Capa da 2ª edição (1937) de "A Doutrina do Sigma". |
Plínio Salgado
O problema da ordem não é um problema
de polícia, mas um problema de regime. A desordem é um sintoma de enfermidade
social. Quando um país entra em anarquia, quando se multiplicam os distúrbios,
quando proliferam os descontentamentos, os brados de rebeldia e as atitudes de
desespero, cumpre examinar o quadro social, o valor e a disposição das forças
econômicas, numa palavra, as causas da arritmia dos movimentos sociais, das
super-excitações nervosas das multidões.
Seria absurdo que, chamando-se um
médico para examinar um doente que se debate no leito e berra, perturbando o
sono da família e da vizinhança, viesse o médico e receitasse uma mordaça para
abafar os gritos e uns metros de corda, para amarrar o enfermo.
Esse tratamento não resolve a
situação. O que se quer é que o médico descubra a causa das dores e aplique
medicamentos capazes de aliviar o doente. Muitas vezes, o caso é de operação
cirúrgica.
Assim um país. Quando lavra o
comunismo, o anarquismo, a desorientação socialista, cumpre verificar os
motivos porque isso acontece, removendo-os. E não engendrar leis repressivas,
que são contraproducentes porque agravam os males, levando ao desespero.
Já Leão XIII, em meados do século
passado, referindo-se às providências repressivas que os governos adotam quando
dão conta de sua própria fraqueza, lembra que elas são as mais indicadas como
remédio à desordem, cujas causas são muito mais profundas. A suprema autoridade
da Igreja Católica diz mesmo, textualmente, que "a repressão leva ao
desespero; o desespero leva à audácia; a audácia leva aos crimes mais
monstruosos".
Eis a razão porque negamos autoridade
moral ao Estado Liberal Democrático e, principalmente, ao Estado
Social-Democrático, como o que temos, desde a Constituição de 16 de Julho, para
adotar leis de arrocho contra o sentido revolucionário que empolga as massas
brasileiras.
A ordem pública é, apenas, um aspecto
da ordem nacional. A ordem nacional é constituída:
a)
— da ordem espiritual e moral;
b)
— da ordem cultural;
c)
— da ordem sentimental;
d)
— da ordem econômico-financeira;
e)
— da ordem social;
f)
— da ordem política;
g)
— da ordem militar;
h)
— da ordem administrativa.
Num país onde todas essas
"ordens" se encontram subvertidas, não é possível conseguir-se a
ordem pública, ainda mesmo usando-se dos meios mais violentos. Antes, pelo
contrário, os meios violentos precipitam a desordem.
A ORDEM ESPIRITUAL
Como se pode obter a "ordem
espiritual"? Pela doutrinação, pela propaganda, pela educação constante,
paciente, das massas populares.
O governo está providenciando nesse
sentido? Não.
Perguntamos: no caos da vida
brasileira, na confusão que assinala estes dolorosos dias da nossa história,
onde estão os doutrinadores, os propagandistas, os educadores das massas? E
podemos responder com segurança: estão no Integralismo. O governo mantém
cursos populares de doutrina, em que se ensine o amor à Pátria, o respeito à
Família, o culto a Deus, em que se combatam os vícios, o comodismo, o
oportunismo, o indiferentismo de uma sociedade que apodrece a olhos vistos?
Não.
Pois bem: o Integralismo mantém esses
cursos em cada um de seus núcleos, arrancando a massa popular dos erros com que
a envenenam aqueles que recebem dinheiro do capitalismo internacional para
preparar o operário brasileiro à escravidão do soviét. Quer dizer que hoje, no
Brasil, a única força coordenadora das consciências no sentido da "ordem
espiritual e moral" é o Integralismo. Desafiamos quem nos aponte outra
organização semelhante, que abranja toda a extensão territorial da Pátria e
congregue maior número de brasileiros, pois somos hoje 400.000.
