Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/
A PRIMEIRA ESTROFE DE UM POEMA (12/02/1936)
PLINIO SALGADO
Fui a São João d’El-Rey para realizar
um Congresso Universitário.
Minas Gerais veio ao meu encontro e
realizou uma apoteose política.
Fui a tradicional cidade de Bárbara
Heliodora, para aplacar um pouco a chama viva que arde no meu espírito e iluminar-me
da luz suave e tranquila da meditação e do estudo com os moços do Brasil.
Porém, Minas Gerais rebentou num
vulcão de patriotismo e incendiou-me ainda mais, e eu me deixei queimar nas
labaredas de um entusiasmo arrebatador.
Fui procurar nas montanhas a monotonia
propicia à meditação. Mas a alma mineira estava inquieta e se levantou como um ciclone;
e eu me transfigurei na febre da grande poesia da Pátria e meu coração bateu apressado
como o coração de Minas Gerais.
*
* *
Eu pretendia fazer o meu maior
discurso, o mais sentido, o mais doloroso, o mais comovido, entregando aos universitários
do Brasil a herança de todo o meu sacrifício, a construção de três anos, as
bases de um Pensamento Novo, de um conceito novo de Estado, de uma concepção
nova de política, de um sentimento profundo de unidade nacional, de um método
de pesquisa, ao mesmo tempo de análise e supervisão, o sentido superior de um
plano vasto de realizações continentais; entretanto, Minas - a magica - interceptou
a minha oração, cortou a minha voz, e, em vez de fazer um discurso, assumi uma atitude.
Não selei com minha palavra o
encerramento de um Congresso; abri, com uma resolução, o caminho de uma
gloriosa marcha.
Fui para fazer um testamento, mas
pratiquei um ato de posse. Em vez de outorgar uma herança, Minas Gerais transmitiu-me
um novo espólio: o espólio das suas tradições, o patrimônio da sua alma
generosa, imensos latifúndios morais.
Desejei descompromissar-me com o
Futuro, e assumi dobradas responsabilidades para com ele.
Levei uma atitude de renúncia, voltei
com uma atitude de conquista.
Minha alma sentia já o tédio infinito
da direção em que a massa despótica pretende plasmar ao seu arbítrio tirânico a
fisionomia do dirigente; ela regressou com a força da criação, a energia
dominadora, a disposição do comando e da imposição da minha vontade.
*
* *
Minas Gerais, desde o pequeno povoado
de Mathias Barbosa, onde uma cavalaria de crianças rompeu a marcha da multidão;
e, através de Juiz de Fora, magnífica na sua mística da Nacionalidade; a
humilde Paula Lima, com seus camisas-verdes camponeses; a entusiástica Santos
Dumont, com sua empolgante sessão no teatro; a antiga Barbacena, insistente por
me ouvir; e, finalmente, São João d’El-Rey, a imprevista e imponente, com sua
gigantesca manifestação; e, ainda, os ecos vibrantes que me vieram da Zona da
Mata, do Sul de Minas, do Triangulo, do Centro, - Minas Gerais falou tão alto
aos meus ouvidos, exprimiu-se de modo tão eloquente, tão decisivo, que eu senti
no recesso do meu espírito as vozes imperativas das minhas próprias forças no
seu máximo esplendor.
O Congresso Universitário, que teria
de ser uma finalidade em si mesmo, tornou-se uma etapa, um meio de ação, um estímulo
de luta e uma certeza de vitória.
Pensei que ele fosse um fim de capítulo,
mas ele foi o começo de um poema.
*
* *
Acreditei ir ver ali a linha divisória
do Futuro. Julguei que, era a culminância de uma escalada, eu veria o divisor
das aguas; porém, ao contrario, percebi que o meu Futuro ainda está nas minhas
mãos, porque esse foi o milagre e a revelação maravilhosa de Minas Gerais.
Não escalei, à maneira de Moisés, o
Monte Nebo, para contemplar a Terra Prometida, e fechar os olhos sem lhe sentir
de perto, a cor, o perfume, o esplendor: mas, ao inverso, galguei os
desfiladeiros de uma época, para atingir o outro lado, a realização, integrando
o Pensamento na Realidade.
