quinta-feira, 29 de agosto de 2024

A Pátria, acima de tudo! (09/05/1936)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

A Pátria, acima de tudo! (09/05/1936)

PLÍNIO SALGADO

Três hipóteses se apresentam ao nosso espírito em face da situação nacional:

1ª) - A situação do país é gravíssima;

2ª) - A situação é apenas grave;

3ª) - A situação não é grave.

Na primeira hipótese, devemos examinar em que consiste uma situação gravíssima. Evidentemente que ela consiste em circunstancias que se refletem nas próprias relações internacionais do país; é o caso da intervenção em nossa vida interna de um inimigo estrangeiro, ou a ameaça premente da invasão do nosso território. Nesta emergência, o Governo precisa encontrar-se armado de meios, de modo a defender com a máxima eficiência e rapidez a soberania nacional e a honra da Pátria. Temos diante de nós o caso típico do "estado de guerra". Defendido pela legislação em vigor esse "estado de guerra" suspende todas as garantias constitucionais, relativas à liberdade de pensamento, de reunião, de propaganda, de atuação política, ficando essa liberdade condicionada ao Juízo do próprio Poder Executivo, que decide, a favor ou contra, através das autoridades que hierarquicamente o encarnam.

Esse eclipse necessário das liberdades públicas, essa restrição da amplitude do exercício dos direitos democráticos, para surtir seus completos efeitos terá como consequência lógica a ineficácia de quaisquer institutos assecuratórios dos referidos direitos, dando-se por suspensas as concessões de mandados ou outros remédios jurídicos por parte de juízos ou tribunais do país; porquanto seria insuficiente a abolição das liberdades pelo Executivo, quando o Judiciário lhe anulasse a possibilidade de ação.

Que resulta disso? Resulta que "estado de guerra" firma o princípio da prioridade absoluta do Poder Executivo durante período de sua vigência. Firmado esse princípio, que decorre dele? Decorre que, tanto em teoria, como na prática, os Poderes Judiciário e Legislativo cessam de funcionar, este, de um modo completo, e aquele em tudo o que disser respeito a quaisquer recursos ou ações referentes aos reclamos das liberdades públicas asseguradas pela Constituição e pela Legislação em vigor nas épocas normais.

Agora, da suspensão temporária dos Poderes Legislativo e Judiciário, quais serão as consequências? Essas consequências são todas aquelas que decorram do princípio firmado de que o Governo Federal não deve encontrar óbices de espécie alguma nas atividades repressoras da anarquia ou da guerra que se levantam contra o Estado Nacional. Não existindo os Poderes Legislativo e Judiciário, temos 1º - não há imunidade parlamentares nem garantias especiais à magistratura, 2º) - a autonomia dos Estados sofre as restrições decorrentes da declaração da prioridade do Executivo Federal sobre os dois outros poderes da União, porquanto, se em matéria de providencias de ordem policial ou militar, aqueles poderes podem criar embaraços, muito maiores embaraços poderiam criar outros tantos Executivos agindo por conta própria e muitas vezes em divergência com os supremos interesses nacionais.

Aberto um parêntesis na normalidade da vida constitucional, deixando de, virtualmente, existir, para interpretarmos os estritos termos legais referentes ao "estado de guerra", o Legislativo, através do qual se manifesta a opinião pública, e o Judiciário, que garante a execução da Lei Eleitoral, a interpretação exata da Lei de Segurança Nacional, a aplicação concreta dos textos da Constituição, logicamente serão nulas todas as eleições realizadas na vigência do "estado de guerra".

O direito do voto, principalmente depois que entrou em vigor a nova Lei Eleitoral que objetiva, de modo claro, po(...) expresso, a representação partidária, só se torna efetivo mediante o exercício de vários direitos que lhe são forçosamente inerentes: o direito de reunião, o direito de propaganda, o direito de locomoção.

Ora, esses direitos não existem no "estado de guerra". A Lei Eleitoral, por exemplo, proíbe aos partidos a propaganda quarenta e oito horas antes da eleição; é exatamente dentro desse período que o governo suspende o "estado de guerra" para a realização do comício eleitoral.

Essas são as consequências do “estado guerra”, tão necessário na hora presente, consoante o que se infere das informações do Poder Executivo.

Aceita, pois, a hipótese de que a situação do país é gravíssima, só nos portaremos com patriotismo e dignidade, aprovando e até aplaudindo "estado de guerra". E uma vez que aprovemos e aplaudamos, teremos de concordar, e jamais nos rebelarmos contra as consequências de remédio heroico, de uma providência cauterizante, a que foi levado o Governo, em um momento doloroso da vida nacional.

Regulamentar o "estado de guerra" será reconhecer que a situação não é gravíssima, porém apenas grave. Ora, se assim é, basta aplicar ao país o "estado de sítio", de menores efeitos, ou até mesmo, socorrermo-nos tão só da legislação em vigor: a Lei de Segurança Nacional, os Códigos Penais.

Mas eu pergunto: quem saberá melhor do que o Executivo das necessidades imediatas do Brasil, no tocante à Segurança Nacional?

Acaso o Legislativo?

Mas não foi Legislativo que, nas vésperas de rebentar a revolução comunista de novembro, votou, por 80 votos contra 72, uma indicação ao presidente da República, para que, ou "fechasse a Acção Integralista Brasileira", ou "reabrisse a Aliança Nacional Libertadora"?

As Chefaturas de Polícia de todo o país e os Comandos das Regiões Militares verificaram, dias depois dessa atitude da Câmara, que a Aliança Nacional Libertadora estava envolvida como personagem de primeiro plano, na revolução de novembro. Essas mesmas autoridades verificaram os relevantes serviços prestados, na defesa da Ordem e do Governo da República, pela Acção Integralista Brasileira, tendo disso dado testemunhos públicos o chefe de Polícia da Capital Federal e o próprio presidente da República, em expressivo telegrama ao Chefe do Integralismo,

Como pode a Nação confiar no Poder Legislativo, quando ele, na melhor das hipóteses, para não o acusarmos, nem de leve, de conivência com os comunistas, se mostrou tão mal informado, nas vésperas da intentona de novembro?

