Esclarecimento: A
publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do
Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da
História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o
acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito
Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando
indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/
Recordações (28/02/1936)
Plínio Salgado
Quando
o nosso navio, que vinha do Norte, entrou nas águas mansas do porto, pelas dez
horas da manhã, um grande sol fulgia, num grande céu azul, pondo cintilações
nas vidraças do casaréu espalhado pelas encostas verdes dos morros.
Passávamos
junto ao Penedo, enorme bloco de pedra plantado como fiel sentinela da cidade
de Nossa Senhora da Vitória; ao longe, garça branca pousada na rocha emergente
da vegetação, a igreja da Penha olhava o mar alto, como que escutando os murmúrios
de Vila Velha e os segredos das ondas.
- Lá
vêm eles! São eles! Exclamou o Thiers, apontando-me uma lancha que se movia,
por entre botes, barcaças, cascos de navios mercantes e veleiros, cheia de
camisas-verdes.
Debruçamo-nos
sobre a amurada de prôa. Um vivo alvoroço nos sacudia. Íamos ter notícias do
nosso Movimento. Íamos dar notícias do que viramos, do que fizéramos. Havia em
nós um desejo ardente de contar as nossas aventuras numa viagem audaciosa, sem
recursos, quase a mercê da sorte, pelos sertões do Nordeste e pelas capitais
das Províncias que transitáramos.
A
lancha aproximava-se. Trazia na prôa uma flâmula azul e branca, a nossa
flâmula. Estava cheia de camisas verdes.
A
primeira figura que vimos foi a de Arnaldo Magalhães, com seu sorriso bom, seus
gestos pausados, seu idealismo brilhando através dos óculos. Junto dele,
distinguimos logo Madeira de Freitas, que trazia um ar de triunfo.
Nesse
tempo ainda não havia o “anauê”, palavra que foi lançada pouco depois, em
Niterói, por iniciativa de Lacerda Nogueira, e que se alastrou por todo o país.
Erguemos, porém, nossos braços(eu, Thiers, Aristophanes e Hermes) respondendo a
saudação dos 19 camisas-verdes da lancha.
Em
terra, encontrei Gustavo Barroso. Ele e Madeira tinham vindo por estrada de
ferro a fim de me esperar em Vitória. Unidos profundamente pelo ideal sagrado,
esses dois companheiros já haviam agitado a Capital espírito-santense, fazendo
discursos e conferências.
A
nossa última noite em Vitória, depois de três dias inesquecíveis, constituiu
uma consagração popular da ideia nova. No meu discurso declarei que realizaria
na capital capixaba o primeiro Congresso Nacional Integralista.
*
Estávamos
no ano de 1933. A primeira marcha de camisas-verdes dera-se no dia 23 de abril desse
ano, em S. Paulo, se bem que o Manifesto de Outubro houvesse sido lançado em
1932. Em maio fundáramos o Integralismo no Rio e em Niterói. A Bahia, o Ceará e
Pernambuco já tinham seus pequenos Núcleos. Em Santa Catarina só havia os
Núcleos de Itajaí e Canoinhas; no Rio Grande do Sul, apenas Erechim; em Minas
Gerais somente Teófilo Ottoni. E nada mais.
Foi
em Julho que segui para o Norte, com a notícia que de que em Natal já um grupo
de integralistas se organizava. Lancei a semente em Alagoas, na Paraíba.
Consolidei o Movimento em Bahia, Pernambuco, Ceará, fiz a ideia chegar em
Sergipe. Nessa mesma ocasião, organizou-se o primeiro Núcleo em Mato Gross. O
Maranhão foi conquistado a bordo do navio em que eu viajava. No Amazonas e Pará
o companheiro Giudice lançara as primeiras pedras do alicerce que, mais tarde,
Gustavo Barroso consolidaria.
Essa
era a situação geral do Integralismo, quando prometi, em Vitória, a realização,
no ano seguinte, do Primeiro Congresso Nacional da “Acção Integralista
Brasileira”.
Nosso
regresso de Vitória foi por terra. Pernoitamos em Campos. Falámos no dia
seguinte na escola Normal e, à noite, no salão da Associação Comercial. Uma
multidão cantava o Hino Nacional, quando partimos da cidade goitacá, rumo ao
Rio.
*
Aqui,
Everaldo Leite nos aguardava com uma surpresa: os primeiros cem homens
uniformizados, de camisa-verde, sob seu comando. Everaldo, desde então, ficou
sendo o “centurião” Everaldo. Realizou-se o primeiro desfile na Capital da
República.
Tanto
no Rio, como em Niterói, o Movimento crescera regularmente. Fui para S. Paulo;
ali, duas centenas de camisas-verdes me receberam na estação e me levaram ao
bairro proletário da Moóca, onde o acadêmico Pimenta fez um discurso.
Os
preparativos para o Congresso continuaram o resto do ano. Em dezembro, fixamos
a data: 28 de fevereiro de 1934.
Quando
chegou fevereiro, já o Integralismo em Guanabara estava instalado na rua 7 de
Setembro, com muito mais conforto do que na saleta da rua Rodrigo Silva.
