Esclarecimento: O Artigo abaixo foi publicado em jornal pelos “Diários Associados, mas, o recorte que dispomos não trazia a data da publicação. Felizmente, graças ao impressionante trabalho de pesquisa sobre o Integralismo em fontes primárias, o brilhante pesquisador Matheus Batista pode nos informar que a data da edição foi 07 de Dezembro de 1965.
Em breve, o Companheiro Matheus Batista
publicará uma sensacional Obra sobre o Integralismo. Aguardem!
Federação
e Unidade Nacional (1965)
Plínio Salgado
A Unidade Nacional Brasileira constitui um
dos fenômenos políticos mais notáveis do mundo. Não se trata de uma unidade
compulsória, como foi o caso do Império Romano, ou dos impositivos de guerras
vitoriosas, como as de conquista empreendidas pelos Czares da Rússia, que
sucessivamente foram abrangendo largos territórios. Em ambos os casos
verificou-se uma unidade de aparência, mas não de essência. Os povos submetidos
continuaram a falar em suas línguas próprias, multiplicadas em dialetos,
mantendo o culto de suas religiões e as normas tradicionais de seus costumes.
No Brasil, entretanto, em extensão quase
equivalente àqueles Impérios, conservaram-se a mesma língua, a mesma religião,
os mesmos hábitos, com ligeiras variantes de características regionais. E, mais
do que isso: um sentimento comum de Pátria, que identifica o amazonense e o
gaúcho, os paulistas e mineiros aos nordestinos e às populações do
Centro-Oeste. A que atribuir tão pasmosa unidade?
Historiadores e sociólogos procuram penetrar
no mistério desse enigma; opiniões divergem, mas o problema continua desafiando
a argúcia dos pesquisadores.
Tenho para mim que a causa principal da nossa
unidade está no espírito ecumênico do colonizador português. Aquele povo, de
pouco mais de um milhão de habitantes ao tempo das descobertas, herdou dos
romanos o sentido universalista no trato com os povos. Em vez de impor,
adaptou-se ao que encontrava como realidade social e soube conformar-se às
circunstâncias geográficas, climáticas e regionais. Sem preconceitos de raça,
cruzou-se com os autóctones e, depois com as correntes africanas e europeias
que confluíram no Novo Mundo. Sem intolerância religiosa, pregou o Evangelho,
mas não violentou nem os índios nem os negros, não exercendo sobre eles a
crueldade dos arbítrios inquisitoriais. Sem exorbitância de uma política
centralizadora, deixou germinar e crescer a futura Nação, consoante com o
pensamento dos juristas e a clarividência dos Reis.
A evolução do povo brasileiro teria, porém,
justamente em razão da política dos colonizadores, a partir de D. João III, de
desenvolver-se entre as forças contrastantes de uma antinomia, que perdurou na
Colônia, no Império e manifestou-se claramente na República. De um lado, a
atração centrista da Autoridade Central, do outro a expansão centrífuga dos
imperativos regionais, aos quais devemos acrescentar inicialmente o espírito do
Homem Renascentista, sequioso de liberdade e de aventura e, posteriormente, o
do racionalismo do século XVII e o libertarismo do século XVIII.
A necessidade inerente ao plano da
colonização levou a Metrópole a dividir o vasto território em capitanias. Falou
o bom senso, considerada a extensão da área a colonizar e a civilizar. Começam,
aí as diferenciações de interesses das várias partes do País. Fracassado o
plano, em grande parte das Capitanias, recorre-se a um Governo Geral. Viu-se,
depois, que o Norte era diferente do Sul e que o Brasil precisava de dois
governos.
No curso do século XVIII, acentua-se a
antinomia entre o respeito à Metrópole e o libertarismo da Nação nascente. O
sentimento de fidelidade à Portugal manifestara-se já nas guerras contra os
holandeses, franceses e ingleses e, principalmente, quando os pernambucanos
foram retomar Angola, para entregá-la à Pátria-Mãe. Exprime-se ainda no gesto
de Amador Bueno, aclamado rei dos paulistas e rejeitando a coroa por ser fiel a
Portugal. Por outro lado, falam os sentimentos regionalistas e individualistas,
que revelam o Homem da América, de movimentos livres e soberana audácia. Tal
estado de espírito irá manifestar-se na Inconfidência Mineira e na revolução
americana de 1817.