Por uma coincidência, naqueles dias, os jornais publicavam uma correspondência de Moscou, dando conta dos trabalhos do Congresso da Internacional Comunista, e reproduzindo considerações de Dimitroff, em discurso através do qual afirmava que os comunistas brasileiros iriam manobrai o nosso Legislativo, no intuito do combater o Integralismo, como ato preparatório da insurreição bolchevista.

Não quero acusar os nossos patrícios, com assento na Câmara Federal, do conhecimento dessa pérfida manobra da Rússia, império com o qual devemos nos considerar em guerra, pela petulância e menosprezo a nossa dignidade de Povo Livre, revelada na ingerencia em assuntos de nossa política interna. Não: eu ainda creio no patriotismo da Câmara e do Senado Federais. Não posso conceber que esses homens, tão atacados e às vezes injustamente caluniados em razão de males que não deles, mas do sistema político decorrem, não posso conceber que, pais família, cristãos e brasileiros, que o são e muitos até paradigmas de tradições legítimas, dessem por tão barato o interesse nacional, subordinando-o a caprichos fúteis.

Mas o em que me firmo é no seu desconhecimento habitual por parte do Legislativo, das tramas ardilosas e hábeis maquiavelismos, que só o Executivo, pela sua ação constante e vigilância incansável, pode conhecer nos seus mínimos pormenores, muitos dos quais, no interesse mesmo da Nação. No caso de serem levados à arena dos debates parlamentares, prejudicariam a defesa nacional.

Ainda está quente e fumegante o sangue dos militares que, na defesa dos lares brasileiros, entre os quais os dos próprios congressistas, tombaram nos dias trágicos de novembro. Cumpre pensemos nisso, antes que nos aferremos prerrogativas que, no momento, devemos renunciar em holocausto a nossa Pátria e ao sacrifício de nossos irmãos militares que ainda estão arriscados a morrer por nós, pelas nossas famílias.

Não queremos nós, os integralistas, nenhum mal aos senhores deputados senadores, antes, pelo contrario, desejamos a suas famílias, a sua religião, a sua liberdade, tanto quanto de bem aspiramos para todos os camisas-verdes; entendemos, no entanto, que a hora é para que tenhamos, todos nós, muito juízo, muito bom senso, sufocando em nós todas as vaidades.

Que o Poder Executivo, e ele, que responde diretamente pela honra nacional, decida de tudo, neste momento.

Se, porém, a situação não é grave, o que constitui a terceira das hipóteses acima aventadas, neste caso, nem "estado de guerra", nem "estado de sitio" se justificariam.

Não podemos, em todo o caso, brincar num instante como este. E brincadeira será sempre toda qualquer manobra que elementos extremistas disfarçados e habilíssimos executarem no Legislativo, abusando da boa fé de honrados pais de família, que ali tem assento, para que votem de acordo com inconfessáveis desígnios de inimigos que a eles próprios, deputados e senadores, pretendem trucidar.

Que jamais nas horas sérias, em quaisquer episódios da vida parlamentar, mesmo o das eleições internas de comissões, quando todo Brasil aflito quer confiar nos homens de responsabilidade, tenhamos o espetáculo de um Senado de Calígula, resolvendo, sobre as desgraças de Roma, qual melhor molho de peixe.

Nós, integralistas, ainda acreditamos que não nos faltará, a nós, brasileiros, de todos os partidos e de todas as condições, essa coisa tão indispensável e que, por mais que pareça vulgar, é rara e preciosa: juízo.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 09 de Maio de 1936.

sábado, 17 de agosto de 2024

AS CORTES DO SIGMA (14/10/1936)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

AS CORTES DO SIGMA (14/10/1936)

PLÍNIO SALGADO

Estão chegando os Chefes Provinciais de todo o Brasil, para tomarem parte nas grandes assembleias das Cortes do Sigma. Uns chegam em navios, outros viajam de avião, outros por estrada de ferro.

As Cortes do Sigma exprimem a suprema autoridade coletiva do Movimento Integralista. Constituem-se do Supremo Conselho, do Secretariado Nacional, da Câmara dos Quarenta e dos Chefes Provinciais. Tomam também parte nas assembleias Integralistas de projeção no partido, escolhidos para esse fim pelo Chefe Nacional, ainda quando não ocupem cargos administrativos ou políticos.

Ao mesmo tempo que se realiza essa imponente reunião dos grandes dignitários da confiança da Chefia Nacional, assistiremos a dois Congressos na Capital da República: o 1º Congresso Nacional Feminino da A. I. B. e o Conclave Parlamentar das Províncias Meridionais.

Ao 1o Congresso Nacional Feminino comparecem mais de um milhar de blusas-verdes, que já estão chegando de todos os pontos do país Pela primeira vez a mulher integralista vai realizar uma imponente assembleia, traçando as vastas diretrizes de ação prática. Serão lidas teses, serão assentadas providências, serão esclarecidas quaisquer dúvidas regulamentares e protocolares, será finalmente estabelecido um plano a ser executado no campo da arregimentação feminina, da infância e da juventude. Firmar-se-ão as normas de combate ao materialismo, ao comodismo, à displicência, ao ceticismo, e as da propaganda mais intensa do idealismo construtor da Grande Pátria por cujo espírito responde com tamanha responsabilidade o próprio espírito da mulher patrícia.

Ao Conclave Parlamentar das Províncias Meridionais comparecem os vereadores, os prefeitos e os deputados eleitos pela Acção Integralista Brasileira.

Pela primeira vez no Brasil se reúnem os vereadores das Câmaras Municipais e os prefeitos pertencentes a uma corrente politica, para estudar assuntos técnicos e administrativos.