Essa ordem espiritual e moral nós a
conseguimos pela criação de uma extraordinária unidade de pensamento e de sentimento,
que se exprime pelo mesmo ritmo de atitudes, desde o Amazonas ao Rio Grande. Enquanto
os governos estaduais dividem os brasileiros, nós os unimos numa prodigiosa
comunhão, que realiza o milagre estupendo de uma única aspiração nacional. É isso
o que se chama "ordem espiritual e moral", confraternização de
"todos os que, acreditando num Deus, fazem dele o fundamento indestrutível
de toda ordem social", conforme diz a Encíclica de Pio XI, cujo texto foi
compreendido pelos Integralistas tanto católicos como luteranos, presbiterianos
ou espiritistas, pois hoje formamos a frente única espiritual, arrebatada pela
bandeira de Deus, da Pátria e da Família, disposta a todos os sacrifícios para
salvar a Nação das garras do materialismo do século. Vivendo uma época
semelhante à da invasão maometana contra o Ocidente, repetimos, como no tempo
das cruzadas, o episódio maravilhoso da união e do bom combate em que se
empenham todos os que se esforçam para salvar os valores legítimos da
civilização cristã, aperfeiçoando-os ainda mais.
A essa campanha doutrinária e
mobilização das forças morais da Pátria, juntamos a obra educacional que
realizamos através de nossas organizações atléticas e esportivas de
"camisas- verdes".
Por que mantemos essa organização? Já
expliquei muito bem o sentido da nossa luta no artigo que intitulei
"Técnica de Sorel e Técnica de Cristo". O nosso movimento
nacionalista é muito diferente dos movimentos "fascista" e
"hitlerista". Os que nos confundem com esses movimentos nunca leram a
literatura integralista. Em relação a esse importante setor, nós o mantemos
como "escola de disciplina". O "camisa-verde" aprende a ser
modesto, diligente, respeitoso, adquire um exato conceito da Autoridade;
aprende a amar a sua Pátria e a tudo sacrificar por ela, inclusive seus
interesses e vaidades pessoais; aprende a sofrer, a calar, a trabalhar sem
alarde; aprende a amar seus companheiros, que constituem hoje uma família de
400.000 irmãos. No dia em que todos os brasileiros forem
"camisas-verdes", estará resolvida a primeira questão desse complexo
problema da Ordem.
Se o governo abandona a mocidade, se
ele nunca pensou em evitar que os ginasianos, os alunos das Escolas Superiores,
das Escolas Militares, das Escolas Técnicas, a juventude das fábricas e dos
campos, a própria infância das escolas primárias sejam envenenados por
professores ou propagandistas de toda a espécie, que lhes inoculam os venenos
do materialismo, do comunismo, do separatismo, do comodismo, do ceticismo, do
oportunismo grosseiro, nada mais natural que o instinto de conservação da Nacionalidade,
as vozes profundas do Brasil tivessem falado aos nossos ouvidos, de sorte que
surgíssemos no país a suprir uma insuficiência do regime liberal-democrático,
preservando a infância e a mocidade de males mais terríveis para uma Pátria do
que a tuberculose e a morfeia.
Combate-se, ainda que
deficientemente, mas combate-se a lepra, que deforma os indivíduos fisicamente;
não se combate com energia o materialismo, que deforma moralmente os homens,
deformando a própria alma de uma Nação! Por isso é que o Integralismo, como
doutrina de ordem, objetivando, preliminarmente, a ordem "espiritual e
moral", não é apenas o remédio para os doentes do confusionismo e da
anarquia mental, mas é, acima de tudo, a obra de preservação dos filhos de uma
geração já completamente corroída pela terrível enfermidade do século.
Quem quiser saber o que são as nossas
organizações da juventude vá ver nos núcleos integralistas o milagre estupendo,
ou assista ao filme que tem mostrado a todos os brasileiros o prodigioso
advento de uma Pátria.
A ORDEM CULTURAL
Nada mais justo, quando pela falta de
base filosófica e de humanidade se abandonam, sem defesa, os cérebros moços à
corrupção de toda uma literatura de bordel, em que se mesclam os realismos mais
torpes, as dissoluções estéticas mais deletérias e os socialismos mais charlatães,
nada mais justo do que aparecer o Integralismo, como um fenômeno de saúde
nacional, despertando energias novas e orientando-as no sentido de se atingir
essa coisa fundamental como base de toda ordem nacional: a ordem cultural.
Pouco ou quase nada adianta proibir a
leitura de livros corrosivos, quando não existe nenhuma orientação no sentido
de despertar nos moços o gosto pelos estudos e dar-lhes a compreensão exata dos
verdadeiros problemas nacionais. A índole do Estado Liberal-Democrático, ou do
Estado Social-Democrático, que é o que temos, não permite, sem transgressão de
seus princípios essenciais, apontar com mão forte e decidida o caminho que toda
uma juventude deve seguir, se quisermos salvar o Brasil.