Assim, chegamos à Independência. Agora, que o
Poder Central se deslocava de Lisboa para o Rio de Janeiro, explodem os ímpetos
de autonomia regional. O Brasil está ameaçado pelo separatismo. Por que? Pelo
excesso de centralização do Poder. É o mesmo que se deu na Argentina, conforme
assinala Sarmiento no seu livro sobre Facundo Quiroga.
Apagadas as chamas da segunda revolução pernambucana
de 1824, acende-se dez anos depois o incêndio da Guerra dos Farrapos. É a
República de Piratini contra os arbítrios do Poder Central. Depois de
pacificado o Rio Grande do Sul, pelo esforço ingente de Diogo Antônio Feijó,
foi este mesmo que, unido ao brigadeiro Tobias em São Paulo e a Teófilo Otoni
em Minas, deflagrou uma nova revolução, em 1842, alegando a excessiva absorção
do Governo Central contra as Províncias do Império. O Federalismo nascia,
portanto, destas datas memoráveis: 1824 – Pernambuco; 1835 – Rio Grande do Sul;
1842 – São Paulo e Minas.
Só então começou-se a compreender que a
Unidade Nacional Brasileira, lastreada pela mesma língua, pela mesma religião,
pelos mesmos sentimentos, encontrava agora um opositor: os legítimos interesses
regionais, não apenas econômicos, mas sobretudo de liberdade política e livre
manifestação da opinião dos brasileiros.
No transcurso histórico de 1842 a 1870, a
ideia federalista ganhou corpo, como condição fundamental da Unidade da Pátria.
Nem se podia compreender o problema de outro modo. Ainda que unidos pelos laços
afetivos mais profundos, os brasileiros das Províncias não sofriam ser
oprimidos, espezinhados pelo Poder Central. Queriam ter voz nos auditórios da
Nação, queriam ser atendidas nas suas peculiaridades, queriam a União mas com
dignidade e como resultado de uma autonomia em que se baseia a sua livre adesão
ao Todo Nacional.
A ideia federalista empolgou de tal maneira
os espíritos que, desde a Convenção de Itu, realizada em 1873, foi-se tornando
a ideia-força da propaganda republicana. No Partido Liberal, principalmente, o
federalismo aliciava, dia a dia, novos adeptos, ao ponto de um homem como Rui
Barbosa, pertencente àquela agremiação, declarar ser imperativa a fórmula
federalista, “com ou sem a Monarquia”. Era o desenvolvimento do Brasil, que
transitara das Capitanias, isoladas uma das outras, à formação gradativa das
futuras Províncias e, finalmente estas, tomando consciência das diferenciações
que as distinguiam umas das outras e delineando, por um processo natural, os
seus limites geográficos.
Todo o segredo da Unidade Brasileira está em
conciliar os rumos políticos gerais da Nação com os impositivos das reações
regionais. Compreenderam-no os Reis Portugueses, os Governadores Gerais, os
Vice-Reis e os estadistas do Império. Compreendiam-no de modo claro, pensadores
como Tavares Bastos. Percebiam-no tanto os que pretendiam preservar o Trono,
como os que desejavam derrubá-lo.
Ao proclamar-se a República, viram os
responsáveis pelo novo regime que as instituições recém-inauguradas
necessitavam de uma firme estrutura política para as embasar. Os Partidos da
Monarquia (o Conservador, o Liberal e o Progressista) tinham sido
automaticamente extintos, não por decretos artificiais, mas em consequência das
realidades políticas.
As democracias não vivem sem partidos; são
eles os captadores das correntes de opinião, os aparelhos de sensibilidade,
acusando tendências das parcelas componentes do povo; refletindo a influência
das ideologias e doutrinas expostas pelos pensadores do País; assinalando os
diferentes estados de espírito do povo; acusando mudanças inerentes à própria
vitalidade nacional. A Nação é um corpo vivo. Ao contrário do que pretenderam
Bluntchili e a escola histórica alemã, não é o Estado que vive e sim a Nação,
porque o Estado é apenas um instrumento dela.
Os fundadores da República, vendo a Nação sem
partidos, não porque o desejassem, mas porque as agremiações baluartes do Império
desapareciam com ele, buscaram nas realidades nacionais o meio de articular a
opinião pública. A articulação dependia de motivações e estas, uma vez que só
predominava a ideologia republicana, só podiam existir segundo os interesses das
Províncias, agora transformadas em Estados autônomos.