A preocupação de planificar, de racionalizar a execução de um programa nos âmbitos municipais evidencia o empenho que pomos na futura planificação e racionalização de um largo programa de realizações nacionais.

O Município é, para os integralistas, a base fundamental da Unidade da Pátria. A sua autonomia tem sido sistematicamente destruída pela política centralizadora das Províncias erigidas em Estado. Soberano. Todos os males de que se acusam as administrações municipais não provém do Município em si mesmo, porém da interferência de partidos estaduais na vida municipal. Essa interferência pela pressão do prestígio de organizações partidárias externas redunda nesta desgraça: o povo de um Município, jamais escolhe livremente os seus representantes Municipais. Uma verdadeira máquina organizada de compressão eleitoral, manobrada através de um diretório político, em remoções e demissões de funcionários, em nomeações de autoridades policiais previamente orientadas no sentido das perseguições mais atrozes, o arbítrio na distribuição de verbas para serviços públicos, tudo isso atrofia o espírito autonômico dos Municípios, impedindo que a escolha dos vereadores e prefeitos se dê de conformidade com os interesses da cidade.

Em consequência disso, geralmente as administrações são más, pois nunca pesa sobre os administradores a ameaça da retirada da confiança do eleitorado, uma vez que esses vereadores e prefeitos se julgam garantidos em futuras eleições, pela força externa do partido que interfere na vida municipal, anulando, praticamente, a teórica autonomia que a Carta Constitucional consagra.

Os resultados dessa crescente dominação dos sindicatos eleitorais organizados nas capitais das Províncias sobre os Municípios inermes são extremamente graves para a Unidade Nacional. É que, cada vez mais, desvirtuando-se a Democracia, sufocando-se a Liberdade, os governadores dos Estados, acastelados no partido situacionista, fortalecem-se em somas eleitorais e com elas ameaçam o Poder Central da República.

O fenômeno que se observa (e só os cegos ou os loucos não percebem) é a concomitância de dois fatos inegáveis, que se acentuam no desenvolvimento da política antiliberal e antidemocrática predominante no Brasil:

1º) - O enfraquecimento político da célula municipal;

2º) - O enfraquecimento consequente do Poder Federal.

Engorgita-se a glândula provincial e a Nação sofre os distúrbios de uma perturbadora disritmia. Verifica-se um desequilíbrio mórbido que estiola as fontes da vitalidade nacional, tornando anêmica a nossa expressão política, determinando fenômenos de esgotamento nervoso da opinião pública e astenia muscular profunda nos órgãos de defesa da Pátria. Serve-se disso o comunismo como disso se aproveita o capitalismo internacional. E o Brasil caminha para a ruina em consequência de um fatozinho que passa despercebido aos nossos sociólogos e políticos: a atrofia política do Município.

Nestas condições, estando no Município a chave do problema nacional brasileiro, nós, integralistas, estabelecemos estas formulas:

Para a Província, em relação à União: máximo de autonomia administrativa; mínimo de autonomia política.

Para o Município, em relação à Província: planificação administrativa pela Província; plena autonomia política da célula municipal.

Seria longo expor aqui todo este capítulo, que é básico na estrutura do Novo Estado, onde existirá a verdadeira Democracia, a legitima Liberdade, a prática do mais puro pensamento que inspira teoricamente o atual regime e é desvirtuado, na prática, pela política objetiva.

O que eu quero dizer é que esta reunião no Rio, de um Conclave Parlamentar, em que tomam parte todos os vereadores, prefeitos e deputados das Províncias Meridionais eleitos pelo Integralismo, assinala uma afirmação importantíssima dos camisas-verdes. Sendo o primeiro congresso dessa natureza realizado no Brasil, ele revela as linhas do nosso ideário político e proclama os direitos de vida dos Municípios brasileiros.

Nesta hora de pregação nacionalista, eu afirmo, com toda a minha convicção oriunda da experiência que, para mim, madrugou, desde quando, aos vinte anos, batalhei na política municipal, chegando mesmo a organizar numa zona do Estado de S. Paulo, um partido municipalista, no qual congreguei numerosos Municípios: - será inútil toda pregação de nacionalismo se não fortalecermos o Poder Central da República e, para fortalecer o Poder Central temos de, preliminarmente, tomar a defesa da causa do Município contra o arbítrio dos Estados.

Ou fazemos isso, ou não temos Nação. Ou fazemos isso, ou prolongamos as lutas hegemônicas que ensanguentam nossa Pátria de quatro em quatro anos. Ou fazemos isso, ou substituímos milhares de núcleos de brasilidade por vinte e dois blocos heterogêneos em perpetua luta. Ou fazemos isso, ou fortaleceremos o regionalismo, que marcha para o separatismo. Ou fazemos isso, ou não teremos nem mesmo unidade policial, unidade judiciária, unidade educacional, unidade moral, unidade de sentimentos para opormos uma barreira ao comunismo invasor.

As Côrtes do Sigma, coincidindo com o 1º. Congresso Nacional Feminino e com o Conclave Parlamentar das Províncias Meridiões, adquirem uma significação histórica extraordinária, na hora que passa.

Os fúteis, que discutem integralismo sem conhecer nada de nossa doutrina política; os tardos de inteligência, que não percebem a supervisão destes problemas essenciais da nossa vida de povo; os perversos, que de propósito sofismam, apontando-nos como extremistas; os vendidos, que trabalham a soldo de Moscou ou de Londres, esses poderão contestar-me.

Como não sou um caçador de quatriênios, porém um preparador de caminhos para as novas gerações, responder-lhes-ei que estas minhas palavras serão confirmadas no Futuro: ou pela Vitória do Integralismo, que dará Unidade, Força, Dignidade, Grandeza à nossa Pátria, ou pela desagregação, pela ruína pela infâmia que nos trarão o separatismo e o comunismo.

