
difícil para nós, justamente porque o nosso Espírito, na liberdade plena, entre
as leis do Mal que o solicitam, e as leis do Bem que o inspiram, sente-se
perplexo e confuso. E, por isso, a Redenção torna-se uma regra, um roteiro, uma
luz, para que possamos, dia a dia, aprender a viver.
Os Povos,
porém, esquecem, cada vez mais a lição divina da Vida. Os homens estão perdidos
na cerração espessa. Falta-lhes uma luz. E essa luz é tão fácil!
*
"Ressurgiu;
não está aqui!" Homens, lembrai-vos de que o corpo foi dignificado, foi
honrado, foi reposto na sua majestade. Como permitis que as injustiças sociais
levem multidões de párias à miséria do corpo, à fome, ao relento, ao desamparo
na enfermidade e na velhice? Como permitis que uns percam a alma prodigalizando
excessos de comodidade no corpo, e outros percam a alma, na revolta a que a
conduz o corpo tiritante e oprimido?
Estadistas,
políticos, intelectuais e militares, financistas e poderosos de todos os
poderes, estais esquecidos de que tendes um Espírito, e que esse Espírito tem
deveres para com as necessidades materiais, não apenas vossas, mas de vossos
semelhantes? Como permitis que governem o mundo as leis exclusivas da matéria,
da brutalidade na concorrência, da traição no comércio e na política, do ódio
na luta entre opressores e oprimidos? O Estado deve ser uma expressão das necessidades
do Espírito e do Corpo da Nacionalidade, de cada pessoa que compõe a massa
coletiva. O Estado, como expressão corpórea, deve ser tão vigoroso, tão for-
te, tão belo e tão puro, como deve ser cada corpo dos habitantes da Nação; e o
Estado, como expressão espiritual, deve ser tão potente em vontade e tão iluminado
em deveres, quanto cada um dos indivíduos que constituem a coletividade
nacional. Esse Estado reflete a própria expressão humana, no que ela tem de
realidade e finalidade, e mira-se no espelho divino do mistério cósmico de Cristo
ressurreto da sua tumba, no seu glorioso esplendor.
Neste dia em
que comemoramos a Ressurreição, nós, integralistas, temos o mais belo dos
motivos para pensar debruçados sobre as angústias do mundo moderno e sobre a
agitação da vida nacional.
Restituir à vida
da Nação o sentido do milagre, eis à nossa missão histórica. Clamar para que os
outros Povos se recomponham segundo o grande ritmo criador da Suprema harmonia
cristã, eis nossa aspiração.
Ver o Brasil
ressurreto. Ver a Nacionalidade integrada no alto sentido da vida material e espiritual
- é tudo quanto desejamos, nesta nossa luta.
A lição do
Evangelho é, porém, muito viva em nossas consciências. Sabemos que Cristo, triunfando
da morte na morte, quis ensinar aos homens que quem quiser a vida eterna terá
de passar pela morte. E a morte, para nós, brasileiros, não é por certo aquela
que é menos para temer, mas o doloroso transe nacional, em que teremos de ver
desfraldadas as bandeiras do separatismo, do comunismo, possivelmente ligadas
no mesmo arranco materialista, oportunista, traidor, destruidor.
Aproximam-se
dias escuros. Nós bem o sabemos. O mundo todo está se cobrindo daquelas nuvens
que se fecharam completamente na Hora Sexta, sobre a Montanha... E a nossa Pátria
já está toldada de sombras cor de chumbo. É, possivelmente, a morte, que vai
passar, mas é também a Vida que vai vencer.
A Vida do Espírito
Nacional, que palpita nos camisas-verdes da Pátria, e, que galvanizará, e iluminará,
e porá em marcha o Corpo da Pátria, no triunfo glorioso de uma ressurreição do
Brasil.
Publicado
originalmente n’A OFFENSIVA, em 28
de Março de 1937.