O Integralismo aparece, então,
trabalhando intensamente nesse setor. Cria a sua Secretaria Nacional de
Doutrina, que se desdobra em Secretarias Provinciais de Estudos, em Secretarias
Municipais de Pesquisas, em departamentos que abrangem, não somente os
panoramas de uma filosofia nova, totalitária, o campo vasto da Sociologia e da
Pedagogia, da revisão da História, dos problemas modernos do Estado, da
Economia e das Finanças, mas todo um trabalho que harmoniosamente se executa em
1.123 municípios, de estatística, de monografias, de ensaios, drenados através
dos órgãos hierárquicos, para a nossa seção de "problemas do Estado",
à cuja frente se acham os valores mais legítimos de uma geração.
Como poderemos objetivar a solução do
problema da ordem pública sem esses pilares da ordem, entre os quais avulta o
da ordem cultural? Como poderemos pensar em realizar a felicidade do povo
brasileiro, se não tivermos, preliminarmente, uma unidade de cultura, uma
uniformidade de método e um processo de suscitar homens públicos capazes de
compreender as linhas gerais de uma supervisão do Estado e de executarem no seu
setor os trabalhos que lhes forem confiados, obedecendo a um critério geral de
filosofia, de sociologia, de direito, de pedagogia, de economia e de finanças,
que se traduzem nos atos materiais de administração?
O Brasil não tem tido filósofos nem
criadores de direito. O que temos tido são divulgadores, compiladores,
comentadores, hermeneutas, causídicos e rábulas. Daí o nosso charlatanismo, o
nosso empirismo, o nosso unilateralismo expresso no provincianismo político e
no estudo em separado de cada problema nacional, que nunca se subordina ao
quadro geral dos problemas nacionais.
Essa é a ordem cultural que o
Integralismo está criando.
A ORDEM SENTIMENTAL
Que temos feito, até hoje, para criar
um ritmo disciplinador do sentimento brasileiro? Em 1927 escrevi uma frase que
serviu de cabeçalho a um jornal de Pernambuco, na qual dizia que o
sentimentalismo brasileiro é a força mais decisiva em nossa economia social.
Continuo a pensar do mesmo modo. Vejo o sentimento brasileiro, que nos revela
traços de uma unidade tão profunda, trabalhando continuamente no sentido da
desordem, pelos homens que fazem neste país a política dos Estados e que vêm
para o cenário federal com a visão estreita dos regionalismos provincianos. O
sentimento brasileiro, que é amplo, uniforme e dominador em todos os tratos do
território nacional, como observei viajando todas as nossas províncias e a
quase totalidade de nossas pequenas cidades interiores, tem sido violentado
numa obra de desagregação sistemática que os governadores de Estado e suas
oligarquias executam contra a Nação.
A luta hegemônica entre os três
grandes Estados é o maior fator da desordem nacional. Admira como esses mesmos homens,
que outra coisa não fazem do que socar a pólvora que explode de quatro em
quatro anos subvertendo toda a ordem nacional, admira que esses homens que
fazem a "política dos Estados", geradora das lutas fratricidas em que
se derrama periodicamente o sangue da mocidade, açulando os ressentimentos
regionais, sejam os signatários de um projeto de lei de segurança nacional!
Pois a Nação só poderá estar realmente segura quando deixarem de a dirigir os
regionalistas, os estadualistas, os incapazes de evitar as revoluções que esses
mesmos criminosos fingem querer evitar.
A ordem sentimental está sendo criada
pelo Integralismo. Um "camisa-verde" do Amazonas tem a mesma
fisionomia interior, a mesma atitude afetiva e o mesmo instinto de solidariedade
nacional que os seus irmãos do Rio Grande do Sul, de São Paulo ou Sergipe. Este
amor à Pátria Total vibra da mesma maneira na Bahia, Alagoas, Pernambuco,
Ceará, como na Paraíba, no Maranhão, no Rio Grande do Norte, no Pará. É olhar
um Integralista de Mato Grosso e ver um Integralista de Santa Catarina, de
Goiás, do Paraná, do Rio de Janeiro, do Espírito Santo. A alma integralista mineira
não difere da alma integralista do irmão acreano, do irmão piauiense. Esta obra
nós estamos realizando de uma maneira profunda, como jamais se fez! Esta
solidariedade, este bater de coração é um dos esteios da ordem, esteio
indispensável à segurança nacional. Que tem feito o Estado Liberal-Democrático
nesse sentido? Nada, absolutamente nada; pelo contrário: tem desvirtuado o
patriotismo brasileiro, tem acirrado antipatias entre regiões, tem feito
funcionar um Congresso onde há bancadas de todos os Estados, menos a bancada do
Brasil.