Estou, porém, convencido de que os arruinadores da Nação jamais conseguirão deter esta marcha de conscientes no meio das turbas de inconscientes; jamais conseguirão sufocar, com as maiores opressões, esta decisão de um milhão de brasileiros de camisa-verde; jamais lograrão evitar que este desígnio esclarecido, esta luta no campo das ideias e dos sentimentos, iluminada pelo estudo, pelo raciocínio, pela visão realista do Brasil, se transforme, como já se está transformando, em fatalidade da História, para honra da nossa gente.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 14 de Outubro de 1936.

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

A REVOLUÇÃO DA ANTA (13/03/1927)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

A REVOLUÇÃO DA ANTA (entrevista de Plínio Salgado, 13/03/1927)

- Uma entrevista para O JORNAL sobre a Anta e o antismo vem exatamente ao encontro de um meu desejo. Tenho mesmo interesse em falar ao Rio de Janeiro sobre este assunto, que reputo da mais alta relevância para o Brasil. À primeira vista, tudo parecerá aos intelectuais uma lírica patriotada. Parecerá que o movimento da Anta nenhuma relação terá com a nossa vida mental. E tais considerações serão bem naturais, uma vez que a nossa literatura perdeu, completamente, o senso das realidades.

O RIO ENTENDERÁ SÃO PAULO?

 É preciso notar: observadas em conjunto, diferem profundamente as mentalidades das nossas duas capitais. Isso dificultará o entendimento a que deveremos chegar. Cercada de montanhas, olhando o mar, a cidade do Rio de Janeiro só entra em contato com a realidade brasileira através do morro da Favela e das piadas e trocadilhos mestiço largamente exportados pelas províncias. Ia-me esquecendo: há aí também a “macumba”, como expressão racial... E o Dr. Jacarandá, e o cidadão Pingó, como expressão política, sistematizada desde a Saúde ao partidarismo municipal... Mas essa vida não é vivida pelos intelectuais que respiram ares da França. Pois tudo o mais, desde João VI - que trouxe a cidade a bordo — tem um caráter de adaptação e de artificialismo.

Cidade burocrata e oficial, a obra da infiltração estrangeira, desde a Confederação dos Tamoios, têm sido aí tão dissimulada e insinuante, que não deu lugar a uma reação forte de nativismo. Fatalidade político-administrativa.

Aqui as massas imigratórias entram de supetão, com tal violência, que nos puseram de pé. No panorama dos arranha-céus, acordou a alma do povo “arrogante e sem respeito, perturbador da paz dos continentes”, a que alude o cronista. Nos intervalos dos apitos das fábricas, São Paulo põe o ouvido no peito do sertão: é o ritmo da vida nacional.

As ressonâncias dessa vida chegam aí no Rio com um acento político ou literário. Indiretamente. Essa cidade conhece as “consequências brasileiras”, não as “causas brasileiras”. O Brasil lhe parece como uma fachada misteriosa. Quando muito, será a visão panorâmica da poesia de Ronald.

Distinguem-se fundamentalmente as mentalidades do litoral e do interior. Pois, em relação ao país, uma se forma de fora para dentro, a outra de dentro para fora. Na capital da República, a disparidade com a província é agravada pelos hábitos burocratas e de sociedade, de oficialismo e contato forçado com as culturas e costumes exóticos. A inteligência requinta-se apurando a faculdade crítica, sobretudo o senso de comparação e de ecletismo, em detrimento da faculdade criadora. Possibilita-se a ironiazinha sutil das senilidades precoces, que é a raiva piedosa contra os que sabem ainda crer.

Floresce, absurdamente, no Brasil, um espírito como o de Machado de Assis. Ele não poderia sair senão do Rio, que respirava então por Stendhal, como hoje respira pelas últimas brochuras europeias. Na mais recente geração intelectual, incapaz de criar, como observa cruelmente Rodrigo de Andrade no largo e raivoso elogio que fez no O JORNAL à intelectualidade paulista, há, mais do que o espírito de indecisão e angústia da civilização ocidental, um cheiro de senectude humanística, o bolor da sombria biblioteca do Sr. D’Astarak. Aquele sorriso cretino de Anatole diante da grandeza do inexplicável; aquela risada mesentérica de Eça única ação de que foi capaz diante da derrocada do seu país; e, principalmente, o esnobismo displicente e tecido de uma elegância espiritual nociva, que veio de Byron e Oscar Wilde e rebentou no almofadismo letrado dos países velhos, tudo isso influi aí no Rio para que poucos compreendam a nossa ingenuidade de crentes. Acredito, entretanto, que os jovens escritores do Rio não se magoarão com essa franqueza paulista de quem lhes quer muito bem. E, quando não concordem, pelo menos, levem estas coisas em conta de nossa imensa ingenuidade de provincianos...

AOS VINTE ESTADOS DO BRASIL E AO ACRE TAMBÉM...

Vou contar a história da Anta, não só ao Rio, mas às vinte províncias, nossas irmãs, que respiram, como nós o sol da América. Algumas bem saturadas de espírito clássico e latim com rapé, velhas igrejas lusitanas, velhas academias coimbrãs, sonetos & cia. Mas todas unidas  por este mesmo sentimento brasileiro que as colocará de pé em luta contra a ditadura de  cem anos dos pensadores e artistas estrangeiros. Contra nosso regime colonial.

A VOZ DO OESTE

A centelha do movimento da Anta faiscou uma noite, no decorrer de uma conversa entre mim, Alarico Silveira e Raul Bopp. A propósito de uma alusão que fiz a um artigo de Alarico (grande espírito e profundo conhecedor de coisas nossas), falou-nos ele da marcha bandeirante, no rumo do oeste, sugerindo as razões étnicas por que se encaminharam os paulistas naquela direção. Para ele, era uma saudade ancestral dos  planaltos bolivianos, que o sangue índio implantou no sangue português, nas primeiras núpcias de  raças, a que presidiu João Ramalho. Os tupis tinham vindo daquela região.