Corporificou-se, então, o Partido
Republicano, que por ocasião da proclamação da República, praticamente só
existia em São Paulo e Minas, com 35 fraquíssimos clubes de propaganda. O adesismo
ao Poder, que é uma constante na vida brasileira, segundo o primeiro fator da
antinomia a que nos referimos, ou seja a submissão à Metrópole, aos
Governadores Gerais e aos Vice-Reis, no tempo da Colônia e aos Gabinetes
Ministeriais no Império, facilitou a formação do Partido Republicano no País,
um partido único, que precedeu de muito o comunismo, o nazismo e o fascismo.
Mas havia a atender a motivações que polarizariam as opiniões regionais e,
nesse caso, multiplicaram-se os Partidos Republicanos, com siglas de cada
Estado: PRP em São Paulo; PRM em Minas; PRR , no Rio Grande do Sul; PRB na
Bahia. E assim por diante.
Os primeiros anos da República estiveram sob
a responsabilidade dos militares e foram períodos de agitação, descompasso,
perturbações, porque a Força Armada raciocina em razão de regimentos e
batalhões disponíveis pelas facções em que se dividem e nunca pela ordem
natural das coisas. Isso levou Deodoro da Fonseca a dissolver o Congresso,
vindo, logo em seguida, o golpe de Floriano Peixoto e Custódio de Melo
(Exército e Marinha). E não tardou que o consulado de Floriano fosse abalado
pelo mesmo Custódio de Melo, em consonância com as forças rebeladas de
Gumercindo Saraiva, que vinham do Sul.
Jugulada a revolta e já muito doente
Floriano, veio afinal o Governo Civil de Prudente de Morais, contra o qual se
articulou a conspiração de Diocleciano Martyr e Marcelino Bispo, cujo epílogo
foi o assassinato do marechal Bittencourt, que recebeu a bala destinada a
Prudente.
O Federalismo, entretanto, articulou-se para
a eleição de Campos Sales e este deu vivência à realidade federalista
instaurando a “política dos governadores” mediante a qual governou sem estado
de sítio, norma de seus antecessores e sucessores.
Essa política funcionou até 1930. Era
inevitável que os Estados mais populosos dominassem a vida nacional. A
composição paulista-mineira e gaúcha equilibrou o sistema.
Inquietações e ideias novas começaram a se
revelar nas revoluções de 1922 (Copacabana); 1924 (São Paulo); 1926 na Marinha,
até que em 1930, por interesses puramente regionais, quebrou-se a aliança
Minas-SãoPaulo-Rio Grande.
Enganavam-se os que pleiteavam a hegemonia de
seus Estados. Correntes ideológicas surgiam, num sentido nacional e não mais
estadualista. Era o socialismo, o comunismo, o nacionalismo, o integralismo. A
própria revolução de São Paulo (1932) escapava aos limites do Estado, para
assumir o caráter ideológico de constitucionalismo, vitorioso afinal na Carta
de 1934. Mas esta teve pouca durabilidade, sobrevindo a Ditadura que teve vigência
até 1945. Os partidos organizados em 1946 foram de caráter nacional e
procuravam alguns artificialmente, apoiar-se em ideias gerais. No curso do
período de 1946-1964, começaram a reagir os fatores regionalistas, que
desvirtuaram, pouco a pouco, o sentido nacional das novas agremiações. E, após
o movimento armado mais recente, o Governo, pelo Ato Institucional nº 2
extinguiu todos os partidos.
Encontra-se agora o governo do marechal
Castelo Branco sob o peso das mais graves responsabilidades ante a próxima
reestruturação política do País: conciliar o Federalismo (condição da Unidade
Nacional) com a linha política da União. A fórmula integralista “centralização
política e descentralização administrativa” deve ser a chave para a solução do
problema. Essa orientação não abrange apenas o que concerne às prerrogativas de
autonomia política, mas também as estruturas econômicas. A inflação, com o
poder emissor nas mãos do Governo Central, e os sistemas tributários
enriquecedores da União e depauperadores dos Estados e Municípios, torna a autonomia
dos Estados apenas uma expressão de direito e não de fato. Desequilibram-se os
dois fatores históricos da Unidade Nacional.
Julgamos oportuno estas ponderações levadas
aos responsáveis atuais pelo Governo da Nação.