Devíamos esse melhoramento à iniciativa de Sérgio Silva.
O
incansável Madeira falava, sem cessar, pelos bairros e fundava os primeiros
Núcleos da Província. Era uma obra de paciência, de dedicação extrema, de
sacrifício, de tenacidade, da qual o Integralismo jamais poderá esquecer.
*
Regressava,
por esse tempo, do Norte, Gustavo Barroso, que levara a sua “Bandeira” até
Belém do Pará. Os serviços prestados ao Movimento por Gustavo Barroso foram
enormes. Viajaram em sua companhia Miguel Reale, Loureiro Junior, Herberto
Dutra e Mário Brasil. Desde então, Gustavo entregou-se de corpo e alma à
propaganda do Sigma. Tornou-se uma espécie de Raposo Tavares dos grandes “raids”
pela carta geográfica do Brasil. Começou, ao mesmo tempo, a produzir livros,
dedicando-se especialmente ao estudos das explorações que contra nós tem
exercido o capitalismo internacional. Esse trabalho intenso desenvolvido por
Gustavo, através da palavra falada e escrita, está integrado definitivamente na
história do Integralismo.
*
O
nosso movimento tem sido o milagre realizado pelas dedicações de seus adeptos.
Entre estas, devemos assinalar o esforço de Victor Pujol. Só eu sei o que lhe
custou, o que lhe tem custado, a publicação, desde o início do Movimento, do “Monitor”.
A unidade absoluta de normas, a uniformidade que verificamos em todos os
Núcleos do país, o registro de todos os nossos passos, de todas as resoluções e
atos da Chefia Nacional, nós devemos ao “Monitor”. E foi através do nosso órgão
oficial que foram transmitidas todas as ordens para a realização do Congresso
de Vitória.
Miguel
Reale, por esse tempo, já era um grande valor, uma alta expressão do nosso
Movimento. Ele trazia o sentido da revolução social, o império da juventude
nova, que escandalizava a juventude velha e caudatária dos partidos. Publicara
o seu livro "O Estado Moderno", com vinte e três anos de idade, livro
que fez notável sucesso, tanto no país, como no estrangeiro. Quanto a Jehovah
Motta, ele encarnava a mensagem viva do Nordeste, interpretando, por uma
fatalidade geográfica, a aspiração da grande massa brasileira. Exprimia, por outro
lado, o estado de espírito das modernas gerações militares, o doloroso complexo
do Exército Nacional. De Minas, vinha Olbiano de Mello, com o sentido sindicalista
e a inspiração nacionalista que o ligara a min, desde 1931.
Na
hora dos trabalhos preparatórios do Congresso, aqui, no Rio, tive duas revelações,
como capacidade de trabalho: Everaldo Leite e Loureiro Junior.
Everaldo
apresentou-se aos meus olhos, como o mágico de toda a estruturação do grande Movimento.
Inteligência viva, pronta no perceber meus pensamentos, ele os realizava com uma
precisão extraordinária e com uma rapidez notável. Elucidava-me a respeito de
pormenores, explicava-me com clareza certos aspectos da organização, Foi ele
quem esquematizou todos os departamentos mais tarde transformados em secretarias,
A Província de S. Paulo indicou-me, para meu auxiliar na Secretaria do Congresso,
o seu Secretário Provincial Loureiro Junior, que conheci como orador, quando
ofertou a bandeira Integralista que S. Paulo enviava à Guanabara. Eu não o
conhecia ainda como "trabalhador" e foi nas noites em que vimos muitas
vezes raiar a madrugada, debruçados sobre máquinas de escrever, que avaliei sua
capacidade de produzir praticamente.
Aquelas
noites que precederam o Congresso de. Victoria, e que passamos na rua Sele de
Setembro, entre xícaras de cafés e fumaça de cigarros, dedilhar de máquinas diligentes,
várias mesas onde varias comissões trabalhavam, e os meus passos, de um lado
para outro, despertam-nos hoje uma vis saudade. Não me esqueço a última noite
d'aqueles serões preparatórios. Estavam todos esfalfados, pela repetição do árduo
trabalho noturno. O dia todo fora de uma atividade incrível, de modo que que
ninguém pudera descansar minutos fossem. Quando chegou a madrugada, um por um
foi capitulando, estendendo-se pelas cadeiras. Os últimos a se deixarem vencer
incumbiram Reale de me falar trabalhava em nome dos exaustos. Enquanto eu
trabalhava com Loureiro, na sala próxima, eles combinaram até a frase que
deveria Reale dizer. Mas o orador estava tão morto de sono, que, em vez de
repetir a fórmula ensaiada, que era "Chefe, os companheiros pedem que o
sr. tenha pena de si mesmo", exclamou, com os olhos pesados: "Os
companheiros pedem que o sr. tenha pena de nós". Foi uma risada geral da
"comissão", que, afinal, viu raiar o dia. Estava tudo pronto,
Embarcaríamos à noite.