CHE TAPYA!

Referindo-se à marcha pré-colombiana e à origem do nome dessa grande tribo, falou-nos do totem da raça, a anta ou o tapyr — o maior mamífero da América e o único grande animal genuinamente americano do sul — totem largamente proclamado como tal pelos guerreiros, com os brados de “che  tapya”, que vieram atroando as brenhas, naquela procura épica e predestinada do Atlântico, por onde vinham, também numa procura épica de continentes, as caravelas lusitanas.

Ao passo que ouvíamos interessadíssimos o notável paulista, eu, que andava procurando a força que possibilitou a unidade nacional, a fim de usar dela como agente destruidor da nossa subserviência ao estrangeiro, ia sentido uma íntima revelação.

A MATEMÁTICA DOS SENTIDOS RACIAIS

Nem os sistemas hidrográficos ou orográficos; nem a unidade do processo moral da formação brasileira; nem as contingências políticas, me eram mais sugestivas do que o próprio sangue Tupi, proveniente das Ibiturunas (Andes), que eu via como um “denominador comum” das diferentes expressões humanas dos cruzamentos. Era bem verdade que não somente o Tupi entrou na formação brasileira, uma vez que havia outras tribos selvagens, que não eram tupis; mas o símbolo servia e podia abranger todas as famílias autóctones, e ser tomado como “senha” de um vigoroso movimento nativo. Pois, em toda parte, víamos o índio: Poty, no norte; Tibiriçá, no centro, e São Sepé, no sul.

ESCRÚPULOS DA TRIBO VERDAMARELA

Quando eu e Bopp falamos da Anta, nossos amigos verdamarelos puseram o bicho de quarentena. Tomaram-no, a princípio, como expressivo de uma função restritiva de preconceito racial. Espíritos irmanados no mesmo desejo e na mesma fé, Menotti Del Picchia, Cassiano Ricardo, Motta Filho, Genolino Amado, Raul Bopp e eu, costumávamos discutir como único intuito de chegarmos a um acordo. Na discussão tudo se esclarece. Não brigamos, mesmo quando usamos a violência no terreno das ideias. Espírito largo de tolerância. Acordo que estabelece desacordo. Até mesmo os que estão fora merecem o nosso respeito. Divergimos, por exemplo, em muitos pontos, do Mário de Andrade e votamos-lhe (de minha parte fervorosamente), uma  grande admiração. Pregamos tacapadas no Oswald de Andrade, que nos agride também no seu rodapé do “Jornal do Commercio”, e, à noite, confraternizamos em palestras amigas na sala acolhedora do “Correio Paulistano”. Há tempos, Prudente de Moraes, neto, disse mal de um livro meu, e em correspondência que temos trocado, ele ficou sabendo que eu não faço questão de ser um grande escritor. Pois, se me interessa mais a humanidade do que os meus escritos, por que hei de amar mais a estes do que às minhas ideias? E, porque assim pensamos aqui, tivemos uma polêmica a respeito da Anta. Discutiu-se à beça. No fim, a anta foi aceita, mas sem vencidos nem vencedores.

TUPYRETAMA

Aqui caberia um artigo de cinco colunas para mostrar a área geográfica abrangida pela influência tupi. E a área moral. E a área nos domínios da política, da estética e dos costumes, etc. Mas já estou comendo muito espaço. Deixo a sugestão.

CENSURA

Ocorre-me aqui Ratzel, um lindo pensamento de Greef e todo um livro de José de Vasconcelos. Só mesmo num tratado ou num manifesto 21 tiros.

NECESSIDADE DA TIRANIA DO SERTÃO

Para mim, o “Facundo”, de Sarmiento, tomava um novo sentido. Eu via o homem brotar da Terra e avançar para a cidade. Eu via a grande cortesã, visionada pelo profeta de Pathmos, invadida por uma manada de antas arrasadoras do cosmopolitismo, da crítica negativista, da falsidade das atitudes e, principalmente, dessa incapacidade de crer, remanescente de uma educação humanista e esnobe. Revoltava-me contra todos os passivos: desde os que se aferram às fórmulas velhas da filosofia, da política e da estética, até os que fazem arte nacional através de Marinetti e Max Jacob. Indignava-me a poesia turista de Cendrars; os vícios de Cocteau, Apollinaire, Morand; a macaqueação ultraísta e o estado “dadá” de espírito; e, mais ainda, as contrafações de modernidade, em poetas ainda com prejuízos tangíveis do parnasianismo e do simbolismo. Os gestos, mal vestidos de atualismo, de um ingurgitamento romântico a Rousseau; o romantismo sensorial dos impressionismos “torre de marfim”: o preciosismo acadêmico geometrizando-se diferente no teorema cubista, submetido a um princípio e realizado sob preconceitos processuais. Em tudo, o predomínio de mil Lobões praxistas, desses Lobões cujo senso do direito nunca passou do rito e nos quais, por certo, a alta finalidade da estética jamais iria além da norma consagrada no “boulevard”. Já não quero falar do panorama político-social, do qual tratarei mais tarde. Mas foi assim conjecturando que o li meu “nheengassu” que desencadeou a discussão que se tornou base do acordo em que hoje estamos em São Paulo de desenvolver uma ação nova no Brasil. Interpretando-se com novo sentido “Os Sertões”, de Euclides, e o “Facundo” de Sarmiento.