A ORDEM ECONÔMICO-FINANCEIRA
Como pode haver ordem
econômico-financeira se não há ordem sentimental? Se cada Província se fecha
egoisticamente a examinar seus próprios problemas, esquecida de que a sua
própria felicidade depende do grande problema nacional? Como poderemos criar a
força poderosa da União Nacional, com a qual nós iremos enfrentar o capitalismo
agiotário, as explorações das bolsas, o jogo de negócios de eternos
exploradores, se não argamassarmos este cimento que estruturará os blocos da
resistência da Pátria? Como poderemos pôr mãos à obra violenta e corajosa da
libertação do Brasil, da proclamação de sua soberania financeira, sem
organizarmos para o Estado a retaguarda de uma ordem espiritual, de uma ordem
cultural e de uma ordem sentimental?
Um país que vive em desordem
econômico-financeira, usando as mesmas tisanas, os mesmos paliativos que o
empirismo dos nossos técnicos, aprende na escola dos que ensinam errado para
melhor nos sugarem; um país onde a voz dos banqueiros fala mais alto ou mais
profundamente do que as vozes dos políticos; um país que deixa morrer à míngua
as nossas fontes de produção, pela incapacidade de romper com as velhas arengas
de Adam Smith e de falar grosso aos agiotas e zangões da City e as Wall Street
—, este país não pode pretender ordem social.
Se a lavoura, as indústrias, o
comércio, estão à mercê de uma orientação que, em vez de ser brasileira é
inglesa, americana ou francesa e, o que é pior, judaica internacional, como
podem essas forças, abafadas, asfixiadas, estranguladas, atender à grita, por
sua vez justa, do proletariado?
Sem ordem econômico-financeira não há
ordem social.
A ORDEM SOCIAL
O problema do socialismo não é
unicamente o problema proletário, afirmou Durkheim, mestre de socialistas. E
Durkheim, ele próprio unilateral, como todos os socialistas, levanta com essa
frase a ponta de um véu que os integralistas descobrem de todo.
A ordem social enquadra-se no
complexo quadro das outras "ordens", como estamos vendo. Subordina-se
ao conceito ético do Estado, e esse conceito só pode provir da "ordem
espiritual e moral". Entrosa-se com as questões estruturais do Estado, e
estas estão intimamente ligadas à "ordem cultural". Filia-se à
necessidade de força nacional, e esta depende da "ordem sentimental".
Deriva, de uma maneira imediata, das possibilidades vitais de uma Nação, e estas
decorrem da "ordem econômico-financeira".
Que adianta fechar sindicatos, fechar
jornais extremistas, prender comunistas e anarquistas, trancar as portas de
partidos e clubes? O Estado assim procedendo não faz mais do que repetir a
história do marido enganado: retira o sofá da sala...
O Estado Integralista não será, no
dia em que ele estiver vigorando, aquele Estado a que Engels alude, que está
sempre a serviço de uma classe. O seu valor e significado ético colocaram-no
acima das lutas sociais, haurindo nelas apenas a inspiração da justiça social.
Não é aqui o lugar para
desenvolvermos todo um capítulo sobre um dos mais palpitantes problemas
modernos. O que afirmamos é que comunismo não passa, no Brasil, de um sintoma
de angústias, de injustiças, em última análise, de desequilíbrios. O Estado só
conseguirá ordem social recompondo equilíbrios. Tudo o mais será inútil.
A ORDEM POLÍTICA
Como evitar as conspirações, as
mazorcas, as sedições, os golpes de Estado, as revoluções? Com lei de
repressão? Mas isso é pretender curar uma enfermidade grave com aspirina. A
ordem política só será possível quando não houver mais partidos estaduais que
disputem hegemonias; quando o Brasil não estiver divido em 150 partidos
políticos cuja função única é fomentar distúrbios, brigar em seções livres,
subornar jornais, fazer ataques pessoais, tolerar companheiros maus, fraudar
eleições, intrigar, mexer, distrair a atenção do povo brasileiro de seus
problemas para as charadazinhas desses campanários tão nocivos à saúde do país.