Supus que este 1936 fosse a crista de
uma cordilheira; ao contrario, é, para mim, um desenrolar de planalto ao sol da
vida.
E, pensando na possibilidade do Zenith
do grande astro, observei a sua ascensão.
*
* *
Notei que estou nas horas primeiras,
nas horas iniciais, no alvor de um dia cuja extensão excede aos dias comuns.
Tive a certeza das jornadas felizes e
embalou-me o encanto das lutas tonificadoras.
Chamei o Futuro, para que eu pudesse
ver minha Esperança. O Futuro era a mocidade universitária da Pátria. Esse
Futuro, porém, fez de mim sua própria Esperança, e eu tive de acreditar nela,
porque todos acreditavam.
Fui para obter promessas e tive de
fazer promessas.
.Fui para receber juramentos tive de
fazer um juramento.
Reuni os universitários da Pátria para
com eles fazer um espelho e procurar nele a minha própria imagem nos dias vindouros
e nos séculos remotos. Eles, porém, olharam para mim e fizeram de mim o seu
espelho.
Fundimo-nos, então, num único sonho e compreendi
a fatalidade das energias perenes, das forças constantemente renovadas, a
plenitude, o esplendor solar.
É que Minas Gerais estava de pé e na
manifestação de seu entusiasmo, realizava a magia suprema de Josué: o sol parava,
para a juventude da Pátria, e misteriosas harmonias cantavam no coração de
todos os inquietos.
*
* *
Nunca me esquecerei desse episódio histórico,
desse épico- memorável, que foi o da noite de 10 de fevereiro, na cidade natal
de Tiradentes. A alma de Minas Gerais, erguendo-se nas multidões, com o antigo
e sempre novo sentido de libertação que fulgiu na Inconfidência, cantou em
nossos espíritos. O Passado e o Presente se fundiram na visão do Futuro.
Todo o sentido cultural do Congresso
transmudou-se no sentido político. As disposições para a meditação foram sacudidas
pela realidade mais forte da brutalidade e do desrespeito.
Fomos com a alma de eremitas para o árido
deserto dos estudos ásperos; recuperámos a alma dos guerreiros nas cristas das
montanhas que, no desenrolar dos panoramas, das cordilheiras, reclamam
liberdade.
Subimos como os que procuram um Tibet
contemplativo: voltamos como quem achou os Alpes que despertaram as almas de
Cezar, de Aníbal e de Bonaparte.
Pensando que iríamos ter uma cena
final de ceia evangélica, tivemos as cenas primeiras de um acampamento em vésperas
de batalhas.
Levando a meditação, encontramos a
luta.
Subindo como Sócrates, voltamos com a
paixão de Demóstenes e o ímpeto de Felipe da Macedônia. Subindo como Lavoisier,
descemos como Danton. Procurando o Cenáculo, encontramos a sala do “jogo de
pela”.
Pretendendo encerrar, abrimos.
Eu e os universitários nos integrámos,
nos fundimos, nos identificámos, num só juramento.
*
* *
As montanhas de Minas Gerais têm isso
de misterioso. Do jurista Claudio Manoel da Costa faz um agitador. Do poeta
Dirceu faz um revolucionário. Da alma ingênua de Marilia, faz um poema de
firmeza. Das virtudes domesticas de Barbara Heliodora, faz as virtudes cívicas
que se expandem exaltadas. Do alferes Xavier faz um mártir.
Minas Gerais operou o milagre supremo
do Integralismo. O povo, levantando-se, transfigurou-nos. O povo castigado por
nos amar, espicaçou-nos de estímulo. Suas aclamações confirmaram nosso batismo
de brasilidade e nosso ímpeto renovador. Deixou de haver ali um condutor e uma
massa de moços estudantes, para haver a comunhão única de todas as forças e a
gloria de uma nova energia.
O Integralismo tem agora, mais do que
nunca, uma decisão irrevogável de comando. Não! Não era possível escrever-se um
fim de capítulo; urgia a primeira - notem bem - a primeira estrofe de um poema,
que agora começa na plenitude de sua estranha beleza e de seu misterioso
esplendor.
Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 12 de FEVEREIRO de.
1936.