PORQUE O INDIO

Escrevi, em um dos meus artigos, o seguinte:

“Eu ainda não vi o Brasil vivo e pensante: o que eu tenho visto é uma Europa viva e pensante vivendo e pensando o que nós chamamos de nossa vida e o nosso pensamento. Mas, há uma outra vida e um outro pensamento, que devemos revelar ao mundo; e esse é o Brasil vivo e pensante que dorme pesadamente sobre uma montanha de livros e que precisamos despertar porque se aproxima o  momento da sua fala sem haver consciência, precisamos libertar-nos de todas as contribuições de consciência alheia. Como símbolo da ação que  temos de desenvolver, tomamos o totem de uma raça que, objetivamente, desapareceu, porém que é uma incontestável realidade na nossa formação étnica. E não se confunda formação étnica com formação nacional, que é outra coisa decorrente desse fator e de outros ainda. E se nos perguntarem porque tomamos o índio, diremos que pela sua virgindade a nos ensinar, constantemente que, não tendo nós ainda pensado pelas nossas cabeças, podemos fazê-lo sem compromissos com as velhas civilizações. Responderemos ainda que, pela nenhuma contribuição cultural e civilizadora que ele nos trouxe à formação nacional, pode a nação dizer-se sua descendente, sem submissão histórica, até sem gratidão, o que a faz mais livre. E foi justamente esse senso de individualismo nacional que ensinou as clãs primitivas a se dizerem descendentes de bichos: para que pudessem fazer sua eclosão com uma força de liberdade selvagem.

A CIVILIZAÇÃO DIFERENTE

Depois, declarei:

“Nós  queremos criar uma nova mentalidade, não desenvolvida exclusivamente sob o influxo da cultura universal, mas respirando nesta, com raízes na terra. E quando digo “terra”, quero abranger “meio cósmico e étnico”.

Não sei ainda “como será” a cultura americana. Aos gênios do futuro compete responder-nos a angustiada pergunta. Não podendo alcançá-los, queremos comovidamente anunciá-los ao Mundo.”

NÃO SE TRATA DO INDIANISMO

Escrevi esta frase 17 vezes em cinco artigos. Mas escrevo ainda mais uma vez. Não se trata de indianismo.

O que queremos é um Brasil masculino, que tenha a iniciativa dos atos fecundantes. Pois há povos masculinos, que fecundam, e povos femininos, que são fecundados. Como há espíritos femininos, que se emprenham pelo ouvido. Queremos, pois, um Brasil brasileiro. Não faço isso por patriotismo, mas por humanidade. Pois vejo que a civilização ocidental europeia faliu. Já nada se espera dela. Temos (e quando falo temos quero abranger vários séculos futuros), temos que criar uma civilização em que talvez o gênero humano  seja mais feliz. Isso parece pilhéria, aos espíritos (como a maior parte dos intelectuais brasileiros), que esperam sempre o resultado do que se dá em outros países. Mas creio firmemente que não o é. Ponho uma grande fé na “raça cósmica” de que fala José de Vasconcelos. Ela poderá dizer a última palavra.

Voltemos à sabedoria da infância. Por que nascermos velhos? A Europa é uma velha caduca, nós somos um povo criança. Declaremos à velha que somos filho do índio como o índio era da anta. E nada temos a ver com gente estranha. O movimento da Anta é de ação. Ação verdamarela de independência. Sentir diretamente, dizer diretamente. Perder essa noção do ridículo, ministrada por estrangeiros e inimigos, essa noção que nos fez perder o brio nacional. Não mais dizermos que somos latinos. Isso é  política que nos prende eternamente à Europa. E onde já se viu caboclo e mulato latino? Acabemos com esse respeito supersticioso pelas coisas que vêm de fora. Sejamos brasileiros para sermos dignos da Humanidade.

Publicado originalmente n’O Jornal, Rio de Janeiro, 13 de março de 1927.

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

SABER PERDER (07/05/1936)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

SABER PERDER (07/05/1936)

PLÍNIO SALGADO

No meio de todo o esfacelamento de um sistema político, da podridão dos costumes eleitorais e dos processos de campanha partidária, nos Estados Unidos da América sempre restou, como uma flor a desabrochar num pântano, aquela elegância dos contendores, que sempre foi um padrão de legítimo orgulho dos políticos nos Estados Unidos e um exemplo para todos os povos.

Travada a luta eleitoral, ferida a batalha decisiva das urnas, realizadas as apurações, o vencido, imediatamente, apressava-se a saudar o vencedor, indo, muitas vezes, apertar a mão do adversário, dando como fato consumado a derrota de um e a vitória do outro.

Chegou mesmo a ser costume ir, algum tempo depois, a esposa do presidente eleito, quando o adversário derrotado era o presidente em exercício, visitar a Casa Branca, a fim de determinar os novos arranjos do palácio, de conformidade com os gostos dos novos hóspedes: e, recebida pela senhora do vencido, esse encontro exprimia ainda um dos requintes de delicadeza que sobrou no meio de toda a brutalidade e agressividade das campanhas chamadas democráticas.

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Isso, que desperta a admiração e o respeito, essa atitude de cavalheirismo e de elegância moral, costumam os jogadores chamar, na sua pitoresca gíria: "saber perder".

Sim; porque até no vício mais apaixonado e perigoso, na desenfreada jogatina, também existe uma ética, uma regra moral, através da qual se conhecem aqueles que, em pequenos receberam alguns rudimentos de educação.

Há mesmo um dito da velha sabedoria popular, que nos ensina poderem os homens ser conhecidos em dois lugares, na mesa e no jogo. O comportamento diante dos pratos e o comportamento diante das fichas do pano verde revelam os indivíduos capazes e incapazes de se controlar, de dominar os nervos, de refrear os ressentimentos.

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Podemos acrescentar que também na política se conhecem os homens educados, os que não se afastam da elegância moral, das condutas irrepreensíveis dos que sabem perder.

Estas considerações vão a propósito das recentes, eleições em Santa Catarina. Como se sabe, ali, o Integralismo venceu, estrondosamente, tanto o Governo como o Partido da Oposição. Venceu não por diferenças de dezenas, porém, de centenas de votos, apoderando-se da quase unanimidade dos postos de vereadores, nas principais cidades catarinenses, e assenhoreando-se de cerca de uma dezena de prefeituras municipais, em lugares da maior importância econômico-financeira, industrial, social e política daquele Estado?