Como acabar com os partidos? Pela
ditadura? Não! Só os povos selvagens, bárbaros ou sem dignidade toleram ditaduras,
sejam civis ou militares, sejam positivas ou rotuladas de "espírito
revolucionário".
Os partidos só podem se extinguir
organizando-se a verdadeira democracia cristã, que é o Estado Corporativo. Não
haverá descontentes nem perseguidos, porque todos os homens que pertencem agora
aos partidos são brasileiros e pertencem a uma profissão. Eles poderão, pois,
entrando para sua classe, ser elevados por ela, porque na classe as vontades
são muito mais livres, pois estão a salvo de dependências humilhadoras.
A ordem política só será possível
quando todas as forças brasileiras se harmonizarem com o objetivo único de
construir a Grande Nação. Ora, como é possível termos essa ordem quando os
autores da chamada Lei de Segurança Nacional, ao mesmo tempo que levam esse
projeto à Câmara, já preparam a futura campanha de sucessão do atual
presidente? Esses homens não estão vendo que as alianças secretas que já estão
realizando entre alguns Estados para abater outros, constituem elas a fonte de
todas as desgraças nacionais, de toda a desordem, de toda a barbaridade de um
morticínio de nossos irmãos, de toda odiosidade entre províncias, que podem
degenerar na desordem separatista?
A ORDEM MILITAR
Querem muitos exigir do Exército que
ele se recolha à caserna. Eu desejaria que esses lessem as páginas que a
respeito escrevi no meu livro "O cavaleiro de Itararé", publicado em
1932.
Considero hoje as Forças Armadas a
última expressão de uma unidade nacional que nos chegou do regime
liberal-democrático federativo, separatista, desagregador e desordeiro. Só a
Marinha e o Exército se salvaram, pelo menos como sentimento de Pátria Total,
da Unidade Nacional. É certo que muitos de nossos militares se imiscuíram em
desordens civis, mas, ainda assim, isso foi, até certo ponto e sob certos
aspectos, providencial, porque constituíram, na própria desordem, o liame da
ordem nacional, a vigilância da alma da Pátria, evitando a degeneração dos movimentos
em dissolução social ou de esfacelamento do Brasil.
Ora, na situação como a que nos
encontramos, em que só existem partidos estadualistas (quem quer verificar que
vá ao Tribunal Eleitoral e só encontrará registrado um partido de âmbito
nacional: a "Ação Integralista Brasileira"), como poderemos
prescindir daqueles que foram os únicos que se conservaram
"brasileiros", no meio dos que, pelo menos na ação política, são
apenas "mineiros", "paulistas", "gaúchos",
"baianos", etc.?
Ao Estado Liberal-Democrático
desordeiro, acirrador de ódios, de ódios entre irmãos, caudilhesco, oligarca,
regionalista-separatista, falta autoridade moral para impedir que os únicos brasileiros
que restam da "debacle", os únicos que nós, integralistas,
encontramos, quando ingressamos na História do Brasil, os únicos que nós
surpreendemos adorando nossa Bandeira Nacional, se interessem pela política de
sua Pátria. O Exército, um dia, irá desempenhar o papel mais relevante da
Nação, executando um plano gigantesco de restauração do nosso prestígio
externo. As nossas escolas de "camisas-verdes" são as preparadoras de
um espírito nacional capaz de compreender o Exército. A confraternização dos
únicos brasileiros civis que chegaram na hora da dissolução final, com os únicos
brasileiros que vieram de 40 anos de anarquia política, vai ser completa no dia
em que deixarmos de ser pernambucanos, cearenses, amazonenses, cariocas, para
sermos, acima de tudo: brasileiros! O Integralismo, fábrica de brasileiros,
nega autoridade moral àqueles que, pretendendo dissolver a Nação, querem
proibir as Forças Armadas de atuarem, não digo pelas armas, mas pela sua força
moral, evitando que nos acabem de matar os banqueiros internacionais, os
agentes do comunismo russo, os materialistas de todo jaez, fomentadores de
discórdias, intrigantes, corvos de garras enterradas no corpo da nossa Pátria.