*
Na
estação da Leopoldina, o Brasil encontrou-se consigo mesmo, Minha emoção era
profunda. Todas as Províncias mandavam seus representantes Alguns ainda viriam
por mar, diretamente a Vitória. Mas ali estavam, para embarcar, S. Paulo, Minas,
Ceará, Pernambuco, Guanabara, Santa Catarina, Mato Grosso, Goiáz, Rio Grande do
Norte, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro.
Jehovah
Motta pergunta-me:
- Hoje
é um grande dia para o sr., não é?
-
Sonhei com este dia, longos anos, respondi-lhe.
E,
no vagão alegre e cordial, eu tinha a impressão de que levava a minha Pátria.
Viajamos
toda a noite e todo dia seguinte, Na estação de Domingos Martins, tivemos uma
surpresa: um grupo de camisas-verdes veio saudar-nos. A noitinha, chegámos a
Vitória. Não se descreve o entusiasmo dos camisas-verdes capixabas, quando, na
sede local, exclamei: - "Aqui estou; venho cumprir a minha palavra:
realizar o primeiro Congresso Nacional Integralista na vossa cidade".
Espalharam-se pelos hotéis de Vitória os representantes
de todas as Províncias. Algumas, como S. Paulo e Guanabara, enviaram grandes
representações.
Realizamos
sessões consecutivas, dia e noite, durante os dias 28, 29 de fevereiro e 1 de
março. Os trabalhos em plenário eram dirigidos por Olbiano de Mello. Todo o
peso dos serviços de secretaria ficou sobre os ombros de Everaldo Leite, que
continuava a ser o realizador notável. As comissões revezavam-se, sob minha
orientação. Nas caladas da noite, eu e Loureiro trabalhávamos e prolongávamos nossas
atividades até ao romper da aurora, momento em que tomávamos uma lancha com
Madeira de Freitas e íamos até ao mar alto. Regressávamos para o início das
sessões ordinárias, Foi, assim, tudo estudado, discutido, resolvido: os
Estatutos, os regulamentos, os protocolos.
Todos
trabalhavam com vibrante emoção, Uma alegria íntima iluminava todos os
semblantes. O povo de Vitória cercava os congressistas de gentilezas
carinhosas: eram almoços, jantares, passeios, recepções. Aquilo tudo numa
paisagem maravilhosa, porque Vitória é um presépio encanador.
Parece
que estou vendo os companheiros Thompson, Padilha, Jehovah, Mayrink, Jayme Ferreira,
Vieira da Silva, Corbisier, Angelo, Guedes, Stella, Andrade Lima, Osolino,
Santos Maia, Graziano, Iracy, Leães, Moacyr Pereira, Jaqueira, Marcelino,
Mello, Queiros Ribeiro, Pujol, Alpinolo, Finkenauer, Matrangula e tantos
outros, inclusive a volumosa e bela representação capixaba, na sala de nossos
trabalhos, nas mesas dos restaurantes, nas ruas de Vitória, vibrantes de
alegria e de entusiasmo.
Em
Vitória, julguei terminada a minha missão de fundador e de organizador, e
entreguei, de surpresa, aos congressistas, a Chefia do Movimento, a fim de que
eles decidissem sobre quem deveria continuar a comandar os camisas-verdes.
Arnaldo
Magalhães assumiu a presidência da sessão e durante alguns momentos foi chefe da A.I.B. O
caso já havia sido resolvido, de antemão, pois todos previam que eu iria
assumir aquela altitude. Arnaldo deu a palavra a Olbiano de Mello o qual leu
uma Proclamação assinada pelos representantes de todas as Províncias, na qual
me impunham a Chefia do Movimento. Tive de me curvar, por disciplina, até que
um dia eu pudesse fazer nova consulta. quando a Integralismo fosse uma grande
força nacional. Essa consulta fiz o ano passado no Teatro João Caetano e
novamente me foi imposto este lugar, lugar que eu não quero dizer se é de sofrimentos
ou de alegria, pois só Deus pode ler na minha consciência.
Talvez
que uma e outra coisa se conjuguem. Mas só Deus entende estas coisas tão
delicadas e tão profundas...
O
dia 28 de fevereiro, dia da instalação do Congresso de Vitória foi por mim
declarado naquele ano "o dia da vigília da Nação". Em todos os
Núcleos integralistas do país, os camisas-verdes repetiram as mesmas palavras,
na mesma hora.
Hoje,
comemoramos mais um aniversário do grande acontecimento. O Integralismo já é
uma força no Brasil. Já realizou muito. Já se impôs à benemerência pública. Já
sofreu. Já perdeu vidas preciosas no combate ao comunismo. Já se alteou como um
movimento de cultura e se aprofundou como uma revolução das almas.
Tendo
diante de meus olhos, no dia de hoje, o pergaminho que o companheiro Thompson
carinhosamente desenhou, nele escrevendo o texto da proclamação de Vitória, que
me fez Chefe do Sigma.
Esse
documento é o símbolo e a síntese do meu destino....
Publicado
originalmente n’A OFFENSIVA, em 28
de Fevereiro de 1936.