Que fizeram os partidos?

Portaram-se como os jogadores que, tendo perdido, deblateram, maltratam os parceiros, lamentam a sorte, acusam de roubalheira a infelicidade nas cartas, oferecem a todos os circunstantes a impressão desagradável dos rancores inspetados e da sovinice mais revoltante?

Tendo perdido as eleições, os partidos liberais começaram a afirmar que não existia Integralismo em Santa Catharina, e sim hitlerismo, pois os nomes dos candidatos eram quais todos de alemães.

Quem examinava a lista dos candidatos dos partidos reclamantes logo reparava que nela, na lista deles, é que figurava muito maior número de sobrenomes teutos, circunstância, aliás, perfeitamente razoável, pois a maior parte dos habitantes de Santa Catarina é filha neta, bisneta ou tataraneta de alemães, guardando os sobrenomes de seus pães, avós, bisavós ou tataravós.

Em seguida, quando nós; integralistas, para nos defender de tão sórdidas acusações, publicamos os boletins eleitorais, tanto do Governo como da Oposição catarinenses, que, eles distribuíram em alemão, nossos adversários derrotados mudaram de tática. Foram ao Tribunal Regional reclamar contra simples formalidades, meramente de pormenores exteriores, sem nenhum valor de formalidade essencial.

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Dessa maneira, tenta-se, agora, em Santa Catarina, anular a eleição dos integralistas, sob o pretexto de que, na procuração enviada pelo Chefe Nacional ao Chefe Provincial, não constava o poder para nomear delegados de partido, e apenas se verifica naquele instrumento o poder para registrar candidatos.

Como futilidade, é maravilhoso! Como sofisma, é grosseiro, porquanto na procuração a que se referem, há plenos poderes para a prática de todo e qualquer ato relativo aos interesses partidários da Acção Integralista Brasileira. E, finalmente, como atitude, podemos classificar simplesmente como vergonhosa!

Que vergonha, realmente! Perde-se uma eleição, e, em vez de se manter uma linha de conduta compatível com o decoro de derrotado, não! Vai-se ao Tribunal, e para que? Para chicanear sobre um pormenor da procuração do adversário!

Mesmo que houvesse (o que só admitimos para argumentar) qualquer falta de formalidade, e ainda que essa falta se referisse à formalidade essencial, francamente, quem foi derrotado por tão formidável diferença, deveria, mesmo para não chamar a atenção do país, conservar-se calado.

O silêncio, nestes casos, prestigia. O silêncio, nestas circunstancias, dignifica, eleva. Toda e qualquer palavra, só serve para anunciar, bem alto, a derrota.

A atitude de nossos adversários em Santa Catarina equivale a mais um fracasso.

No pleito municipal de março, o fracasso deles foi um fracasso eleitoral. Nas objeções levantadas perante o Tribunal Eleitoral, esta semana, o fracasso foi essencialmente moral.

Depois de abatidos nas urnas, pelos Integralistas, os partidos políticos ainda poderiam não se deixar abater na sua honra de cavalheiros, na sua linha de conduta, no seu decoro. Mas eles não se conformaram com o esmagamento de março e quiseram eles próprios, se esmagar, como estão fazendo, na ridícula reclamação com que recorrem de um pleito em que o povo os repeliu de maneira tão eloquente e decisiva,

A vitória que, dentro de alguns dias, o Integralismo alcançará perante a Magistratura, constituirá a terceira derrota para esses eternos chicaneiros, tão ridículos, tão pequeninos, tão incapazes de saber perder com honra, com dignidade, com. elevação moral.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 07 de Maio de 1936.

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Realidades e finalidades (15/10/1936)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

Realidades e finalidades (15/10/1936)

PLÍNIO SALGADO

      EM 15 DE SETEMBRO DE 1931, PUBLIQUEI NO JORNAL “A RAZÃO”, DE S. PAULO, O SEGUINTE ARTIGO:

"Encarar os problemas brasileiros, segundo as nossas realidades é indispensável, mas não é tudo. A posse do "real" não terá sentido político, sem uma fixação de diretriz IDEAL.

Verifica-se a verdade objetiva para sobre ela fundar a tradução da verdade subjetiva. E' sobre a realidade concreta que temos de trabalhar e, justamente por isso, não se pode pré-estabelecer uma boa política, sem o conhecimento integral de todos os elementos da realidade social.

Pois é possível ter-se uma excelente finalidade e uma má política, do mesmo modo como se pode praticar ama excelente política, sem nenhuma finalidade. E enquanto, no primeiro caso, se agirá numa esfera puramente abstrata, no segundo erraremos por excesso de submissão ao concreto. E na política, como em tudo, a unilateralidade, se não chega a ser a ilusão da verdade, é entretanto a verdade parcial.

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Eis porque, ao encararmos as questões do nosso país, devemos nos convencer de que elas não serão resolvidas se não fizermos derivar o nosso processo político de uma série de fatos incontestáveis de ordem econômica, étnica, geográfica, histórica e moral. E, nesse caso, a política brasileira deve ter um caráter de coordenação, de aproveitamento de forças latentes que, de nenhuma forma, podem ser abandonadas e muito menos contrariadas. Mas esses fenômenos da vida nacional não devem ter uma finalidade EM SI, o que redundaria num fatalismo que a ordem social e jurídica da Nação iria consagrando, submetidos no evolucionismo materialista. Nem poderiam essas expressões isoladas, e por vezes, contrastantes, do país, se uniformizarem uma fisionomia total, se cada uma obedecesse à sua própria dinâmica, sem relação com o sistema de movimentos do conjunto nacional.

Quem estuda qualquer dos setores das questões brasileiras, de um ponto de vista de rigorosa inspeção objetiva, encontra realidades que, repelindo-se, segundo o sentido de suas relações recíprocas, podem se harmonizar em referência a finalidades comuns.