Se o país está em desordem política,
não pode realizar a ordem militar, tão necessária, essa ordem que todos nós
aspiramos, pois não desejamos para o Exército um papel semelhante àquele que
desempenham os exércitos de certas republiquetas que, de tanto derrubarem e
elevarem generais à ditadura, acabaram se esfacelando, ao ponto de, em Cuba,
subir ao poder o cabo Machado, numa hora em que virtualmente o Exército já não
existia. O papel que desejamos ao Exército é aquele glorioso papel do Exército
francês ou do Exército japonês.
Queremos que ele seja uma força
gloriosa. Que seja a nossa garantia. Que seja o nosso ídolo. Queremos que, à
passagem de um militar, nós, civis, possamos descobrir-nos, vendo nele um
asceta, um herói, um esteio da nossa liberdade, da nossa soberania, um baluarte
da nossa grandeza, o irmão a quem confiamos tudo: nosso lar, nossa família,
nossa bandeira, nossa carta geográfica, o nome da nossa Pátria!
O Exército só será, assim, o nosso
ídolo, quando ele estiver livre dos paisanos que embarafustam pelos quartéis, a
forjar conspiratas, cujos riscos quase sempre cabem aos militares, cujas
consequências sofrem os militares, por serem mais simples, mais cândidos, mais
sinceros.
A ordem militar, portanto, só será
possível quando se estabelecerem todas as outras ordens no organismo nacional.
A ORDEM ADMINISTRATIVA
O aspecto mais formal, mais material
da ordem administrativa indica-nos que ela não será possível sem todas as
ordens precedentes. Ela decorre da "ordem espiritual e moral", sem a
qual não há administradores honestos; ela deriva da "ordem cultural",
sem o que não há administradores conscientes; ela se origina da "ordem
sentimental", sem o que não haverá administradores que trabalhem com amor,
que ponham um pouco do seu coração no serviço que lhes compete; ela depende da
"ordem econômico-financeira", porque nada se poderá fazer num país
que anda com a corda no pescoço, entregue à anarquia daquelas casas onde, não
havendo pão, todos gritam e ninguém tem razão; ela é um prolongamento da
"ordem social", porque nos países perturbados pelas agitações consequentes
das lutas de toda a espécie, não é possível haver calma, segurança na obra administrativa;
ela se subordina à "ordem política", porque não é possível haver
administração capaz se os políticos a perturbarem com sua chusma de pistolões,
de afilhados, de manobras, de perseguições a adversários; ela se entrosa com a
"ordem militar", porque se a administração é uma função do governo,
como este é uma concretização do Estado, essa função não poderá ser exercida
sem o prestígio da força, e a força de uma Nação está diretamente ligada à
capacidade de ordem militar.
Sem essa "ordem administrativa"
jamais existirá a ordem nacional. Sem esta não haverá ordem pública.
Eis porque nós, integralistas,
achamos inócua a chamada Lei de Segurança Nacional. Ela própria é um sintoma de
desordem. É uma confissão de anarquia. É um libelo contra o sistema
liberal-democrático, contra a politicagem dos Estados. É o anúncio de que
existem conspirações. É a prova de que a Ordem está exigindo um grande
movimento nacional. É a maior propaganda do Integralismo. O médico está
querendo amarrar e amordaçar o doente, para que ele não grite e não perturbe os
vizinhos? Que deve fazer a família? Chamar outro médico. No caso brasileiro
esse médico será a Liberal-Democracia de 1891, revogada pela Social-Democracia
de 1934, que agora se confessa impotente? Não! Porque a doença já avançou muito
e os "chazinhos" já não curam. É então o comunismo? Não, porque ele
atenta contra Deus, contra a Pátria e contra a Família, que estão no coração
dos brasileiros. É o Socialismo? Não, porque ele não passa de um comunismo
mascarado. É a Ditadura Militar? Não, porque um povo civilizado não tolera
ditaduras, nem civis nem militares. Então, que salvação é possível?
Brasileiros! Civis e militares,
lavradores, industriais, comerciantes, operários, estudantes, camponeses,
intelectuais! Nesta hora histórica em que nos desesperamos desejando a Ordem,
em que tanto precisamos da Segurança Nacional, só há uma esperança, uma só
salvação: — o Integralismo!
Originalmente, um Artigo publicado em “A Offensiva”
(07/02/35, Ano II, n.° 39), quando se debatia na Câmara dos Deputados o projeto
da Lei de Segurança Nacional; posteriormente, publicado como Capítulo II de “A
Doutrina do Sigma” e nas antologias “Páginas de Ontem” e “O Pensamento
Revolucionário de Plínio Salgado”.