COMO EXEMPLIFICAÇÃO, temos a VIDA MUNICIPAL, A VIDA ESTADUAL E A VIDA ECONÔMICO-SOCIAL, três aspectos da paisagem política brasileira, todos os três muito significativos e respeitáveis, e que o estadista não pode dissociar, se quiser REALIZAR A NAÇÃO com finalidade bem fixada.

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Não se compreende uma política baseada exclusivamente nas realidades brasileiras, tomadas estas como CAUSA E EFFEITO. E não se compreende também uma política firmada exclusivamente numa série de ideias abstratas, sem consonância com os fenômenos ambientes.

O próprio NACIONALISMO, que seria, originando-se exclusivamente das REALIDADES, uma consequência vaga e transitória, pode levar a erros os mais lamentáveis, se ele não constituir um MEIO e pretender firmar-se como única e despótica finalidade.

O nacionalismo deve ser entendido tão somente como a forma de realização de um povo num sentido de humanidade superior. Entendido de outra maneira, ele fará da Pátria, em vez de uma expressão ideal de aperfeiçoamento, um índice de ambições desumanas, levando-as às guerras injustas e absorção de todas as liberdades pessoais. E a Pátria deixará de ser a projeção coletiva de interesses individuais para se afirmar como arbítrio e tirania.

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O pensamento político deve traçar uma finalidade à Nação e dar-lhe os elementos de possibilidade, com o ordenamento das forças oriundas do Impositivo das realidades do país.

Nem é possível harmonizar os fenômenos da completa vida brasileira, se não estabelecermos, de antemão, os princípios fundamentais do sistema político. Os nossos homens públicos, em geral, desdenham da filosofia, portando-se como viajantes que tomassem um comboio de uma à outra estação Intermediaria entre o ponto inicial e o terminal. Repousam nas finalidades puramente administrativas e sorriem superiormente de quantos pretendam indagar das causas e dos objetivos nacionais. E, abandonado o povo brasileiro às suas realidades, o Brasil vai se tornando uma Nação sem objetivo político.

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É essa, possivelmente, uma das causas da nossa cada vez mais confusa complexidade. Nada mais apolítico do que o político brasileiro. Sendo um país onde mais fervilha a politicagem, o Brasil não conseguiu ainda compreender a alta significação da política. Pois esta não tem entre nós nenhuma relação com a sociologia nem um SENTIDO ESSENCIAL, ficando em meras objetivações transitórias.

Entre a verdade abstrata das elites e as verdades concretas cuja pressão se exerce sobre o nosso partidarismo empírico, há um vazio imenso onde não se afirmou ainda uma mentalidade capaz de DIRIGIR REALIDADES, em vez de se deixar empurrar cegamente por elas, e de prefixar finalidades traçando OS CAMINHOS impostos pelas possibilidades e necessidades.

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Temos visto, expondo singelamente nas notas que denominámos "Panorama", as tendências de grandes zonas brasileiras; naquelas em que fizemos o relato da "Vida municipal", a íntima fisionomia da célula em que o regime republicano se alicerça; em outras focalizámos as aspirações estaduais, que ocasionaram a revolução de Outubro; em outras, finalmente, apreciámos, o aspecto dos problemas econômico-sociais; e tudo isso é o Brasil. O Brasil complexo, conjunto de nações politicamente distintas, em que se estendem com cartografia própria, países essencialmente distintos, que abrangem muitas vezes até frações de certos Estados. O Brasil com a concomitância de vários estágios de evolução econômica e vários tipos de psicologia social. O Brasil sem a cristalização de uma mentalidade e sem um tipo de cultura. A descontinuidade social na continuidade histórica.

As forças desse país complexo e pasmosamente unido só poderão ser ordenadas pelo gênio político que provoque a reação generalizada mediante uma forte ação nitidamente definida.

Esse estadista deverá ser capaz de apreender as ideias gerais, porém não deverá repousar exclusivamente nelas. Deverá ser um teórico em fane dos chamados políticos, e um PRÁTICO em face dos ideólogos e letrados. Deve saber aceitar, para poder conduzir. Deve saber entender, para poder disciplinar...

E não pôde, principalmente, constituir uma improvisação, um advento messiânico, mas o índice de uma consciência política e social que traga consigo a posse das realidades e a diretriz de una finalidade humana.

Por ora, é o que nos cumpre: criar essa consciência."

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Esse artigo saiu em 1931. Hoje, existe o Integralismo no Brasil. A sua linha política nunca se afastou das diretrizes desse artigo. No começo, tive multos críticos: os literatos chamavam-me de político; os políticos chamavam-me de literato. Não escutei nem os homens "práticos", nem os homens "teóricos", No começo, isto me foi difícil dentro do próprio Movimento; é que eu tinha, de um lado, a resistência dos "místicos" incapazes de entender as consequências de passos cujos efeitos se fariam sentir alguns anos mais tarde, e de outro lado eu tinha a precipitação dos "oportunistas" (no bom sentido, é claro), incapazes de perceber o segredo de minhas resistências.

Mantive a linha do equilíbrio e pude criar uma Política, num país onde nunca existiu Política, pois o que temos tido é simplesmente politicagem. A orientação traçada no artigo que acima reproduzo está plenamente triunfante

Como um só corpo, realizando a unidade perfeita do pensamento político, o Integralismo conciliou a filosofia e a sociologia e foi ao contato experimental dos fatos na história de quatro anos deste Movimento nacional de que se originou a mística da autoridade.

Somos hoje um milhão de brasileiros unidos As assembleias das "Cortes do Sigma", do Congresso Nacional Feminino e do Conclave Parlamentar que terão início amanhã, correspondem a uma grande parada das forças novas iluminadas por um ideal filosófico que gera o conceito do Estado, e por um conhecimento prático da vida brasileira de que provem uma concepção de política objetiva.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 15 de Outubro de 1936.